Caíram as folhas que vi nascer quando parti Não fui testemunha das aguadas e da prenhez da terra que alimentaram Apenas a meia-volta da memória se despede, vez ou outra E sigo na constância, e os dias, sim, brotam
CAÍRAM AS FOLHAS Caíram as folhas que vi nascer quando parti Não fui testemunha das aguadas e da prenhez da terra que...
Caíram as folhas
Caíram as folhas que vi nascer quando parti Não fui testemunha das aguadas e da prenhez da terra que alimentaram Apenas a meia-volta da memória se despede, vez ou outra E sigo na constância, e os dias, sim, brotam
Varal Roupa lavada desconhece a história. Dela tiraram as palavras, os odores, tiraram o enigma das cores. Já neste var...
Penduro cheiros neste varal
Roupa lavada desconhece a história. Dela tiraram as palavras, os odores, tiraram o enigma das cores. Já neste varal mágico, o que se vestiu, o que existiu, o que é e não simplesmente foi, o que está exposto é a materialização de minhas vivências. Penduro cheiros neste varal: O cheiro de talco de minha avó; Meu pai-cheiro. Nele estão também os cabelos longos de meu irmão Que verteram poesia e sofrimento. (Quem sabe também o seu último olhar para a morte?)
A ESCRITA É UMA LIGA DE SANIDADE Muitos diriam para não fazer esses malabarismos de letras sem sentido Diriam que a set...
Ser o vento desperdiçando a força nas folhas mortas
Muitos diriam para não fazer esses malabarismos de letras sem sentido Diriam que a seta é a cura para a obtusa tortuosidade do nômade Mas buscar o visgo na ressurreição diária faz lampejar os olhos O Eu triturado renasce, não sóbrio, pois a vida não permite
Vejo nos dias atuais uma tendência à falta de proveito de um dos sentidos da poesia. Não creio que se tenha um caminho único a ser t...
Pela poesia, simplesmente
Não creio que se tenha um caminho único a ser trilhado – pelo contrário – mas tenho observado um favorecimento da busca pura e simples da abstração, do uso “despretensioso” das palavras; como se o poeta se sujeitasse aos novos paradigmas impostos pela atual visão caleidoscópica da arte; pela trilha atribulada e veloz da globalização.
O ÚLTIMO (Por que o último, se existe o contínuo da expectativa?) Os riscos ocupavam todas as paredes do cômodo ...
A sombra tomba sobre a terra ao sentir o fascínio do sol
(Por que o último, se existe o contínuo da expectativa?) Os riscos ocupavam todas as paredes do cômodo Custava revirar os olhos e contá-los (na verdade era impossível) Havia espelhos dependurados, nenhum espaço para incluir um sonho e uma possibilidade de saber do infinito E naquele em torno, que incluía a eternidade, se despejava o desejo humano
MONÓLOGO Pode ser meia a dor que te consome? Viver, apreender palavras, guardá-las no silêncio. O mormaço já est...
As mãos postas
A vogal é par, a consoante é impar – azulejos – na casamata do poema.
Canto primeiro Habita em mim um sem número de desterrados, meus pares eternos, raízes que me circundam. Resmas e re...
Cantos para meus filhos
Habita em mim um sem número de desterrados, meus pares eternos, raízes que me circundam. Resmas e resmas de histórias perdidas, descartadas, um cotidiano de ossos e aboios de heróis impuros. Um ser andor e barro, caligrafia, relicário das almas. Meu duplo é o ontem, a miragem sertaneja, o cedro-do-Líbano, a travessia dos Oceanos e das caatingas.
Coisas excepcionais aconteceram sob os olhos cansados de um relógio do tempo que não pediu para existir. Mãos o criaram ̶ eu sei. É que o Sol insistia em rodar, rodar e rodar... Era um deus. Sagacidade de uma prosopopeia.
Letra miúda, essa, do tempo, caber o risco do vento o uivo, o eco, toda delicadeza dos voos dispersos e restar espaço para tantos sonhos na inocência de uma infância.
O cerol do tempo lembrando que a morte é a única panaceia.
Surgem homens, incansavelmente, e a discórdia começa com as iniciais dos nomes.
Os homens se perderam, eu me perdi, sou um deus da guerra Milano, sou um deus plácido e sua faca o corte e a ferrugem dos séculos.
Sabe, pai, é triste não saber definir a noite.
A palavra malefício poderia ser desdobrada em oficio de ser mal ou um mal ofício, uma execução imperfeita, um ato humano. Intencionalmente estaria aí a dualidade, o espaço da religião.
O amuleto, um algo que já tentei ver através de um radioscópio, e que só mostrou minha mão que segurava uma ilusão envolta em séculos de tecidos negros que guardavam uma farpa da Santa Cruz.
Existiu um rosário de contas azuis e brancas, e uma pena do pavão de padre Cícero, e Santa Marta, ou uma outra Santa de vestes de freira, e um oratório azul como um túmulo de um ser puro nascido no Seridó, e um menino vivo a confrontar o espelho, essa imagem maldita que pensa saber todas as respostas.
Existe uma hierarquia para as perdas. A minha primeira foi a mãe do Bambi. E minha mãe nem sabia que eu já sabia da morte quando segurei suas pernas na janela do nono andar.
Guardei meus pés e minhas pausas.
Esse olhar de ódio é um teatro do absurdo de um homem além do discurso de querer-se sóbrio diante do naufrágio.
Nascemos e partimos para o esquecimento.
A espiral dos cromossomos se quebra. É o pó das urnas mortuárias e a carga nos ombros dos filhos.
A colcha de retalhos é o nosso destino, memórias, augúrios e peripécias. Isso é a vida. E a responsabilidade dando sentido ao ser torto no redemoinho.
Estenda sobre seu caminho de passos suas descobertas, e parte levando o que seja, leva ao menos um desejo de tarde e o sentimento tátil da bruma ao te despertar de um sonho.
Por vezes o pouco contato, o distanciamento, a ausência do olhar, do tato, nos desperta a falsa impressão de que aquela pessoa não exer...
O que guardei de meu pai
A quanto dista o zelo do cientista ao abuso apaixonado do poeta com a palavra? Aprendi assim, colhendo poesia no coração lúdico das p...
A poesia do coração
Aprendi assim, colhendo poesia no coração lúdico das pessoas; era um tempo em que desconhecia o bombear cardíaco, apesar de sentir aquela aceleração gostosa no peito - condição comum para os apaixonados platônicos de todos os tempos.
Alguma coisa acontece no meu portão Nascido de um sonho Eu mordiscava os mundos a medida que percebia algo de doce...
Despedidas
Nascido de um sonho Eu mordiscava os mundos a medida que percebia algo de doce (a presença) Espiava futuras andanças, tecia despedidas para a imagem muda do pai (Era a menina que partia pela fresta amarela) Chuva, testemunha de minhas urgências, este consolo no sem sentido. (pai, você já pensou em pegar o sol e jogar lá longe?) Alguma coisa acontece no meu portão (Pai, meus olhos estão encharcados de sono) Ficou a casa, entrecortada de silêncios (E se lançarmos o silêncio para longe,
Enterrou seu filho, sua mãe e seu marido, entrou em casa e trancou a vida do lado de fora. Colocou o insulfilm mais escuro do mercado ...
Árvore genealógica
PERTENCIMENTO Eu, que atentei contra as lendas, devo participar calado da ceia dos ausentes. (O brilho do dia nad...
Sombra e brisa
Eu, que atentei contra as lendas, devo participar calado da ceia dos ausentes. (O brilho do dia nada sabe sobre o vazio que se desprende nas asas sem destino, dos trocadilhos dos fartos, da soberba que ofusca no horizonte o templo dos desesperados, do pânico dos ascensoristas buscando um andar que caiba o homem)
Para que compartilhar a loucura? Tem-se que guardar em segredo a penúria dos instintos que nos avassalam a alma. A loucura transborda, ...
O intruso
Diriam que ela é suportável nas crianças e em alguns endemoniados perdidos nos acostamentos das autoestradas – sempre carregando nas costas suas sacolas cheias de coisas-nenhumas. Elas não aprenderam ainda a ser gente;
A cidade cresce, se descaracteriza, fica cinza. Os faróis dos carros só são belos nas fotos noturnas com longa exposição do diafragma ...
O vai-e-vem da esperança
LIVRO NEGRO (Do canto obscuro a beira do mito, percorre-se o possível.) Medusa, Sangre minha língua, Recubra de vida ...
Planície
(Do canto obscuro a beira do mito, percorre-se o possível.) Medusa, Sangre minha língua, Recubra de vida a hóstia - alento do passado. Musa, surpreenda o que no sossego dos dias tingidos, simplesmente - ignora.
Em qual categoria de poeta eu me insiro ? Sou um pintor de luas tortas. Tombadas sobre a terra frágil. Ou seja, trato da poesia fra...
Minha última pele
Sou um pintor de luas tortas. Tombadas sobre a terra frágil.
Ou seja, trato da poesia fragmentada de nosso tempo, dos seus andrajos sustentando uma terra inóspita para a beleza.
Meu poema não é passivo, não enleva a alma ao paraíso, ele lambuza o leitor com a realidade, com a angústia do ser consciente.
O pasto é para todos, por isto cuido do arado, planto, colho, engulo, mas, ao acaso, rumino versos que são a minha fome perseguida.
Aquela palavra-frase que me ignora as súplicas e me arrebata ao seu bel prazer.
Chamo de estalo da palavra este açoite aguardado da musa. Mas luas tortas carecem de aplicabilidade.
Daí ser ignorado tal arquiteto e seu anacronismo.
A lua suspensa e seu telescópio já não dizem nada.
Os irmãos Lumiére não se reinvetam na poesia.
O espaço-tempo não tem fragrância, ele é um galope doido de imagens e informações.
Sei que o poeta não é um ser prático, mas é rico em praticâncias e desassossego.
E assim acordei sendo. Esta é minha última pele. Visto o que sobra das luas que picoto e remendo em minha vida.
Quem sabe aprenda a amanhecer em algum olhar. O que me diz leitor?
A ARTE DO DESAPARECIMENTO Em algum momento há de se aprender sobre o desaparecimento Os dentes assinam as raizes das ...
A vida tem sua fome de glória
Em algum momento há de se aprender sobre o desaparecimento Os dentes assinam as raizes das coisas (algo desapercebido - o lapidar da esfinge) A vida tem sua fome de glória e guerra pela verdade e estende seu piso até a Terra que nos preenche com a derradeira surpresa.
PARANOIDE CAMARÁ Já marquei as circunstâncias com alfinetes coloridos Não me perderei revirando prejuízos no Nada E...
O horizonte é o fluido que deságua na morada do abismo
Já marquei as circunstâncias com alfinetes coloridos Não me perderei revirando prejuízos no Nada E se a imprecisão no poema for uma renúncia, um estar solidário ao conjunto dos passos autômatos, rítmicos, dos exércitos, me calarei de desprezo pelo ofício da escrita.
Vejo como necessária a celebração da vida, da condição racional do homem, de sua possibilidade de escolhas. Mas bem sei do quão é d...
A condição humana
Chega-se ao ponto de ser quase um absurdo discutir o já tão repisado tema do livre arbítrio após um olhar para a foto que motivou este texto.
Convido o leitor que passe o olho na imagem, deixe que ela se fixe, que ela o veja e seja vista, que ela turve os seus olhos e suas certezas, suas verdades.
Em seu sermão sobre São Roque, o Padre Antônio Vieira nos diz que “em todo ato, em cada ser humano habitam muitas verdades”. Falo sobre as verdades que essa foto de Vitor Nogueira me despertou.
Dizem muito da inteligência artificial, da possível empatia que pode ser inserida na forma como a frase é elaborada, como as palavras ...