ARRIMO DA PEDRA BRANCA
Coube em mim esta vontade moura. A seta andeja da cruel maldade não saberia ter o fecho à boca, ou saciar a pueril vaidade. Mas sou minguado, insignificante, não sei da ira, da força desmedida, sou ser prosaico, manso, tolerante, que ao rés do chão vou farejando a vida. Cravo os dentes na pele que se despe, já sem ódio, talvez por lembrança. E essa fome? Minha epifania é carne. Resta a loucura da fumaça branca de uma triste pedra que me alicerça, muro e casa. Ah, febril esperança!
Coube em mim esta vontade moura. A seta andeja da cruel maldade não saberia ter o fecho à boca, ou saciar a pueril vaidade. Mas sou minguado, insignificante, não sei da ira, da força desmedida, sou ser prosaico, manso, tolerante, que ao rés do chão vou farejando a vida. Cravo os dentes na pele que se despe, já sem ódio, talvez por lembrança. E essa fome? Minha epifania é carne. Resta a loucura da fumaça branca de uma triste pedra que me alicerça, muro e casa. Ah, febril esperança!
Vitor Nogueira
ORAÇÃO AO PAI DA TERRA
Torres do eterno na terra do medo, entre as pedras, no altar, o homem imenso oferta a carne, os ossos, no degredo certo da morte ao sem âncora do terço. E este silêncio de cores dispersas que remetem ao medo do incontido abraço das horas pálidas, parcas, que restam alheias ao eu constrito é uma certeza que prega, empaca e retine no alforje dos impuros sem credo, crédito por sua impáfia de pelejar a justa do obscuro desejo de preterir uma estaca que lhe deu o nome e o condenou ao escuro.
Torres do eterno na terra do medo, entre as pedras, no altar, o homem imenso oferta a carne, os ossos, no degredo certo da morte ao sem âncora do terço. E este silêncio de cores dispersas que remetem ao medo do incontido abraço das horas pálidas, parcas, que restam alheias ao eu constrito é uma certeza que prega, empaca e retine no alforje dos impuros sem credo, crédito por sua impáfia de pelejar a justa do obscuro desejo de preterir uma estaca que lhe deu o nome e o condenou ao escuro.
Vitor Nogueira
SINAL DE FUMAÇA
Jogada, à luz no desmantelo, — mortalha de loucos no nada — paz do fumo a acalmar o gueto dos cães noturnos nas calçadas. A luz da paz entre as vidraças, ferro torcido e desespero. Nas bocas, prenhe de fumaça, — pátina dos ossos, espelho do deixar de ter sido, o riso postiço, da fome o visgo amargo em sua cova rasa. Mas o contorno azul na face do dia dá à chama o disfarce que diz: pedra é óbolo da farsa.
Jogada, à luz no desmantelo, — mortalha de loucos no nada — paz do fumo a acalmar o gueto dos cães noturnos nas calçadas. A luz da paz entre as vidraças, ferro torcido e desespero. Nas bocas, prenhe de fumaça, — pátina dos ossos, espelho do deixar de ter sido, o riso postiço, da fome o visgo amargo em sua cova rasa. Mas o contorno azul na face do dia dá à chama o disfarce que diz: pedra é óbolo da farsa.
Vitor Nogueira
NOSTALGIA
Me guarde em você. Quero ser seu rabo inútil ou sua sombra dispersa na metade dos dias. Não me recuso a nada, nem que me exploda em Mundo, e partido, fragmento andejo, me esparrame entre seus sonhos. Me guarde em você, assim como a surpresa ou um bocejar de tédio. Me guarde, me recrie no anonimato de sua pueril soberba. Me guarde, simples assim, como um resíduo de pele morta que se agarra à vida ou um som tardio, mínimo.
Me guarde em você. Quero ser seu rabo inútil ou sua sombra dispersa na metade dos dias. Não me recuso a nada, nem que me exploda em Mundo, e partido, fragmento andejo, me esparrame entre seus sonhos. Me guarde em você, assim como a surpresa ou um bocejar de tédio. Me guarde, me recrie no anonimato de sua pueril soberba. Me guarde, simples assim, como um resíduo de pele morta que se agarra à vida ou um som tardio, mínimo.
Vitor Nogueira
CORTE PROFUNDO
A carne é de todos nós, mesmo quando cortada e exposta em histórias esquecidas A carne é de todos nós, mesmo que perturbe nossa estada no paraíso A carne é de todos nós, e já é tarde para não reconhecermos nela nossa fisionomia A carne é de todos nós, e mesmo sem cheiro tem memória e um sorriso cínico de cumplicidades.
A carne é de todos nós, mesmo quando cortada e exposta em histórias esquecidas A carne é de todos nós, mesmo que perturbe nossa estada no paraíso A carne é de todos nós, e já é tarde para não reconhecermos nela nossa fisionomia A carne é de todos nós, e mesmo sem cheiro tem memória e um sorriso cínico de cumplicidades.
Poemas do livro O mais Eu de todos em mim
vive me desconhecendo ■ de Vitor Nogueira e Jorge Elias Neto, disponível no site da Editora Cousa.
Nestes tempos de dicotomia nas paixões
Fernando Pessoa, o assumido poeta do EU, sabia que o olhar necessita de um objeto, daquilo em que se depositam o desejo, a angustia, a dor, a febre – e, é claro, a esperança e tudo que a circunda. Inclua nesse rol, a compaixão. Eis a questão tão inequívoca quanto necessária: como, situado neste mundo, pode o poeta abster-se do real e ignorar o que lhe cerca? A dupla Vitor Nogueira – Jorge Elias Neto encara esse real e, cada um com seu olhar – complementares, diga-se -, observa que o mundo não é exatamente o que se mostra: ele é mais intenso, mais vil e mais desigual do que imagens e palavras possam expressar. Daí a necessidade de compadecer-se e agir. A ação em “O mais EU de todos em mim vive me desconhecendo”, num certo sentido, confirma o português Pessoa: a realidade faz com que nos reconheçamos de todos os modos possíveis, e a poesia e a fotografia (ambas de uma beleza crua e essencial, definitiva) podem nos levar muito além, plenas de luz e vida, impelindo-nos a reconhecer que fazemos parte de um mundo que, ao menor descuido, tende a nos abominar e a nos rejeitar.
Estamos, todavia, todos juntos. E, felizmente, para o nosso consolo, com Vitor e Jorge nos guiando.
(Francisco Grijó - escritor)
Nestes tempos de dicotomia nas paixões
Fernando Pessoa, o assumido poeta do EU, sabia que o olhar necessita de um objeto, daquilo em que se depositam o desejo, a angustia, a dor, a febre – e, é claro, a esperança e tudo que a circunda. Inclua nesse rol, a compaixão. Eis a questão tão inequívoca quanto necessária: como, situado neste mundo, pode o poeta abster-se do real e ignorar o que lhe cerca? A dupla Vitor Nogueira – Jorge Elias Neto encara esse real e, cada um com seu olhar – complementares, diga-se -, observa que o mundo não é exatamente o que se mostra: ele é mais intenso, mais vil e mais desigual do que imagens e palavras possam expressar. Daí a necessidade de compadecer-se e agir. A ação em “O mais EU de todos em mim vive me desconhecendo”, num certo sentido, confirma o português Pessoa: a realidade faz com que nos reconheçamos de todos os modos possíveis, e a poesia e a fotografia (ambas de uma beleza crua e essencial, definitiva) podem nos levar muito além, plenas de luz e vida, impelindo-nos a reconhecer que fazemos parte de um mundo que, ao menor descuido, tende a nos abominar e a nos rejeitar.
Estamos, todavia, todos juntos. E, felizmente, para o nosso consolo, com Vitor e Jorge nos guiando.
(Francisco Grijó - escritor)