'Ridendo castigat mores', ...

Gesto infeliz

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'Ridendo castigat mores', diziam os antigos. O riso é tradicionalmente considerado um meio de criticar aspetos negativos dos indivíduos e da sociedade. Rimos do que é excessivo, inoportuno, inadequado a certos ambientes. Leon Eliachar definiu o humor como “a cócega da inteligência”, ressaltando a íntima relação que há entre ele e a nossa condição de seres racionais.

O riso é um espelho que atesta o ridículo da nossa condição e nos faz tolerantes a ela. É uma forma superior de reconhecer os erros e se dispor a retificá-los sem dramas nem angústias. “Eu fiz aquela besteira? Tudo bem... Não vou perder uma noite de sono por isso. Fui mesmo mal, mas não vai se repetir rsrs”.

Rodnae
O riso pode ser também uma forma de depreciar o outro. Por meio dele é possível afirmar uma espécie de arrogância que o rebaixa, muitas vezes humilhando-o e ferindo-o. Nesse caso fica difícil “rir da piada”, que soa como um instrumento de provocação.

Foi mais ou menos isso o que houve no recente episódio envolvendo o humorista Chris Rock e o ator Will Smith. Pelo que li, os comentários derrisórios do apresentador do Oscar sobre a calvície da mulher de Smith vinham já de algum tempo, gerando mal-estar e ressentimento no casal.

A piada num momento em que o mundo tinha os olhos naquele palco teria ido além de todos os limites. Fala-se que de início o ator até sorriu, mas fechou a cara quando a mulher o fitou com um ar de severa contrariedade, como que lhe cobrando uma reação.

A reação foi a que vimos, estupefatos. O ator invadiu o palco e desfechou no rosto do outro uma bofetada. Podia ter sido um murro, porém ele optou por aquele “tapa na cara” – um tipo de agressão que rebaixa quem dele é alvo. Um tapa liso e frontal é sobretudo um atestado de desprezo.

Rodnae
A agressão acabou se convertendo na imagem mais impressionante da cerimônia e ganhou as manchetes do mundo. Transformou-se em marca registrada dessa edição do Oscar, superpondo-se aos atores e a suas roupas de grifes famosas. Houve quem defendesse o ator, alegando que o comediante já provocara o casal outras vezes e, apesar dos protestos, insistia em depreciar a mulher de Smith. Uma depreciação covarde, pois decorria de uma condição patológica de que ela era vítima. Deve-se rir de falhas morais, e não das que são produzidas pela Natureza.

Ainda assim, a ida ao palco para agredir o outro foi uma atitude infeliz. Maculou o script da festa com uma nota destoante e de mau gosto. Havia outros meios de ele contestar o autor da anedota; adverti-lo verbalmente era uma delas. Tivesse optado por um discurso sereno, que enfatizasse o despropósito da brincadeira do comediante, Smith teria recebido uma ovação do auditório e se livrado do repúdio que tantos hoje lhe destinam.

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