Eu não persigo a beleza, ela tem que aparecer junto comigo. Walter Carvalho Um dia fui assistir a uma palestra do cineasta Walter L...

Luz, câmera, emoção!

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Eu não persigo a beleza, ela tem que aparecer junto comigo.
Walter Carvalho

Um dia fui assistir a uma palestra do cineasta Walter Lima Júnior, por ocasião do evento I SelSeminário de Estudos Literários -, na Academia Paraibana de Letras, sob a direção do então presidente, professor Damião Cavalcanti, e coordenação da professora Socorro Aragão. Como o Seminário foi dedicado aos 80 anos da publicação de obras do escritor José Lins do Rêgo, o cineasta Walter Lima Junior, se inseriu como um dos convidados para falar no dia da exibição do seu filme, adaptado do romance Menino de Engenho.

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Gosto muito de ouvir as pessoas que produzem arte. Saber sobre processos de criação. Testemunhos. E foi isso o que ouvi de Walter, uma raríssima oportunidade de presenciar os relatos do diretor de Menino de Engenho e tantas outras obras primas do cinema brasileiro.

Walter nos conta de como surgiu o seu interesse pelo livro do mesmo nome e que mais tarde iria adaptar para o cinema, e de como guardou o seu roteiro a sete chaves. Vindo ele de uma família nordestina de Alagoas, e morando em Niterói, do outro lado da margem do rio, sempre se sentiu diferente. Quando leu Zé Lins, encontrou um par, uma referência para chamar de sua. Se diz grato ao escritor por também ter uma língua que se diferenciava do carioca e com um outro saber. Confessou que o escritor paraibano atingiu a sua maneira de se expressar e fazer seus filmes.

Walter comentou que escrever é re-escrever e que cria quem pode, burila quem tem paciência! Lembrei-me de Umberto Eco e Virginia Woolf, quando diziam que – “Os livros continuam uns aos outros!”

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Mencionou uma foto de Zé Lins junto com Graciliano Ramos. Graciliano olhava no infinito enquanto Zé Lins olhava para o engraxate ao lado. Achei genial seu comentário, como uma foto já nos diz quem somos e dos nossos interesses. Lins ao olhar para o engraxate revelava seu interesse pelo outro, pelo social, enquanto Ramos, ao perder-se de vista, quem sabe perdia-se também na sua morte e vida.

Meus Verdes anos, era o meu olhar além de Menino de Engenho, confessou Walter. Uma tentativa de ampliar o meu sentimento. Um Mural! E Walter seguia - “Cinema é artesania! Uma língua expressa em um sentimento. Uma utopia! Facilita a comunicação entre as pessoas. Mongol, sergipano e Niterói! Tudo junto e misturado! O cinema, assim como a literatura é para muitos. Uma arte generosa. Um compromisso, a procura do simples nas suas exigências, e cria uma disciplina da sua própria vaidade. Você é somente uma parte pequena! Um aprendiz da humildade!” Anotei, Walter!

Ele exemplificou com o filme expressão maior do realismo italiano Ladrões de Bicicletas (Vittorio De Sica, 1948). Muito mais do que o pós guerra, o filme é sobre um pai e um filho – um sentimento! A bicicleta vira pura gramática e metáforas! O Enterro de Zé Paulino? – um acontecimento para plantar o meu avô! – confidenciava para o público atento.

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A arte de falar – como você ouve a palavra! - era fundamental para Zé Lins! (eu também Walter! Preciso ouvir a palavra dita, para me fazer sentido nos estudos, trabalho e crônicas!) A maneira de falar é igual à maneira de filmar, de aproximação do espectador, a formação de um sentimento, de cinema!

Os Ensaios – o grande momento de se olhar em volta e sentir o que se passa. A sinceridade com o olhar. Entender a alma humana. Uma língua arcaica na cabeça de Walter, que Zé Lins iria traduzi-la. As suas mortes, benzedeiras, carpideiras, ladainhas, cuscuz, tapioca, todo um processo lírico e ancestral... Carlinhos era eu! O pavor de Carlinhos era o meu! A paisagem e o medo de Carlinhos no fim do filme, também eram meus medos. Confessou Walter! E a sua vida nunca mais seria a mesma depois da experiência do menino!

Perdi a cena! Se penitenciou Walter, quando D. Maria Menina arrumou a cena do seu casamento! O filme dentro do filme! Como não filmei aquilo? Perdera a metalinguagem! O processo criativo é acervo de vivências que se entrelaçam, interferem e criam as bases de sentimentos. Processo orgânico e o acaso = li, vivi, e me introspectei!

Gilberto Freyre queria ser o romancista que Zé Lins foi!

E de flashes em flashes fui anotando as impressões e relatos do diretor de A Ostra e o Vento, catando pérolas do seu modo de fazer, suas experiências em Taperoá, Itabaiana, no Globo Repórter, filmando com Glauber Rocha, e lembrando das pequenas grandes coisas que fazem seu processo de trabalho e sua vida. Também fui relembrando os meus próprios engenhos perdidos!

Logo depois, assisti a outro Walter, Walter Carvalho, paraibano, também diretor de cinema e fotógrafo especial de tantas coisas lindas e não findas, e das janelas das nossas almas. Walter era o entrevistado de Bianca Ramoneda, falando do seu Ofício em Cena, no programa da Globo News. A entrevista de Walter Carvalho foi uma aula de poesia, fotografia e criação de imagens, sempre a serviço da emoção.

Ele falou do seu caderninho e de como as coisas surgem do primeiro encontro com o Diretor em pauta. Ali começa uma estória! Que se revela quando esse artista quer mudar o mundo. A tecnologia? É o espaço matemático da criação. Mas o espaço poético é a linguagem! Sentenciou. Como se descobre uma imagem? “No parceiro! No conceito. Dentro de você!” A luz? “Não é para iluminar, mas para proteger! Tenho pena da beleza! O por do sol? Já sei que é belo, Procuro o por do sol dentro das palavras!” O que precisa de ter com a câmera na mão? E um dos melhores câmeras (segundo a crítica), responde: “como que segurar um passarinho. Nem com muita força para não estrangulá-lo , nem muito frouxo para ele não voar.” Uma frouxidão e leveza que permeia tudo. Mas mesmo assim, tenho um cotoco no ombro, brinca das marcas do corpo. O peso desse passarinho?! “Mas preciso ouvir a respiração/pulsação do ator para ter a massa de nervos da emoção.” A lente? “A organicidade , a surpresa.” Como funcionam as lentes? “Sempre um mistério. A possibilidade de atingir uma coisa que não se sabe o que é.”

E tira da bolsa um cubo. Só vejo três lados . O que falta? É a poesia! Tive a impressão de que estava sonhando, tamanha era sua expertise e poeticidade para falar do seu trabalho. A imagem que está no lado invisível do cubo, de como capta o mistério do ator e da sua arte de interpretação, de como a luz não pode mostrar o óbvio, e onde monta seu refletor, como forma e conteúdo.

Com certeza, gostaria muito de assistir a um trabalho desses, só para ficar no buraco de fechadura e perceber todas essas nuances de quem cria uma arte que é feita de conta gotas de flashes, recortes, pedaços de sentimentos e olhares outros. O cinema!

Houve uma semana em que fui ouvinte dos meus próprios Brincos, inclusive, já que era foco no Por do Sol Literário (Academia Paraibana de Letras), sob as palavras da Poeta Vitória Lima e da performance das atrizes Eleonora e Mayra Montenegro. Pétalas pra que te quero!

Abastecida de bons sons, arte e aprendizado, agradeço aos Walters por tanto aprendizado e gozo, e em meio à tanta arte e poesia, saúdo aqui outros sons das ondas ao meu redor. O mar do Bessa. Que me assobia os oito anos de partida do meu Juca (05/06/2016) para os outros lados do mundo sutil. Minhas saudades do amor presente! Minha melhor aceitação das ausências e dos sussurros dos abraços. E beijos! Reverencio esse homem bravo e belo, que me trouxe sonhos, ostras e ventos, vida e morte e vida.

Obrigada Walter Lima Junior e Walter Carvalho!

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  1. Muito bom. Vi Menino do Engenho quando eu morava em Pombal, nos meados de 65, 66, o filme acabara de ser lançado. Um banho de Paraíba. Que nos influenciou - a mim e ao José Bezerra Filho - na fundação da empresa que produziria O Salário da Morte, do Linduarte Noronha, o primeiro longa de ficção paraibano, quatro anos depois. Mais trinta anos e Walter Carvalho faria a fotografia do curta A Canga, do Marcus Vilar, em cima de meu livro homônimo, que agora vai virar longa. E as histórias se entrelaçam: ontem faleceu o Paulo Thiago, o cineasta de Soledade - baseado em A Bagaceira, filme em que tive a triste sina de trazer o personagem de Sávio Rolim, o Menino de Engenho já adulto, prisioneiro, eu a cavalo, ele a pé, corda no pescoço. Ah, Walter fez, também, a fotografia do documentário O Homem de Areia, do Vladimir, de que participei como um dos entrevistadores, isso em... 76. Daí mais prazer de ler o texto de Ana Adelaide. Esses caras, na verdade, são fascinantes.

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