O Ano Novo estava para chegar. O rebuliço tomando a casa: a mesa se enfeitando de comidas variadas. Luz faiscando por toda a parte, cumprimentos e beijos. Abraços de quem não se encontrava há tempo. O relógio de parede no tic tac fastidioso, antigo, o mostrador em algarismos romanos.
Mas não é preciso, numa noite de expectativa como esta, ficar falando sobre evolução de engenhos capazes de demarcarem a temporalidade; esta é abstrata, impalpável, para nós habitantes deste planeta azul. Quando pequenos, gostamos de ver o invisível, ou seja, concretizar, segundo nossas imaginações ainda ingênuas, o abstracionismo do que nos é passado. Principalmente pelos pais, avós, tias. Gera quase um dogma o afirmado por eles.
O Ano Velho é um ancião se ultimando. O Ano Novo uma criança dando o primeiro vagido. Bem antes, era marco da chegada do primeiro dia do ano as luzes da cidade serem desligadas; depois, fábricas apitavam, automóveis buzinavam, e, ao se acenderem as lâmpadas, as rádios lascavam frevos e músicas carnavalescas, espocar de champanhes, lágrimas, risos, turbilhões de abraços e apertos de mão.
Pois bem: ocorreu o escuro, lâmpadas apagadas, e os donos da festa a postos, a fim de recepcionarem o Ano Novo. Qual surpresa! Ao começarem a ribombar os fogos e retornar a luminosidade puxaram as pesadas portas e se deram com um homem velho, esfarrapado, arquejante. “Quem é o senhor? Como ousa vir à nossa festa? Não foi convidado”. Veio a resposta: “É o que pensam. Adivinhem quem sou”. Entregou uma caixinha de sapato com uma criança dentro. Todos festejaram o Ano Novo. O Velho desaparecera na noite para sempre...