Sou acordada pela Banda de Música Santa Cecília. É a alvorada que a Banda me presenteia avisando que é dia de festa, é vinte e quatro de junho, aniversário da nossa cidade. O frio, o céu azul e as músicas me despertam para as comemorações. Agora, é vestir o uniforme de gala, saia cuidadosamente plissada, blusa de manga comprida, gravata, boina, luvas brancas e os sapatos impecavelmente engraxados. Perfeita e pronta para desfilar pelas ruas da cidade representando nosso colégio.
Tenho um tremendo orgulho por ter nascido em Caratinga, uma cidade pequena, bem no miolinho de Minas Gerais, rodeada de montanhas e incrustada aos pés da grande pedra Itaúna. Foi nessa cidade que nasci, cresci, fiz amigos, casei, tive filhos, mas um dia parti.
Segundo nosso conterrâneo Ziraldo, viver em Caratinga era ser fadado a olhar para cima. Tinha que levantar os olhos para enxergar o céu além das montanhas, levantar os olhos para enxergar a copa das palmeiras imperiais, tinha que levantar os olhos para medir o tamanho do morro que subiria para ir ao clube nadar, ou olhar para o relógio na torre da catedral para comprovar que novamente estava atrasada para o colégio.
O frio, ah o frio, era congelante já em abril e só terminava em setembro. Vem desse tempo minha paixão por meias e por incrível que pareça tenho ainda hoje, neste calor nordestino, uma gaveta cheia delas.
Caratinga me remete aos sabores do feijão sempre novo, do frango com quiabo, dos torresmos crocantes, do arroz feito com banha de porco, da couve com angu, da broa de milho e dos doces de leite feitos pela minha avó. A nostalgia mora na simplicidade das nossas comidas. Minha filha fala que eu tenho um paladar infantil, descubro que não é infantil, é puramente mineiro.
Não vou falar das pessoas, dos amigos tão queridos, do meu amor, pois seria abrir o lado do coração onde morou a felicidade, as alegrias, e a certeza da plenitude.
Em meus sonhos de adolescente, sempre imaginava que o mar ficava logo ali, atrás de uma daquelas montanhas e que de algum ponto, eu o avistaria. Sabia que o mar ficava mesmo era a onze meses de distância, essa medida era o tempo entre um janeiro e outro quando podia passar alguns dias nas praias de Guarapari ou Piúma.
Agora, sei que não sou igual às árvores, que têm as raízes plantadas na terra, eu andei, corri, voei e momentaneamente vivo em outro lugar, que não tem montanhas, mas tem mar. Os sentimentos melancólicos ainda afloram vindos através de um cheiro, uma música, fotos antigas, notícias de amigos e principalmente hoje, vinte e quatro de junho ele me trouxe Caratinga com tamanha nitidez que brotou uma saudade dolorida no coração.
Sei que deixei Caratinga, mas Caratinga vive intensamente, impregnada em mim.
Cristina Lugão Porcaro é bacharela em artes plásticas, psico-pedagoga e escritora