Enterrou seu filho, sua mãe e seu marido, entrou em casa e trancou a vida do lado de fora. Colocou o insulfilm mais escuro do mercado em suas janelas e fechou-as. O barulho das ondas, anunciando o incansável ciclo das marés, não penetrava aquele esquife, elas não podiam rivalizar com sua sede de passado. Na árvore genealógica de metal colocou as fotos de seus homens.
Quem visitasse aquela casa poderia entendê-la através daquela árvore. Sentou-se em sua cadeira e passou a cultivar sua árvore com a energia de sua saudade. Em três níveis daquele tronco metálico saiam galhos de onde pendiam as cabeças dos homens perdidos.
Celyn Kang
Com ele construiu enfim sua vida, uma família, e deixou para trás, pendurados naqueles primeiros galhos suas primeiras imagens, para quem sabe, no futuro-agora poder olhá-las com ar de sofrimento. Seguiu então seu caminho e novos galhos surgiram em sua árvore que, como ela, também envelhecia. Naqueles dois galhos, os dois homens de sua vida. Não que os demais não fossem importantes, prova era que pendiam nos galhos de sua existência. Mas para esses, tinha programado, mesmo que de forma inconsciente, algo especial e definitivo: eles seriam os alicerces para sua tranqüilidade. Mas quem pensa a vida assim, de forma tão inocente, vê a verdade como tragédia.
Celyn Kang
Eis que surge então o último personagem de sua genealogia, o filho ambicionado, idealizado, sua semente definitiva. Mas aquele fruto não pôde ficar assim pendendo naquele galho à mercê de seus suspiros; como todo fruto, esse também partiu para buscar outras terras. Surgiu assim o último grande galho de sua árvore, forte, capaz de suportar o peso de sua maior perda. A foto daquele filho colocada assim, como se reinando, acima de todas as outras, é de um valor simbólico único, diria até psicanalítico; quantas mães não construiriam assim suas árvores, mas não ousaram fazê-lo?
Fica ela ali sentada, passando os dias a admirar retratos. Não importa que alguns daqueles homens, ali expostos, ainda estejam vivos, não importa... Afinal, eles não são mais o ideal desejado, o ideal está ali, exposto, na sua árvore de retratos.