Poetas, candidatos a poeta, amantes da poesia – leiam Gonçalves Dias e Manuel Bandeira! Sim, deixem de lado os poetas atuais, deixem seus coevos repousar! Deixe-os, por um bom tempo, em banho-maria ou em estado de suspensão! Larguem tudo, vão ao poeta de “Ainda uma vez – Adeus!”! Deliciem-se com o poeta de “Sonho de uma terça-feira gorda”!
Monumento a Victor Hugo, na Sorbonne, Paris ▪ Arte: L. Marqueste, 1901 ▪ Wikimedia
Na França, costuma-se definir Victor Hugo como o “Homem-Século”, pelo fato de que o escritor, tendo nascido em 1802 e morrido em 1885, varou todo o século XIX, ajudando a moldar a sua face, atravessando os terremotos políticos e culturais. De Waterloo à Comuna de Paris; do Romantismo ao que havia de mais moderno e revolucionário, como o fabuloso romance 93, uma referência crítica ao início do período do Terror da Revolução Francesa (1793-1795), cuja cria, Napoleão Bonaparte, enfrentou a realeza absolutista europeia. Pelo meio do caminho, o homem político vai semeando literatura com obras não menos grandiosas, como Os Miseráveis e a inimaginável epopeia de 40 mil versos, A legenda dos séculos. Romancista, teatrólogo, poeta, crítico, político e avô (ah! que adorável livro, A arte de ser avô...), eis a síntese do Homem-Século.
Manuel Bandeira (1886—1968), poeta, crítico literário, professor e tradutor, nascido em Recife.
Manuel Bandeira, o “arquiteto falhado, músico/falhado (engoliu um dia/um piano, mas o teclado/ficou de fora)”, atravessou o Parnasianismo, o Simbolismo, o Modernismo, chega ao Concretismo e, em todas as situações, mostrou-se um poeta de grande consciência do verso, buscando a melhor musicalidade, seja na poesia tradicional dos versos metrificados e rimados, seja na poesia de versos livres; seja com o triste tema da morte, seja na alegria do “Trem de Ferro”. Poeta que sabe transformar o popular em erudito, sem abrir mão do sabor/saber popular. É assim que ele constrói as quadras alexandrinas
O lirismo e a ironia andam pari passu na sua poesia. Os momentos tocantes do lirismo terno e memorialista não são superiores às brincadeiras irônicas de viajar para Pasárgada; às provocações com os sapos parnasianos, com a morte e na impagável burla que prega no leitor, em “Pneumotórax”, construindo o seu verso livre com o ritmo vário dos versos tradicionais.
Da convivência diária com a morte, transfigurada em poesia, Bandeira faz todo um trajeto da negação à aceitação, passando pela preparação e a recepção com direito a uma Consoada, tudo convergindo para a busca da simplicidade, desvelando a morte de seus misticismos, tanto na vida quanto na construção do poema, como se pode ver em O Último Poema (Libertinagem), de que até a pontuação intermediária desaparece:
Assim eu quereria o meu último poema
Que fosse terno dizendo as coisas mais simples e menos intencionais
Que fosse ardente como um soluço sem lágrimas
Que tivesse a beleza das flores quase sem perfume
A pureza da chama em que se consomem os diamantes mais límpidos
A paixão dos suicidas que se matam sem explicação.
Busto de Manuel Bandeira, na entrada do Espaço Pasárgada, na Rua da União, em Recife. Fonte: Gov.PE
Já o poeta maranhense, Antônio Gonçalves Dias, é outro caso. Poeta, linguista, teatrólogo, tradutor, etnógrafo, profundo conhecedor de latim, tupi, alemão e do nosso idioma, que o digam as Sextilhas de Frei Antão (1848), onde ele expõe, em forma de poesia, o seu conhecimento da língua portuguesa, já àquela época, arcaica.
O poeta encanta não só por oscilar entre o lirismo amoroso e o lirismo indianista, ambos excepcionais, mas sobretudo por demonstrar a consciência do fazer poético.
Gonçalves Dias (1823—1864), poeta, advogado e jornalista, nascido em Aldeias Altas, Maranhão. ▪ Fonte: Wikimedia
O verso hendecassílabo ou verso de arte maior é a sua grande arma. Ele o constrói e o desconstrói com grande precisão, atento sempre ao ritmo quaternário que esse tipo de verso exige. O eneassílabo faz a delícia da poesia indianista, marcando o ritmo dos tambores, como se pode ver em O Canto do Piaga ou na parte VIII de I-Juca-Pirama, na famosa e jamais vista cruel execração de um pai dirigida a um filho, que reproduziremos abaixo:
“Tu choraste em presença da morte?
Na presença de estranhos choraste?
Não descende o cobarde do forte;
Pois choraste, meu filho não és!
Possas tu, descendente maldito
De uma tribo de nobres guerreiros,
Implorando cruéis forasteiros,
Seres presa de vis Aimorés!
Possas tu, isolado na terra,
Sem arrimo e sem pátria vagando,
Rejeitado da morte na guerra,
Rejeitado dos homens na paz,
Ser das gentes o espectro execrado;
Não encontres amor nas mulheres,
Teus amigos, se amigos tiveres,
Tenham alma inconstante e falaz!
Não encontres doçura no dia,
Nem as cores da aurora te ameiguem,
E entre as larvas da noite sombria
Nunca possas descanso gozar:
Não encontres um tronco, uma pedra,
Posta ao sol, posta às chuvas e aos ventos,
Padecendo os maiores tormentos,
Onde possas a fronte pousar.
Que a teus passos a relva se torre;
Murchem prados, a flor desfaleça,
E o regato que límpido corre,
Mais te acenda o vesano furor;
Suas águas depressa se tornem,
Ao contato dos lábios sedentos,
Lago impuro de vermes nojentos,
Donde fujas com asco e terror!
Sempre o céu, como um teto incendido,
Creste e punja teus membros malditos
E o oceano de pó denegrido
Seja a terra ao ignavo tupi!
Miserável, faminto, sedento,
Manitôs lhe não falem nos sonhos,
E do horror os espectros medonhos
Traga sempre o cobarde após si.
Um amigo não tenhas piedoso
Que o teu corpo na terra embalsame,
Pondo em vaso d’argila cuidoso
Arco e frecha e tacape a teus pés!
Sê maldito, e sozinho na terra;
Pois que a tanta vileza chegaste,
Que em presença da morte choraste,
Tu, cobarde, meu filho não és.”
É ainda em I-Juca-Pirama que podemos apreciar a beleza do decassílabo sincopado, em diálogo entre pai e filho, revelando o conhecimento do poeta de uma característica da poesia grega, muito utilizada na tragédia:
– Tu prisioneiro, tu?
– Vós o dissestes.
– Dos índios?
– Sim.
– De que nação?
– Timbiras.
– E a muçurana funeral rompeste,
Dos falsos manitôs quebraste a maça...
– Nada fiz... aqui estou.
– Nada! –
Emudecem;
Gonçalves Dias não é um “Homem-Século”, pois morreu prematuramente aos 41 anos de idade (1823-1864). É emblemático, no entanto, como poeta consagrado dentro e fora do Brasil pela sua excelência, merecedor de um estudo da sua vida e da sua obra feito pelo grande Manuel Bandeira. Além de grande poeta,
Monumento a Gonçalves Dias, na praça que tem o seu nome, em São Luís.
Insisto, portanto: Poetas, candidatos a poeta, amantes da poesia, professores de Literatura, querem aprender o que é poesia? – Leiam Gonçalves Dias e Manuel Bandeira!