Era uma manhã comum no ônibus lotado quando uma senhora de cabelos grisalhos segurou-se com dificuldade no corrimão, enquanto um jovem de fones de ouvido ocupava o assento preferencial, fingindo não vê-la. Ninguém disse nada. Alguns olhares se cruzaram, rápidos, discretos, como se a invisibilidade alheia fosse contagiosa.
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A cena, tão repetida, já não causava espanto, apenas um silêncio incômodo, aquele que dói mais do que um grito.
A falta de empatia é um mal silencioso, que não vem com estrondo, não anuncia sua chegada, se instala devagar, como um véu sobre os olhos, até que o outro deixe de ser um alguém e vire apenas um obstáculo, um incômodo, um pano de fundo para a nossa própria história. O problema não é a indiferença ocasional, porque todos temos dias ruins, mas a naturalização dela.
No supermercado, uma criança chora, e a mãe é julgada por olhares afiados, como se educar um ser humano fosse algo que se fizesse sem tropeços. No trânsito, buzinas ensurdecedoras cortam o ar porque alguém demorou três segundos a mais para arrancar no sinal verde. Nas redes sociais, comentários cruéis disfarçados de "opinião" escorrem como veneno, porque a tela apaga o rosto, a voz, o coração do outro.
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Dizem que a empatia é um músculo, mas se não for exercitada, atrofia. E o que temos feito, senão deixá-la definhar? Vivemos em uma era de conexões virtuais e desconexões reais, onde "curtir" uma foto substitui um abraço, e um emoji de mãos juntas vale mais do que ajudar quem está caído na calçada ao lado. Talvez falte lembrar que o mundo não é um palco onde só nós estamos sob os holofotes. Que cada um carrega dores invisíveis, histórias não contadas, lutas silenciosas. Que um simples "está tudo bem?" pode ser a tábua de salvação de alguém.
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No final, a senhora do ônibus conseguiu um assento não por gentileza, mas porque alguém desceu. O jovem nunca tirou os olhos do celular. E o ônibus seguiu adiante, levando consigo mais um fragmento de nossa humanidade esquecida. Será que um dia desceremos na próxima parada da compaixão, ou seguiremos viagem, cada vez mais sozinhos, em nossos mundos particulares de indiferença?
É uma vida como estar doente, que é um impedimento para o corpo, mas não para a vontade, a menos que a própria vontade escolha perecer. Mancar é um impedimento para a perna, e não para a vontade. E acrescente esta reflexão por ocasião de tudo o que acontece na vida: você descobrirá que os impedimentos pertencem ou decorrem de outra coisa, mas não de si mesmo, e lembre-se: a morte será somente a última coisa que vai lhe acontecer.