Virou Carlinhos, porque nas redondezas de seu sítio havia outros dois Carlos. Dois homenzarrões brutos e grossos como papel para embrul...

E ficou tudo por isso mesmo

literatura paraibana criacao cavalo causo anedota
Virou Carlinhos, porque nas redondezas de seu sítio havia outros dois Carlos. Dois homenzarrões brutos e grossos como papel para embrulhar prego. Esses nem eram parentes e a semelhança parava por aí. Já o nosso Carlos, o Carlinhos, não era um tiquinho de gente como possa parecer, apenas era menor que os outros dois Carlos. Natural então, que o diminutivo fosse acoplado ao nome.

Já o Ferradura, veio pelas atividades que Carlinhos exercia para ganhar o tal do pão de cada dia. Explico. Carlinhos cuidava de cavalos e os criava para negociar. Nada daqueles potros de alta linhagem: o quarto de milha, o manga larga marchador, o andaluz, o crioulo, o árabe ou qualquer coisa assim; criava uns cavalos piquiras para puxar charrete, girar pipa em olaria ou para tarefas em lida na roça que não exigisse muitos predicados da montaria. Rocins, como diria Cervantes.

No trato, Carlinhos sabia escovar seus ginetes, aplicar vacinas, cuidar dos cascos rachados, colocar ferraduras e até ministrar alguma medicação quando seus pangarés apresentassem algum desconforto.

O que não disse ainda é que Carlinhos era muito esperto para negociar e dar palpites na criação dos vizinhos. Era o que poderíamos chamar de “bico doce”, um danado. Trapaceava. Mas para todo mundo nas vizinhanças, quem entendia de cavalos, para negociar e cuidar era o Carlinhos; ou seja, o Carlinhos Ferradura. Mas houve quem se deu mal em confiar nessas supostas habilidades. Daí vieram os dois causos que tentarei relatar.


Primeiro causo:

Zé Belarmino era vizinho próximo de Carlinhos Ferradura. As propriedades faziam suas divisas pelo córrego Lambari e parava por aí a proximidade desses dois vizinhos, isso porque Zé desconfiava das espertezas de Carlinhos. Mas um dia, a égua do primeiro estava de potrinho novo e a pobre andava dando sinais de anemia, com dificuldade de amamentar o filhote. Belarmino resolveu testar as tão propaladas virtudes veterinárias do segundo; ou seja, de Carlinhos. E foi pedir socorro.

- Minha égua tá parida, mas tá tendo muita fraqueza. Tô tendo que dar leite de cabra na mamadeira pro potrinho – explicou Zé.

- Uma égua minha também teve esse “pobrema”.

- E o que você deu pra ela?

- Misturei uns remédios pra febre, um vidro de xarope Moura Brasil, Biotônico Fontoura, penicilina e mais umas coisas. Dei pra ela. Tomou num gole só.

- Prepara uma mezinha dessa pra mim que vou levar.

Carlinhos preparou o caldo e ainda cobrou quinhentos cruzeiros pela consulta e pelo aviamento da receita.

Dois dias depois aparece Zé Belarmino todo cheio de razão.

- Dei o seu remédio pra minha égua e ela morreu assim que bebeu.

E Ferradura: - A minha também.


Segundo causo:

Apareceu um sujeito na propriedade de Carlinhos Ferradura querendo comprar cavalo.

- Pra lida ou pra montar?– quis saber Carlinhos.

- Pra montar. É pro meu neto que tá chegando esses dias. O piá só tem dez anos e preciso de um cavalinho manso e bom de andadura – disse o freguês arrastando sotaque dos pampas.

- Tenho esse aqui – mostrou um baio para o freguês e este (o freguês) logo mostrou simpatia pelo pingo – coloco sela pro senhor experimentar.

- Bhá, pois faça isso, quero ver que passo tem este pingo? Marchador?

- Marchador sim. Mais que isso. É marchador do passo picado - reforçou Ferradura.

O gaudério montou e nem precisou esporar porque o danadinho pegou marcha ligeiro. Realmente não era animal de trote rústico, era um marchador de primeira. Do passo picado!

Tempinho depois o freguês chegou de volta, apeou e começou a examinar a montaria.

- Gostei da marcha. Vejo também que não tem nem cicatriz de berne. Quantos anos tem este pingo?

- Tem três anos. Gostou? Se for comprar examine bem que sou muito cuidadoso nos negócios.

O guasca disse que estava tudo em ordem. Acertaram valores. Tudo pago à vista e ali no cacau, dinheiro. Nada de cheque ou outras trapalhadas.

Um dia depois aparece o gaúcho.

- Tu vai me desculpar. Mas está faltando um dente no pingo! E Ferradura:

- O senhor queria o animal pro seu neto montar ou pra ver o cavalo assobiar?

E ficou tudo por isso mesmo.

COMENTE, VIA FACEBOOK
COMENTE, VIA GOOGLE
  1. Ótimo..adorei os lances de historias do "Carlinhos ferradura"..era um gênio !!kkkk.
    Parabéns Luis Augusto Paiva
    👏👏👏👏👏👏👏👏👏👏👏👏👏👏👏E°° extensivo ao nosso amigo Germano Romero.
    Paulo Roberto Rocha

    ResponderExcluir

leia também