O dicionário Houaiss , no verbete “baderna 1”, registra a seguinte informação etimológica: “segundo Antônio Soares, do antr. Marieta ...

O étimo de ''baderna''

maria marietta baderna etimo linguistica
O dicionário Houaiss, no verbete “baderna 1”, registra a seguinte informação etimológica: “segundo Antônio Soares, do antr. Marieta Baderna, dançarina it. que esteve no Rio de Janeiro em 1851, provocando ‘um certo frisson’.” O Dicionário etimológico Nova Fronteira, de Antônio Geraldo da Cunha (Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1982, s.v. “baderna2”)
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Marietta Baderna (1828—1892), bailarina italiana. ▪ Fonte: Wikimedia
e o Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea, da Academia das Ciências de Lisboa (Lisboa: Verbo, 2001) também mencionam a bailarina italiana Baderna como étimo, e a mesma data de 1851.

O Dicionário etimológico da língua portuguesa, de Antenor Nascentes (Rio de Janeiro: Acadêmica, São José, Francisco Alves, Livros de Portugal – depositários, 1955, s.v. “baderna”), ensina: “Figueiredo deriva do fr. baderne; Cortesão, do esp. M. Lübke, REW, 875, tira o port., esp. e it. baderna e o fr. baderne, do lat. baderna, de origem desconhecida. O Larousse dá como étimo o ingl. bad, mau, e yam, fio.”

O Dictionnaire étymologique et historique, de Albert Dauzat, Jean Dubois e Henri Mitterrand (Paris: Larousse, 1964, s.v. “baderne”) informa que a palavra baderne teria vindo do italiano ou do espanhol baderna, de origem obscura, e data de 1773 a primeira atestação do termo em língua francesa.

A atriz Marietta Baderna, citada pelo Houaiss, pela Academia das Ciências de Lisboa e por A.G.Cunha, nasceu em Piacenza, em 1828. Já bailarina de sucesso,
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Teatro S. Pedro de Alcântara, Rio (demolido em 1928) ▪ Fonte: BN (adapt.)
veio para o Brasil em 1849, fixando-se no Rio com o pai, o músico Antônio Baderna. Suas apresentações no Teatro Imperial levaram-na a ganhar muitos admiradores e a perseguição de conservadores e moralistas, para os quais a bailarina representava um perigo e um mau exemplo para os jovens. A plateia costumava bater os pés no chão e interromper os espetáculos durante as apresentações da bailarina. O problema é que a dançarina Baderna nasceu quase 100 anos depois da atestação em língua francesa do vocábulo baderne, de origem italiana (ou espanhola, mas, segundo M. Lübke, apud Nascentes (o.c.), já existente em latim), embora com sentido diferente.

O Diccionario critico etimológico de la lengua castellana, de Joan Corominas (Madrid: Gredos,1976, s.v. “baderna”, vol. I, letras A-C), ensina que o termo francês, com abundância de derivados na língua de Oc (occitana), passou para o italiano baderna em 1813 e para o bretão badern. E acrescenta:

“Se suele admitir que es derivado de oc. badar, ‘abrir’, ‘hender’, con el sufijo raro de caverna, porque las badernas se emplean en Francia para revestir mástiles preservándolos del roce, luego sirvem para separar...”

José Pedro Machado, no Dicionário etimológico da língua portuguesa, 2.ed. Lisboa: Confluência,1967, registra abaderna (a aférese da vogal viúva talvez se deva à confusão com o artigo feminino, como ocorreu com apotheca, que deu bodega, em português, por deglutinação) com atestação de 1813, citando Moraes Silva. O Diccionario da Lingua Portugueza, de Antonio de Moraes Silva (Lisboa: Typographia Lacerdina, 1813), registra abadernas, no plural, designando “ganchos onde se fixam os colhedores e outros cabos, quando se aperta a enxárcia”.

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O Dictionnaire Le Petit Larousse, 2010, registra baderne com o sentido de homme borné et retrograde (“homem bitolado e retrógrado”). O Dictionnaire étymologique de la langue Française (Paris: Presses Universitaires de France, 1975, s.v.) informa que baderne, atestado pela primeira vez em 1773, adquiriu o sentido pejorativo no século XX dû au fait que la baderne est faite de vieux cordages (“devido ao fato de baderna ser feita de velhos cabos”).

O sentido primitivo de baderne, em francês, é “trança de cabos velhos”. O sentido atual, pejorativo, constante da expressão “vieille baderne”, é o de uma “pessoa aferrada a ideias ou a hábitos de outra época” (personne attachée à des idées ou à des habitudes d’un autre âge). Em espanhol, baderna é uma “cuerda trenzada y gruesa”. A mudança de sentido em francês pode sugerir também mudança de sentido em português. Daí por que Nascentes apresenta baderna num único verbete, sugerindo que se trata de uma única palavra com vários sentidos. O étimo de baderna não está, portanto, no nome da dançarina italiana, mas, segundo se lê em Nascentes (o.c.), no latim baderna, que virou baderne, em francês, e baderna, em português. Ou, segundo Corominas (o.c.), no occitânico badar, ‘abrir’, ‘hender’, com o sufixo aumentativo -erna, de caverna, que aparece também em luzerna (de luz). Caverna é nome que se relaciona com cavar, verbo de mesma raiz do termo latino cavus, “oco”.

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No meu entender, não é o nome próprio de uma pessoa que deva ser apontado como o étimo de um nome comum. Deve-se procurar o étimo do nome comum que se tornou nome próprio de uma pessoa. Dizer que baderna vem de Baderna não é indicar um étimo, mas apenas a alteração semântica de natureza metonímica: o efeito (a bagunça dos fãs) pela causa (a dança da bailarina). As alterações semânticas devem ser observadas, mesmo que distantes da significação primitiva do nome cujo étimo se deseja obter.

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Quero crer que o nome próprio Baderna, da bailarina italiana, se tenha originado do nome comum, fato verificável nos muitos antropônimos oriundos de substantivos comuns. E acredito que a significação atual, no Brasil, de baderna tenha sido causada pelas mudanças de sentido que a palavra adquiriu no século passado, e não necessariamente pelo nome da citada bailarina. É o étimo do nome próprio italiano da bailarina que deve ser pesquisado e comparado com o mesmo nome comum do português.

Ainda que os sentidos de baderna tenham entrado na língua em diferentes épocas; ainda que o sentido mais atual seja o que prevaleceu em função das apresentações da dançarina italiana, o problema é de polissemia e não de homonímia. Isto é, baderna e Baderna constituem um vocábulo só com significações diferentes, o que implica uma única entrada no dicionário.

Acredito, portanto, que o nome próprio Baderna é a antroponímia italiana do nome comum, sem relação direta com o sentido atual do nome baderna do português, em que pese à autoridade incontestada de filólogos e lexicógrafos...
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