Em 1978 Maria Betânia lançou um de seus melhores álbuns: Álibi. Todas as músicas são bonitas, mas uma se destaca, para mim: a canção A Voz de Uma Pessoa Vitoriosa.
Da autoria de Caetano Veloso e Waly Salomão, a letra da canção exalta aquela pessoa que venceu, mesmo enfrentando as adversidades. E se impõe pela sua personalidade, representada pela sua Voz. De forma parecida, Ilma Espínola também se enquadra nesse perfil. Senão, vejamos.
Da autoria de Caetano Veloso e Waly Salomão, a letra da canção exalta aquela pessoa que venceu, mesmo enfrentando as adversidades. E se impõe pela sua personalidade, representada pela sua Voz. De forma parecida, Ilma Espínola também se enquadra nesse perfil. Senão, vejamos.
Ao iniciar o curso médio Ilma decidiu-se pelo científico para Engenharia, porque a princípio se identificava mais com esta profissão. Até então o curso médio era dividido por áreas: científico de Medicina, onde as disciplinas eram voltadas para as ciências da saúde. Científico de Engenharia: voltadas para a área técnica. E Clássico, para a área das Ciências Humanas e Artes.
Pois bem, no terceiro científico Ilma mudou, concluiu que a sua vocação era outra e decidiu fazer vestibular para Medicina. Os pais se preocuparam muito. O irmão, que também estava encerrando o científico de Engenharia, lembrou-lhe que até então ela não tinha estudado no colégio nenhuma aula de biologia, por exemplo. Todos lhe diziam em uníssono: não pode dar certo!
Mas, mesmo conservando a sua suavidade característica ela resistiu: enfrentou todas as adversidades, matriculou-se num cursinho para Medicina e meteu a cara, estudando a biologia de todos os anos do científico. Tudo isso paralelamente ao seu curso do terceiro científico para Engenharia, pois neste é que ela já estava matriculada no Liceu Paraibano e não tinha mais como mudar.
Concluiu o científico para Engenharia e intensificou a sua preparação para Medicina. À noite estudava com o irmão e seus colegas as disciplinas comuns: física, química, português e inglês.
Chegou a hora do vestibular, que ela prestou, muito nervosa. Resultado: ela foi aprovada! Porém seus pais não comemoraram: preferiam que o irmão, homem, tivesse passado. Era como se achassem que ela, por ser mulher, não precisaria de curso superior.
Ilma engoliu seco, mas não se deixou abater. Outras decepções marcariam a sua vida profissional.
Anos mais tarde, concluído o Curso Médico, partiu para fazer pós-graduação em São Paulo, tendo sido selecionada para o rigoroso Serviço de Alergia e Imunologia do Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo, do Professor Júlio Croce: no conceituadíssimo HC da USP!
No início foi vista com reserva pelas médicas do staff comandado pelo Professor Júlio Croce. Logo percebeu que era por causa da sua origem nordestina. Por exemplo: para ela eram destinadas as tarefas mais difíceis, mais atribuladas. Nas reuniões clínicas era a mais exigida. Porém com o tempo, sem perder a calma representada na suavidade da sua voz, ela se afirmou com o conceito de aluna estudiosa e participativa, tão clara a sua vontade de aprender cada vez mais.
Seus chefes observaram que ela tinha um conhecimento prático e didático bem maior que os demais residentes, sugerindo que havia tido uma excelente formação universitária. Para isso pesou o fato de que, além de toda a teoria do curso médico, ela havia tido muito mais prática que os outros alunos: durante o curso, quando estudante ela deu plantões no Hospital do Pronto Socorro da Capital e no hospital e maternidade Sá Andrade, de Sapé. Ela cumpriu estágio prático no Hospital Padre Zé, onde era responsável por leitos.
Para culminar, cumpriu o internato (sexto ano) no Serviço de Nefrologia e Hemodiálise do Hospital Umberto Primo, o hospital Matarazzo de São Paulo. Tudo isso fez a grande diferença dela para os demais alunos do Serviço de Alergia do HC. Sem perder a calma revelada em sua voz, sempre alegre e estimulante.
Retornando a João Pessoa, Ilma estabeleceu o seu consultório. A princípio foi vista com reservas, o que era natural para uma profissional médica ainda desconhecida na cidade. Mas pacientemente se fez respeitar pela sua seriedade e o carinho com que trata a todos, especialmente os seus pacientes, sendo hoje conceituadíssima.
Em 1987 foi convidada pelo Secretário de Estado da Saúde, Gilvan Navarro, para trabalhar em sua administração, com a missão de implantar no Estado o Serviço de Atenção ao portador de AIDS, epidemia que estava se espalhando pelo mundo.
A princípio tendo muitas dificuldades, enfrentando a desconfiança da classe médica e da sociedade, com a paciência e a competência que lhes são peculiares Ilma se impôs e conseguiu implantar o Programa, que se tornou modelo para o país. Para isso contou com o apoio e a total confiança do secretário Navarro.
Como na música de Caetano Veloso, interpretada por Maria Betânia, Ilma venceu pela sua Voz. Branda, suave, porém vencedora. A voz de uma pessoa vitoriosa!
A voz de uma pessoa vitoriosa
(Caetano Veloso/Waly Salomão)
Sua cuca batuca
Eterno zig-zag
Entre a escuridão e a claridade
Coração arrebenta
Entretanto o canto agüenta
Brilha no tempo a voz vitoriosa
Sol de alto monte, estrela luminosa
Sobre a cidade maravilhosa
E eu gosto dela ser assim vitoriosa
A voz de uma pessoa assim vitoriosa
Que não pode fazer mal
Não pode fazer mal nenhum
Nem a mim, nem a ninguém, nem a nada
E quando ela aparece
Cantando gloriosa
Quem ouve nunca mais dela se esquece
Barcos sobre os mares
Voz que transparece
Uma vitoriosa forma de ser e viver
Que não pode fazer mal
Não pode fazer mal nenhum
Nem a mim, nem a ninguém, nem a nada
E quando ela aparece
Cantando gloriosa
Quem ouve nunca mais dela se esquece
Barcos sobre os mares
Voz que transparece
Uma vitoriosa forma de ser e viver
Na vida nem tudo se perde, depende do ponto referencial. Os anos de chumbo da ditadura militar, por exemplo: apesar da escuridão imposta pela censura, foi um período muito fértil em produção cultural.
Isto por conta de artistas plásticos, compositores, músicos, cineastas e atores, entre tantos, que decidiram dar as suas contribuições para a resistência civil. Para a luta desarmada contra o jugo dos opressores, com seus censores, delatores, perseguidores, torturadores e matadores.
Na música, onde foi maior a efervescência, destaco, no momento, três artistas, sem demérito para os demais: Chico Buarque de Holanda, Milton Nascimento e o então jovem Ivan Lins, por ser o caçula atrevido do grupo.
Entre outras, a maior contribuição de Ivan Lins para o gênero musical que era considerado “subversivo,” destaco Desesperar Jamais, de 1979, que ele teve a coragem de lançar em pleno governo Médici, o pior dos piores!
Esta música Desesperar Jamais, além de bonita foi um hino à resistência, à não aceitação da opressão, a não se conformar, a se erguer e seguir em frente. Silvio Osias e Rui Leitão estão aí para confirmar o que eu digo.
Interessante é que os tempos passaram, a ditadura caiu, e a música voltou a ser atual, nos estimulando a resistir àqueles que querem derrubar democracia e resgatar a ditadura, trazer o jugo de volta.
No entanto, de toda a produção de Ivan Lins a música que eu mais gosto, que mais me encanta ouvir, é Vitoriosa. Ela fala da imensa alegria de a mulher ser livre, pensar livre, agir livremente, sem amarras que a impeçam de passar de seus limites. E ir além...
A música é um hino à libertação da mulher. E volta a ser importante nestes tempos em que a mulher tem sido tão violada, violentada e até assassinada.
Esta música, sempre que eu a ouço me faz lembrar de uma amiga nossa muito querida, Inês Vieira.
Conheci Inês na beira do leito de um grande amigo comum, Padre Juarez Benicio Xavier, quando ele teve um infarto do miocárdio e foi internado no antigo Procárdio.
Ela estava justamente botando o Nêguinho, como chamava padre Ju, para fora do leito: “Reage e levanta daí, Nêguinho, pois tu num morresse ainda não,” era o que estava dizendo quando entrei no quarto. Soltei uma gargalhada. A partir daí nos tornamos amigos para o resto da vida.
Inês tem tudo o que Ivan Lins conta em sua música. Até parece que ele a conhecia, quando escreveu a letra.
Começa pela risada mais gostosa que já ouvi de uma mulher. A sua alegria é, realmente, escandalosa e contagiante.
A vida para si foi uma experiência próxima de uma louca liberdade; mas hoje se acalmou. Ela sempre foi a locomotiva da família, e dos amigos também. Tem sempre aquela palavra de estímulo para quem está pra desistir, para se entregar. Tem o dom de afastar a tristeza e restaurar a alegria de viver.
Mas engana-se quem pense que não é uma pessoa capaz de ser séria. Pois age com toda a seriedade possível e imaginável, quando a situação assim o exige.
Está sempre disposta para ajudar sua mãe centenária, seus irmãos, seus amigos, pois é uma referência para a família. Acima de tudo é uma mulher muito prática e tem sempre uma solução para os problemas que lhe chegam.
Oferece, no mínimo, uma palavra de conforto ou o ombro amigo, quando não pode ajudar de jeito nenhum. O seu jeito de ser, a sua família, e especialmente os seus filhos, tudo isso transformou Inês numa pessoa vitoriosa na vida
Vitoriosa
(Ivan Lins)
Quero sua risada mais gostosa
Esse seu jeito de achar
Que a vida pode ser maravilhosa
Quero sua alegria escandalosa
Vitoriosa por não ter
Vergonha de aprender como se goza
Quero toda a sua pouca castidade
Quero toda a sua louca liberdade
Quero toda essa vontade de passar dos seus limites
E ir além
E ir além
Quero sua risada mais gostosa
Esse seu jeito de achar
Que a vida pode ser maravilhosa
Que a vida pode ser maravilhosa
Quero toda a sua pouca castidade
Quero toda a sua louca liberdade
Quero toda essa vontade de passar dos seus limites
E ir além
E ir além
Quero sua risada mais gostosa
Esse seu jeito de achar
Que a vida pode ser maravilhosa
Que a vida pode ser maravilhosa
É para Ilma Espínola, que tem a voz de uma pessoa vitoriosa, e para nossa amiga Inês Vieira, para quem a vida pode ser sempre maravilhosa, que eu dedico esta crônica musical.
Até parece que estou ouvindo a sua risada mais gostosa!