Enquanto penso, teço enredos, crio imagens
Debruço-me sobre algo que não sei
Para engendrar-lhe um rosto.
Nenhuma ideia! Falsa fluidez, teia oblíqua.
Loucura, ânsia de flagrar no outro
O que tanto busco em mim.
Sempre que vejo a placa de sinalização do trânsito que indica animal na pista, cujo ícone é uma vaca, eu faço uma brincadeira, dizendo que o Bósforo é aqui. Refiro-me, claro, ao estreito de Bósforo, que separa a Europa da Ásia Menor, como os antigos chamavam a atual Turquia.
Os meios de comunicação de fácil acesso têm desestimulado a prática da leitura de livros. E isso é muito ruim. Alguns culpam exclusivamente o avanço da tecnologia. Eu, particularmente, entendo que é resultante de um processo cultural que vem sendo adotado nas escolas e no exemplo familiar.
Vagava pela madrugada... Conhecia bem a cidade escura, as sombras ao caminhar pelas calçadas que cruzavam na direção contrária, os olhos acesos dos carros perdidos a esmo, a busca de companhia pelas avenidas e ruas, as janelas por onde pedaços de luzes piscavam meias vidas, verdades incompletas. Vultos deitados em marquises lhe soavam naturais, faziam-lhe temer menos que corpos apressados desmascarados que andam livremente nas noites de céu claro e quente.
Lembro dos tempos de infância que na minha cidade, Serraria, tinha uma praça e nela havia um coreto rodeado de quatro imponentes palmeiras, que deixavam o ambiente ainda mais aconchegante. Quando eu ia lá, gostava de ficar sentado no banco, observando o movimento da rua, sem desviar o olhar do relógio da matriz para não esquecer a hora de retornar ao sítio. A praça é o espelho da cidade. Lugar onde se passam agradáveis momentos de lazer e animadas conversas com amigos.
Na praça constroem-se sonhos que nem sempre são realizados. Por isso aquela praça anda comigo, é parte de minhas quimeras de adolescente. Mas destruíram a praça, reduzindo a paisagem de nossos olhares.
Na praça é possível descobrir a cordialidade entre os habitantes da cidade. Lugar onde se planta esperança, onde se colhe sonhos.
Há milênios a praça tem papel importante na vida das pessoas e continuará, mesmo que a insegurança arrede as famílias.
No tempo de Jesus, quando se desejava contratar alguém para o trabalho, recorria-se às praças. O Mestre até usou-a em uma parábola, para falar de seu reino aos trabalhadores.
Quando destruíram o coreto da praça de nossa infância, arrancaram um pedaço de nós. Os destroços e a poeira levaram consigo a história de nossos ancestrais, restando o retrato na parede onde as folhas das palmeiras ainda tremulam.
A cidade que não cuida de suas praças está fadada ao esquecimento. Quanto encantamento no olhar havia quando, ao final das tardes e primeiras horas das noites, as pessoas conversavam nesse local.
A antiga praça de Serraria faz parte das saudades que compõem a paisagem que habita toda a minha poesia. Em tudo que presenciei na tenra idade, hoje, olhando para o passado, percebo que a natureza e os antigos casarões de minha terra são habitantes de minha poesia.
Foram as intermitências deste sonho que permitiram suportar a ausência e a dor do trabalho árduo durante mais de seis décadas. Quando conduzido para outras paisagens, alimentando-me das imagens que carregava de Serraria, sejam as que estavam gravadas na memória ou estampadas na fotografia, sempre estavam o coreto da praça e seu entorno, guardados como reminiscências.
Como diria Neruda, este poeta chinelo que nos consola com sua poesia, “minha vida é uma vida feita de todas as vidas: a vida do poeta”. Minha travessia começou ali, com personagens de todas as épocas misturando-se às de hoje, que estão ao nosso lado.
O silêncio da praça sucumbiu na poeira e nos destroços, mas ressurgirá nas folhagens verdes da esperança, espalhadas pelo vento. Um vento que sussurra como música entre as palmeiras que circundam nossa cidade.
A reconstrução deste coreto teria um forte simbolismo cultural, fazendo recordar com emoção os dias de uma Serraria ainda em construção. Fica a sugestão.
“Deixe tudo, menos a hidroginástica!” Foi a recomendação do traumatologista, especializado em coluna, para o cronista Carlos Romero, após uma cirurgia de estenose lombar aguda. Já com quase 90, ele fora acometido subitamente de uma dor que “descia para as pernas” impedindo-o de dar sequer um passo.
Ele mais uma vez dormira mal. Com tanta gente sendo presa, tinha medo de não sair ileso. Envolveu-se em algumas tramoias, é certo, mas como poderia resistir? Agiu por influência de amigos e porque isso era “da cultura”, todo mundo estava fazendo. Do grupo participavam cerca de dez, todos com codinomes; o dele era “Menestrel”. Nunca entendeu por que resolveram chamá-lo assim, já que não gostava de música e tinha a voz péssima. Talvez tenha sido justamente por isso; a turma gostava de ironizar.
Mal comparando, o meu livro “O Leitor que escreve” (Editora Arribaçã, Cajazeiras, Paraíba, 2020) guarda alguma semelhança com o centão, recurso poético do qual se vale o autor para, extraindo versos de vários poemas de sua própria lavra, conceber um novo (?) poema, como o fez Manuel Bandeira com “Antologia”, cujo título, etimologicamente, significa recolho das melhores flores, ou, no caso, dos melhores poemas.
Assisti, há alguns anos, no Zarinha Centro de Cultura, ao documentário “O Homem que vê no Escuro”, sobre o professor e crítico de cinema João Batista de Brito. O filme tem direção, produção e roteiro do professor e amante do cinema Mirabeau Dias. A exibição contou com seleta plateia de amigos e intelectuais da cidade.
Minha primeira rua, numa cidade brejeira de interior, apesar dos longos anos de vivência e surpresas ante outras cidades, continua sendo mesmo a primeira de minha experiência urbana. Nenhuma outra, por mais arraigada à existência, me infundiu maior admiração e gosto de viver nela. Não abria para nenhum cenário especial como Areia, cercada de montanhas; as casas, uma pegada com a outra, em nada se distinguiam, salvo a que hospedava o juiz, única com jardins laterais de papoulas multicores fechando o ângulo que se abria para dar lugar ao obelisco erguido no terreno de chão batido chamado de praça. Era a praça do monumento.
A imagem é pujante na contemporaneidade. É que o advento da Fotografia, por exemplo, mudou toda concepção de mundo, ou de vida, expressas na Poesia e na Literatura. A essa constatação, atribuo a precisão da imagem.
Falava-se em costurar a cortina. Havia uma costureira, D. Sandy, famosa pelas peças cosidas e realçadas, verdadeiras obras artísticas; a modista estivera a medir, traçado um projeto do adorno: prometera ficar a cortina pronta em menos de duas semanas.
Narrei, há poucos dias, as conversas dos galos da minha vizinhança, cheias de ritmo e me dizendo coisas interessantes. Para a minha satisfação, o Dr. Adhailton Lacet Porto, Juiz de Direito, leu o meu texto e me informou que havia julgado um processo em que uma moça se queixava da vizinha, cujo galo cantava cedinho.