Ei, psiu... Você já perdeu a cabeça por amor? Eu, não. E, permita-me a discordância, caso seja afirmativa a sua resposta. Você nunca pe...

Atração fatal

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Ei, psiu... Você já perdeu a cabeça por amor? Eu, não. E, permita-me a discordância, caso seja afirmativa a sua resposta. Você nunca perdeu a sua cabeça por conta disso nem por nada. Quando muito, pode ter perdido, ocasionalmente, o juízo, ou o sossego. Na verdade, minhas e meus camaradas, nenhum de nós sabe o que seja, de fato, uma perda dessas.

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Sozinho, em casa, o tema me ocorreu ao cabo da terceira dose de uma caninha honestíssima, presente de um amigo brejeiro. A solidão é o melhor dos nichos para quem escreva, componha, crie. Quando estou só, ninguém nem nada me incomoda. Não tenho cachorro. Tenho gatos, dois deles mais quietos do que o dono em suas duas octogenárias patas.

Nunca deixarei de recomendar o isolamento aos autores de textos, poemas, ensaios, telas, peças literárias, ou não. O que não recomendo é a quarta dose porque, a partir daí, a coisa deixa de ser degustação. Vira pileque, com suas consequências. Eis-me, portanto, ainda em condição plena para refletir sobre tragédias amorosas, a poucos passos da Árvore de Natal e da toalha que recobre a mesa com figuras e cores da época.

Perdão, Papai Noel, tomei um caminho sem volta. Mas, pensando bem, você também não é um bom exemplo. Já falei por aqui dos seus dias de vendedor de cerveja,
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cigarro e lingerie. Lembro de quando se punha aos pés de escadas em cujo topo estivessem moças de saia. Vender aquele refrigerante preto é, então, o menor dos seus pecados.

Vamos, agora, ao tema que me traz ao teclado: o canibalismo sexual, este é o termo exatíssimo. Veementemente, porém, a todos ressalto que não falo de gente, mas de bichos. Os que disso bem entendem são os insetos e aracnídeos. Creiam: naquele mundo macho nenhum pode contar vantagem. Impossível, entre eles, a conversa do gênero: “Está vendo aquela garota? Já peguei muitooo”... Isso é coisa dos pabulosos, fanfarrões, gabolas, todos mamíferos, bípedes e cretinos.

Na vida como ela é, o marido da aranha, por mais macho que seja, sabe que não sairá vivo daqueles lençóis de seda, daquela fibra natural que endurece sem perder a maciez nem a elasticidade, da obra prima assim produzida por aquela a quem ele já pode ter como viúva. “Viúva Negra”, diz-se.

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E os escorpiões, bichos com capacidade para matar não pela frente, com garras e pinças, mas por trás, com o rabo onde se esconde um ferrão do qual até o diabo foge? Mesmo estes vão ao sacrifício, à morte consentida e certa. Consentida, sim, ao que nos levam crer estudos realizados na Austrália por especialistas na matéria.

Quando se trata da aranha “Latrodectus hasselti”, australiana da gema, o suicídio dos machos torna-se até compreensível – ao meu tosco ponto de vista – porquanto eles perdem o pênis na cópula. Que graça teria a vida depois disso, para quem se ache jovem, forte e aventureiro? Eu soube, de leituras outras, que um ou outro macho da aranha “Meta”
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até consegue escapar do veneno da amada porque a engana com um quitute, um bichinho qualquer que ela devora enquanto ele se diverte. Faz tudo muito rapidamente e pula fora.

Os dos gêneros “Gasteracantha”, “Eriophora” e “Micratena”, até fazem serenata para aquelas das quais desejam tais favores sem garantia de sucesso, evidentemente. Interligam um fio à teia das fêmeas e o tocam como se instrumento fosse. A depender de cada talento, elas se posicionam a fim de recebê-los. Depois, os comem, no sentido lato do termo. Os zangões, coitados, são meros objetos sexuais: morrem logo depois de estarem com a rainha em cujo corpo deixam os cachos. No outono, as abelhas operárias expulsam os machos, posto que se tornam um fardo para a colmeia.

Tudo bem, tudo bem. Alguém poderá me interpelar com argumentos científicos: “Ô, sua topeira, a Natureza preparou os bichos para a sobrevivência e evolução de cada espécie. Na maior parte dos casos, os corpos dos machos servem às boas posturas e como fonte extra de alimento para aquela que dos ovos vai cuidar até o fim das eclosões”. E eu pergunto: que graça tem a coisa vista dessa maneira?
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Prefiro mesmo é discutir a questão pelo prisma da atração carnal. E isso vale para os que tenham osso por fora e carne por dentro, caso dos insetos.

Aliás, ocorre-me, em muito bom tempo, que também existe, embora mais raramente, o império das fêmeas entre os mamíferos. Perguntem às hienas. O acasalamento delas desafia o malabarismo por conta da anatomia reprodutora única e desafiadora. Elas não possuem abertura vaginal. Têm, ao invés disso, pseudopênis, assim denominados pelos estudiosos do ramo. O parto das criaturas dessa espécie é processo, então, complicadíssimo para as mães e seus filhotes. As mortes decorrentes da dilaceração do canal por onde cada ninhada vem ao mundo é fenômeno bem frequente entre esses animais. Ali, contudo, a hierarquia é matriarcal, rígida e competitiva. Os machos, menores e mais franzinos, tomam, diariamente, um coro danado.

E os polvos, hein? Entre estes o acasalamento é uma tragédia em dose dupla. Os machos são devorados logo depois da entrega do esperma por
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meio de um tentáculo modificado, o hectocotilo, mas as viúvas têm destino igualmente perverso: morrem de fome e exaustão porque não se descuidam, um segundo sequer, dos seus muitos ovos, milhares deles. Mãe zelosa está aí. Conta-se que o polvo-de-anel-azul, sabido que é, usa veneno em doses suficientes para o cruzamento seguro, com a paralisia momentânea da fêmea.

Meu irrestrito respeito ao louva-a-deus macho. Macho mesmo. Pesquisem e vejam que não é piada. A primeira coisa que sua amada faz, iniciado o acasalamento, é arrancar-lhe a cabeça. Mesmo assim, decapitado, o bicho tenta e consegue terminar o serviço.

Michael Douglas, você que fez o advogado Dan Gallagher naquele suspense danado de 1988, apesar das indicações ao Oscar, está longe de saber o que seja, de fato, uma atração fatal. Nem você sabe disso nem aquela doida da Alex Forrest, a quem a competência da atriz Glenn Close deu corpo e alma. Quer saber mesmo dessa coisa, pergunte aos bichos.

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  1. Quem for macho que aguente.

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  2. Saborosa crônica que nos faz refletir sobre os mistérios da natureza e da vida. Parabéns, Frutuoso. Francisco Gil Messias.

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    1. Obrigado, Gil. Um abraço, Frutuoso.

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