É um engano confundir a felicidade com a mera obtenção de resultados. A felicidade não está numa meta, mas no estado em que nos sentimos quando a alcançamos. Tem mais a ver com o sentir do que com o obter. A ansiedade pela conquista de um resultado pode ser tão perturbadora quanto o tédio consequente a essa conquista. Muitos, ao “chegarem lá”, percebem que aquele não era bem o lugar que almejavam, e se desapontam. Isso explica, por exemplo, o comportamento de personalidades que alcançam o topo e inexplicavelmente se suicidam ou se entregam às drogas. Ocorre muito com os artistas, que dependem do aplauso para alimentar seus egos.
Lacan afirma que a “ética” da psicanálise se mede pela fidelidade do sujeito ao seu desejo. Seria uma espécie de imperativo “moral” a pessoa, como ser desejante que é, buscar satisfazer os seus impulsos; nisso estaria o pleno exercício da liberdade. Esse ponto de vista colide radicalmente com o de Kant, para quem a liberdade está em... não satisfazer os próprios desejos. Ao invés de se submeter ao seu aguilhão, sobrepor-se a ele; nesse gesto de negação estaria uma vitória sobre os instintos, que tendem a nos escravizar. A realização dos desejos supõe uma vitória sobre agentes externos, ligados à ordem social; a não realização deles, por sua vez, supõe o triunfo do indivíduo sobre si mesmo. Isso me parece mais lógico como regra moral e se mostra mais compatível com as inter-relações sociais.
O homem não nasce culpado. Ele se torna culpado em razão das opções erradas que faz. O desprezo ou a indiferença para com os outros estão entre elas. A ideia de uma culpa original tende a nivelar os seres humanos pelo cometimento de uma falta única, e aprioristicamente o condena, tornando de certo modo inúteis as tentativas de melhorar – a não ser pela adoção de determinada crença. Essa ideia tende a enfraquecer a confiança numa justiça terrena como efeito das ações praticadas neste mundo, ou seja, sem que necessariamente se vise a um suposto ganho em outro.
Pior do que a morte é o medo da morte, que tende a nos suprimir antecipadamente a vida. O fato de temê-la e tentar escapar ao seu espectro, por meio de fantasias e ilusões, limita a nossa percepção da realidade e nos embota a lucidez. Sobretudo, nos torna suscetíveis à exploração de vivaldinos, que com isso nos manipulam e ganham dinheiro. É estranho que o ser humano tenha tanto escrúpulo em vender o corpo, e por vezes nenhum em vender a alma.
