Esta história me foi contada pelo inesquecível Romero Peixoto, meu amigo querido, companheiro do xadrez do Esporte Clube Cabo Branco,...

O noivado


Esta história me foi contada pelo inesquecível Romero Peixoto, meu amigo querido, companheiro do xadrez do Esporte Clube Cabo Branco, da qual foi testemunha ocular.

Ia ser o noivado do ano. Filho de tradicional família paraibana, o jovem cirurgião dr. Augusto de Almeida Filho finalmente decidira se casar.

O dr. Augustão, como era carinhosamente chamado pelos seus discípulos, na juventude tinha se destacado por três características: aluno estudioso, sendo o melhor da sua turma; personalidade forte, o que o fazia se impor sobre os demais; e pavio muito curto, que o fazia brigar quase todas as manhãs, na saída do colégio Pio X. Foi assim no ginásio e no científico.

No curso superior, revelou-se um acadêmico brilhante, concluindo Medicina com louvor. Partiu, então, para Harvard, onde se especializou em cirurgia digestiva. Após passar três anos, pavio mais curto, retornava a João Pessoa, tornando-se o maior partidão entre as moças casadoiras da época.

Pois não é que o dr. Augustão se embeiçou pela Fatinha!? Garota linda, charmosa, rostinho coquete, mascando chiclete, era uma rosa de bonita. E muito prendada. A sua beleza tinha o DNA da mãe: dona Ilda era belíssima! Tanto que ela foi a primeira Miss Paraíba.

A filha do Seu João Celso, grande comerciante, correspondeu ao flirt do dr. Augustão. Namoraram, e após um bom tempo decidiram se casar, para alegria das duas famílias.

Representante da Alta Sociedade local, a dona Ilda entendeu que o pedido-de-mão da sua filha, logo por dr. Augustão, tinha que ser um acontecimento marcante. E decidiu organizar um jantar em grande estilo para marcar a data.

Convidou, entre outros nomes da nata da sociedade: o comendador e industrial Renato Monteiro; o comendador Aluisio Ribeiro Coutinho; o industrial José Nilson Rolim; o economista Pavlov Baltar; o industrial do sorvete, Manuel Tropical; o famoso urologista dr. Jacinto Londres de Medeiros, com grande clientela na rua Maciel Pinheiro; o gerente do Banco do Brasil, David Trindade, com a sua Margot; o arrebatador tribuno Mocidade; o presidente do Tribunal de Justiça, Desembargador Sarmento; o arcebispo Dom José Coutinho; o major Ciraulo; o governador João Ramalho; o engenheiro Fernando Dias; o prefeito da Capital, dr. Luis de Oliveira Lima; o bardo Manuel Caixa-D’Água; o comendador Romero e Terezinha Peixoto; o grande dermatologista dr. Arnaldo Tavares, com a sua esposa Otaviana; o advogado famoso Tiburtino Rabelo de Sá, acompanhado de sua discreta esposa, dona Toinha. E completou a lista com a socialite Isabel Bandeira Brasileira e com Agá, o mais presente cronista social da sua época.

Assinava o jantar dona Carmélia Ruffo. As empadinhas, os pastéis açucarados e os pastéis-de-nata não poderiam ser de outra senão da dona Nisa Siqueira. Organizou o serviço o ágil garçom Forzinho.

Na grande noite, como seu pai se encontrava enfermo, o dr. Augustão tomou como padrinho o seu irmão médico dr. Ney Almeida, cirurgião há muitos anos radicado no Rio de Janeiro, e que viera tão sòmente para o evento.

Lá chegando, o noivo apresentou seu irmão aos futuros sogros, ao governador, ao prefeito, ao bispo, ao engenheiro, ao industrial, ao major, aos três comendadores, ao gerente; e a todos os demais presentes.

O dr. Ney recebeu de Forzinho uma dose de Old Parr e sentou-se na roda. Homem bem humorado, o dr. Ney, muito espirituoso, logo soltou uma piadazinha leve, tipo balão-de-ensaio; ou uma isca, como querem outros.

Bonachão, amante da boa comida e do bom whisky, o Seu João Celso (logo o pai da noiva!), que adorava uma piada, foi justamente quem mordeu a isca.

E logo iniciou-se um delicioso duelo: um contava uma piada, o outro respondia com outra pior. O outro replicava, e assim por diante.

Versaram sobre tudo que é tema: piadas de bêbado, de doido, de corno, de bicha. Piada de crente, de católico, de apostólico, de romano; de gregos e troianos, de turcos e judeus.

E para desespero dos noivos, a cada rodada caía mais o nível das piadas, num crescendo (ou num descendo!) qual um Bolero de Ravel picante.

A noiva assombrada correu para dentro de casa e contou à mãe o que estava acontecendo. Esta apressou os trabalhos e chamou todo mundo para o jantar.

Mas, para desespero dos noivos, a dupla de humoristas continuou a desfilar seus piores repertórios à mesa. Dr. Augustão, vermelho, suava às bicas. Foi quando um beliscão por baixo da mesa, dado por dona Ilda, fez o Seu João Celso se tocar. Então ele disse:

“Dr. Ney, vamos parar por aqui, pois, o senhor sabe, a mesa é um lugar sagrado...”

E, para horror do dr. Augustão, seu irmão respondeu:

“É uma pena, pois só de “c*” ainda tenho umas seis...”

O dr. Augustão mergulhou debaixo da mesa, de onde só saiu depois do último convidado.


José Mário Espínola é médico e escritor E-mail

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  1. Me surpreendi com sua crônica, uma leitura leve, divertida, que prende a atenção e desperta a curiosidade para chegar ao desfecho do caso, principalmente, porque trata de pessoas conhecidas. Parabéns

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  2. Agradeço os generosos comentários!

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