Mário Quintana protagoniza um curioso paradoxo: o de ser lembrado por ter sido esquecido, em eleições para a Academia, e dar o lugar a candidatos de menos mérito do que ele. O fato sempre é citado quando alguém se torna alvo de injustiça semelhante. A rejeição ao grande poeta, que o Brasil reconhece e ama, terminou se constituindo num símbolo da iniquidade que por vezes permeia as escolhas nesse tipo de instituição.
Mário Quintana Arquivo Nacional
Convidado a concorrer uma quarta vez, ele se recusou com a alegação de que, de modo geral, as eleições na ABL se guiavam mais por interesses políticos e sociais do que puramente literários. Afirmou que não tinha "saco" para os "chás e visitas"
Estátuas de Drummond e Quintana
Ricardo André Frantz
Ricardo André Frantz
Outro caso muito citado é o de Drummond; avesso a formalidades e, segundo se diz, a “pedir votos” e “participar de grupos”, ele não quis ingressar na ABL. Também dela não fazem parte Sérgio Buarque de Holanda (pai de Chico, que parece lhe seguir o exemplo), Érico Veríssimo (o filho Luis Fernando, nosso maior humorista, também acompanhou o pai) e Clarice Lispector (esta por uma razão filosófica profunda; considerava a ideia de ser “imortal” como algo irreal e até mesmo funesto. Dizia preferir “a mortalidade e a essência da vida”).
Em uma entrevista dada em 1977, pouco antes da sua morte, a autora de “Água viva” reiterou o motivo e fez um curioso acréscimo: “Eu jamais me candidataria, porque não sou bastante gregária e sobretudo sou terrivelmente, essencialmente mortal. Além do que, não me agradaria que, ao meu menor espirro, vissem em mim uma vaga.”
Clarice Lispector Madalena Schwartz / Instituto Moreira Salles
Curiosamente, cita-se Quintana mais do que esses outros, que também vão “ficar” unicamente pelo valor das suas produções. São exemplos de intelectuais e artistas que, mais comprometidos com a sua arte, sempre manifestaram um altivo desdém por honrarias acadêmicas e nunca chegaram a se candidatar.
Érico Veríssimo Arquivo Nacional
“Eles passarão/ eu passarinho” parece mesmo uma resposta aos que lhe impediram a entrada na Casa de Machado de Assis, no tempo em que ele desejava isso. Em sua antítese criativa, profetizam uma glória que transcende a consagração meramente formal e traduzem o íntimo reconhecimento do valor que tentaram lhe sonegar. O gorjeio do Passarinho Quintana, repercutindo nos ouvidos sensíveis à boa poesia, demonstra que o verdadeiro pouso da imortalidade é a memória das pessoas.