É recorrente na tradição greco-romana o tema da catábase, κατάβασις, que literalmente significa a ação de andar para baixo. Trata-se da descida de um herói ao mundo subterrâneo, denominado Hades, pelos gregos, e Infernos, pelos romanos, onde vivem as almas dos que já não existem, as denominadas sombras dos homens que um dia estiveram entre os vivos. Configura-se esta trajetória como um rito de passagem, uma vez que, ao retornar, realizando a anábase, ανάβασις, a ação de andar para cima, o herói volta transformado.
E como relacionar esse tema, ou melhor, essa trajetória do herói à clínica psicanalítica? Mais precisamente, à terapêutica analítica? No processo de associação livre, advinda das narrativas de cada paciente, há mergulhos, entradas, acessos catárticos ao inconsciente feitos pelo paciente, a regiões obscurecidas, onde estão marcados, fixados "pedaços" de sua história que por um motivo ou outro assim permaneceram, e que no hoje, e ao longo de sua vida ressurgem e se confundem com os sentimentos e com os acontecimentos do presente.
A terapia analítica, a Psicanálise, através da 'fala' (verbal e não verbal) do paciente, da associação livre e da escuta flutuante do analista, vem ao encontro desse processo transformador, e por isso mesmo catártico. Cada catábase vivenciada pelo paciente é um sopro de renovação, permitindo-lhe arrumar a casa interior, liberando-o de amarras, nas mais das vezes, não condizentes com a sua realidade atual, as quais estão em descompasso, geradoras de sofrimentos.
Quando nos deparamos com a escuta psicanalítica, nela identificamos o sentido de empatia, expressando o significado profundo de εμπαθής (εν+πάθος), 'afetado (com o sentido do latim 'adfectus'= disposição de alma), tocado, compartilhado', no entanto, amparado pelo amadurecimento advindo da experiência da análise pessoal do próprio analista, como também da supervisão e do estudo sistemático da teoria psicanalítica. Eis a arte!
O escutar para além do sentido auditivo, configurando-se o escutar como uma arte conforme designado acima, perpassa por esses pontos. Refinar a escuta requer lapidar a si mesmo, pois ser empático não passa unicamente pela instância intelectiva. Ela serve apenas como um instrumento, sobretudo para auxiliar na trajetória para dentro de si, em busca das próprias vivências.
Escutar o outro passa, primeiramente, por aprender a escutar a si mesmo, gerando o sentimento de empatia, que permite esse acontecimento fantástico e transformador chamado psicanálise.