Foi sempre cheio esse consultório. É o consultório do dr. Azzouz, na rua Augusto dos Anjos. Há de ser mesmo de raiz oriental esse dr. Azzo...

A rua de Augusto

cronica nostalgia urbanizacao
Foi sempre cheio esse consultório. É o consultório do dr. Azzouz, na rua Augusto dos Anjos. Há de ser mesmo de raiz oriental esse dr. Azzouz, para manter-se fiel ao mesmo lugar onde sua denodada aventura começou e logrou a confiança do “Vá ao dr. Azzouz!” / “Leve ao dr. Azzouz!”

Vendo-me entre muitos clientes, mesmo bem-comportados, em distanciamento, comecei a tossir, a sufocar atrás da máscara. E dei sinal à mulher e à filha, à espera da vez, que eu saía para respirar lá fora. Nem me advertira do lugar recôndito em que ia pisar.

O sol das três da tarde ainda não declinava o suficiente para uma meia sombra na calçada da frente. Se não me engano, a calçada do dr. Francisco Vidal, pai da pianista, a Germana da crônica lírica no jornal em que começamos. É rua de não mais que uma dúzia de médios bangalôs, sendo o lado de Germana, hoje, o mais despovoado, talvez por isso o que roça a minha nostalgia como no Concerto de Aranjuez . Casas de três, quatro águas, dando lugar a terraço e jardim, hoje um cipoal baldio de galhos que a falta de carinho encapoeirou. As papoulas tão murchas!

Era por ali, olhando da esquina, que eu vinha do jornal, fechada a última página da noite, para a casa que pude alugar no fim da Aragão e Melo, na Torre. Casa onde descera um raio, matara a dona, e não aparecia quem se arriscasse a alugar. Como bem me lembro, apresentei-me ao dono, coronel Farias, comandante do Corpo de Bombeiros, e falei de minha disposição. “Sabe do estigma?“ – perguntou-me nestes termos. Vi que era um coronel letrado: “Ouvi falar”. E ele: “ Por que, então, vem arriscar? Há mais de ano que não alugo”. Dei o troco no mesmo estilo: “Não tenho alvitre, alternativa”. (Nesse tempo eu lia Camilo, Herculano, esses leões cansados.) “Como não tem alvitre?” / – “Estou sendo despejado, não é fácil achar quem corra o risco comigo”.

Ele abrupto levantou-se, apanhou a chave com mão grossa, e despachou-me: “Leve a chave, acomode-se, e pague quando puder.” Saí olhando para trás, e ele de pé, quase em sentido, sem mais palavra, sem um gesto, segurando-me com um olhar forte e duro que ainda não fechou na minha gratidão.

O lado do dr. Azzouz, com fachadas para o sol da tarde, não conserva mais nenhum desses bangalôs. À semelhança do seu consultório, todos os demais prédios aderiram ao funcional como sedes de escritórios e serviços. De um lado as fachadas cegas de adorno, reduzidas a placas, siglas, indiferentes ao sol que, antigamente, era barrado por flores e crótons arbustivos porque o principal lá de dentro era gente de janela aberta para ver a rua passar.

Com os olhos no chão, do lado de Germana, o piso ainda é do tempo do Gama, do prefeito Damásio, das origens de influência bizantina que devem ser as do dr. Azzouz. Mas é só o que resta em uso, com exceção de duas ou três casas nesse lado da sombra, que leva a me ver parado na esquina, tarde da noite, olhando para o que sobrou de homenagem à mais fulgurante das luzes da Paraíba, a rua de Augusto.

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