Como leitor, hoje em dia se um autor quiser me conquistar logo de cara escreva capítulos curtos. E que a edição seja em letras de razoáv...

Fôlego e vista curtos

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Como leitor, hoje em dia se um autor quiser me conquistar logo de cara escreva capítulos curtos. E que a edição seja em letras de razoável tamanho, pois que as miúdas já me desanimam à primeira vista, quando não me afastam logo do livro, para nunca mais. Quanta alegria quando encontro um volume nessas condições e, ainda por cima, o tema me interessa. Coloco imediatamente no carrinho ou na mão e me dirijo ao caixa para pagar.

Será preguiça? É a pergunta que me faço. Talvez um pouco, a essas alturas do campeonato, desculpe o clichê. A quilometragem de leituras é tanta que agora me dou esse luxo: só leio por prazer, jamais por obrigação. Ah, mas esse livro é o tal do momento, todo mundo está lendo e comentando etc etc.
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Tim van Cleef
Nem me abalo. Se não me encantar pelas orelhas ou pela contracapa, e se não atender minimamente àquelas exigências gráficas e editoriais expressas acima, nada feito: dificilmente o livro, qualquer livro, haverá de me fisgar. Sou um peixe esperto e abusado, acredite.

Outra coisa: também gosto de vírgulas, parágrafos e ponto final, tudo que a pontuação oficial põe à disposição do autor e ele não usa se não quiser ou porque quer ser modernoso, experimental, vanguardista, seja lá o que for. Quanto a isso, sou tradicional, quase conservador, pareço-me (olha a ousadia) com Graciliano Ramos, que repelia os desrespeitos gramaticais dos modernistas de 1922. Gosto de um texto arrumadinho, com tudo que tem direito em termos de gramática – ou quase. Até admito certas licenças poéticas transgressoras, claro, mas nem tanto. Gosto de ler e, se possível, compreender. Pelo menos, em alguma medida, aquela do leitor comum, não a do professor, doutor em Teoria da Literatura, ou a do crítico literário. A compreensão do leitor comum é intuitiva e não descritiva como a dos doutos. É uma experiência e não uma explicação.

Daí minha dificuldade de ler Saramago e outros afins, a despeito de eventualmente lhes admirar o engenho e a arte. De James Joyce, gosto dos contos de Dublinenses, escritos de maneira “normal”. Já Ulisses e Finnegans Wake, passo ao largo, não são para o meu bico de ave de voo baixo. Voo de galinha, bem sei, nunca o de uma águia pós-graduada em semiótica e quejandos. Mas tudo bem; vou comendo meu milho no chão, sem reclamar.

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Zach Plank
O Grande Sertão de Rosa, confesso, me intimida. Não propriamente por sua vastidão de páginas e seu cenário agreste, mas pela exuberante criatividade linguística do autor, suas invenções no reino das palavras. Nonada, a despeito de seu significado, é coisa muita para mim, é pra gente grande, que entende de intertextualidades, de neologismos e outras finuras teóricas. Não tiro o valor, não, Deus me livre de tamanho pecado, mas prefiro a língua falada pelos matutos de Zé Lins do Rego, mais perto do meu sertão pessoal.

Teve uma montanha que consegui escalar, faz tempo. Foi a “mágica”, de Thomas Mann. É uma altitude de mais de oitocentas páginas, em que o enredo serve apenas de pretexto para o autor discutir altas ideias. Atualmente, o ar rarefeito das alturas de Davos não combina mais com o meu peito fatigado. Prefiro o Mann econômico de Morte em Veneza. Da mesma forma que, de Tolstói, escolho, sem pestanejar,
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Henry Be
a aparente modéstia de A morte de Ivan Ilitch à monumentalidade ostensiva de Guerra e Paz. A velha história dos grandes perfumes nos pequenos frascos.

O Proust da busca do tempo perdido é outro desafio. Não sei quantos volumes nessa procura talvez inútil e haja parágrafos sem fim, próprios para leitores de fôlego longo, capazes de sustar a respiração por mais de minuto. E o interessante é que o autor era asmático, fraquinho dos pulmões, não sei como conseguiu tal proeza literária ( e respiratória).

Vem-me à mente um diálogo entre duas personagens de certo livro do espanhol Javier Cercas:

“— Você gosta de poesia?

— Não muito. Poetas me parecem romancistas preguiçosos.

— Pode ser. Mas, para mim, quase todos os romancistas parecem poetas que escrevem demais.”

Também penso assim. Por isso, marquei no livro essa passagem. Costumo pensar que os poemas são romances abreviados. Neles, o poeta diz em poucos versos o que os romancistas costumam dizer em trezentas páginas. Essa a razão de gostar de poesia, sem desgostar dos romances que não se alongam demais. Questão de gosto, de medida – e de fôlego, certamente.

Tudo isso, sei, são idiossincrasias de leitor. Cada qual com as suas e sejamos todos felizes, é o que acho. Quem eventualmente esteja a ler este textinho sem pretensão talvez pense: esse sujeito não tem só o fôlego e a vista curtos; seu cérebro e sua inteligência também o são. Pode ser, é muito possível, respondo eu. Mas que fazer?

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  1. Muito bom, Francisco Gil Messias. Tem uma visão clara do que lhe dá prazer, na literatura, o que só consegue quem leu, realmente - como é o seu caso - "demais da conta". A sua própria crônica é uma confirmação do formato que lhe parece ideal. Claro, no tamanho certo, "sustancioso", sem disso fazer tese.

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