Os corredores compridos. Diziam que aquela casa abandonada era um abrigo de velhos, no início do século passado. Antes de ser o refúgio dos que lá se exilavam fora uma pensão. Digamos classe “A”, onde se hospedava a nata pura da sociedade da época. Dizem que a dona do albergue se esmerava em bem servi-los e, por isso, eram retribuídas com benfeitorias ou até monetariamente pelas benesses.
O que chamava a atenção de todos era um objeto que ficava exposto próximo à luxuosa sala de refeições: uma perna de cera usada pelo finado marido da proprietária da pensão. Por que motivo a insistência da mulher em conservar aquele irritante e inconveniente “souvenir”? Ela explicava com os olhos marejados não ter coragem, nem disposição em dar-lhe fim, pois pertencera a seu extinto marido, um general de brigada. Perdera o
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Contavam-se coisas escabrosas sobre a referida “herança” deixada. Muitos fugiam em se hospedar naquela pensão por conta das estórias inventadas (muitos diziam serem verdadeiras) referentes ao aludido troféu. O exemplo mais clássico, digamos, era a de que, nas noites de lua nova, os hóspedes já recolhidos a seus leitos escutavam um pausado toc toc pelos corredores. Às vezes, a caminhada sofrida parava diante das portas o que vinha a aumentar o medo e a angústia de quem se agasalhava sob os lençóis. E , não se sabe se por exagero, o portador da deficiência batia, insistentemente, como querendo entrar nos aposentos. Quem teria coragem de abrir?
Havia os descrentes que nada escutavam, nem acreditavam em tal fenômeno. Era um caso (se é que estivesse ocorrendo) a ser elucidado por alguém expert no assunto, um parapsicólogo, digamos. Mas as coisas sobrenaturais sempre exercem um estranho fascínio patológico nas pessoas vivas e ainda no tempo.
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O fato é que, anos adiante, quando houve a completa decadência e a pensão fora obrigada a fechar, o prédio foi adquirido por um empreendedor interessado em inaugurar um abrigo de velhos. Mesmo assim, um dos albergados dizia escutar umas passadas incomuns e ritmadas corredor afora. Ninguém acreditou. Tudo imaginação, diziam.
D. Josefina levou consigo a prótese. Não havia perigo de continuarem as faladas assombrações.