O seu amor ame-o ou deixe-o, livre para amar, livre para amar... Caetano Veloso Na juventude (mas nem sempre), por vezes a gente se...

Vulcão

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O seu amor ame-o ou deixe-o, livre para amar, livre para amar...
Caetano Veloso

Na juventude (mas nem sempre), por vezes a gente se afasta de quem temos uma relação amorosa; da famosa força avassaladora da paixão. Achamos que podemos fazer a vida nos esperar. Mas a vida não espera. E, se queremos recuperar o tempo perdido, é preciso que se Corra Lola Corra para ver se ainda dá tempo de remendar o estrago. Na maioria das vezes não dá! Mas também que bom que se tem arroubos!

Quando vejo a imagem de um vulcão em erupção, com suas lavas encadescentes montanha abaixo, esse é o quadro que imagino para representar alguma tragédia pessoal, intransferível, e de difícil compreensão.
Compreensão de tempo. De fatos. De ocasião. De vida. Anos atrás (1987), caminhando sobre um vulcão adormecido na ilha de Santorini, na Grécia, vendo a terra escura sob os meus pés, fui tomada de súbito de um medo, um horror mesmo de que aquilo me jogasse pelos ares. Mas depois, sobre aquele monstro adormecido, senti-me gigante. E levei comigo essa sensação de poder. Poder de andar sobre minhas próprias pernas. E me fazer neutralizar diante da maldade humana.

Uma vez, assistindo ao filme Perdas e Danos (Louis Malle, 1992), cheguei a compreender um pouco o fato de que tudo o que fazemos tem consequências. Fora de controle. Um carro desgovernado. Velocidade máxima. Roleta Russa! Cicatrizes para o resto da vida. Não, não tenho rancor, nem gastura mais. Já tive todas as chagas, já lambi minhas feridas, e nem sequer era Maria Madalena.

O olhar alegre e poético diante da vida pode ser antídoto para todos os males e tragédias pessoais e amorosas. Levanta, sacode a poeira e dá a volta por cima. Mas, antes, tocamos um dobrado de sofrimento, silêncios atormentadores, pesadelos, doença, tristezas infinitas. Um infinito ao meu redor! Fica o saldo de vida, de fazer parte, parte do que não gosto inclusive. Mas essa sou eu. Meu nome é nada! Ah! Emily! Você salva o que ainda parece não parece ter salvação!

Década de setenta. Revolução sexual. Casamos jovens. Muito jovens. O mundo fervia. E queríamos experimentar. Como conciliar casamento e rebeldia? Com inquietação sexual? Curiosidade? Desejo e tradição? Tudo tão estranho. Estranho amor! Queríamos. E tínhamos receios. Amarras. Mas com as carnes trêmulas, quem há de negar? Os casais se contaminavam. Se olhavam. E a fogueira queimava.

Éramos jovens. E sabíamos. Esposamante. Olhares furtivos. Olhares escondidos. Quem sou eu sou eu? E tu? Quem és? Por acaso me conheces? Nos ardores da paixão magoamos e fomos magoados. Traímos e fomos traídos. Pensávamos que a vida esperava. Abria parênteses. Quão ingênuos éramos! Pisávamos na jaca. Chutávamos os baldes! Jogávamos merda no ventilador! Tantas coisas tantas! Ouvia Caetano e os doces bárbaros – e qualquer maneira de amor valia a pena. Fé cega! Faca amolada! Je t’aime, moi non plus! Viajávamos. E, para além de Goiana, a pupila dilatava. Outros mundos,
outras pessoas, outros desejos. Mas, o que fazer com o amor guardado? O amor tirano? O amor que se tinha? Como conciliar tantas coisas novas?

Um tsunami. Dois. Três. Ondas sorrateiras. Crueldades sem fim. Invejas. Trair. Trair às claras. Às escuras. Meia lua e um quarto! Desejo e Reparação! Irreversível! Vida minha vida, olha o que é que eu fiz! Nós que nos amávamos tanto! E para onde foi todo o amor? Vai passar. Vai passar. Espere por mim! Frescobol! Abandono. George Benson Canta. Meus males não se espantaram? Os seus? Encantou-se com uma ave de rapina. Uma usurpação. Para mim, basta um dia! A gota d'água! Saudade de mim e da minha vida. Ao ver você na calçada. Do outro lado. Do lado de lá. Com outra vida. Vida minha. Minha vida. Oh pedaço de mim, a saudade é como arrumar um quarto de uma vida que já foi minha! Hoje, olhando pelo caleidoscópio. Tudo um retrato em branco e preto. Morena dos olhos d'água? Cadê você? Chico Canta! Folhetim! Começar de Novo! Malu Mulher e debulhava-me em lágrimas!

Uma falta de ar. Um suspiro. Um pranto. Um quarto de pânico. Uma insônia maldita. Um gole extra. Um mergulho na boemia. Cachaça. Drogas. Rock. Zona úmida. Ladeira abaixo. Estragos imensos. Por onde andava minha in-sanidade? E a sua? Vagando pelo Cabo Branco? À pé até o sertão. Até a curva do rio! Não, não posso. Não quero. Não, não quero falar! Sumiu na noite. Calada noite. Um corte na barriga. Um soco no estômago. Um choro no chuveiro, enquanto tomava banho. O único canto todo meu. Curativos da alma. Uma alma imoral! Uma bolinha de tênis do filme de Woody Allen,
que poderia ter pendido para lá, ou para cá, Blow Up! Eu vi um crime. Um lençol todo meu, que não era mais todo meu. Angústia. Capitu sou eu! Capitu sou eu! A monotonia de um amor longo. A exuberância de um amor longo. A paixão de um amor longo. Je t'aime, moi non plus! Aranjuez mon amour! O Peru e uma índia descalça. Uma Guiana que falava francês! Ah! O meu inglês, me poupe! Me engana que gosto! Perdoa-me por te traíres!

Foi o tempo. Foram todos. Ana que amava José que amava João que amava Joaquina, Bingo! demorou para que eu entendesse essa ciranda. Essas visitas inesperadas. O inimigo que veio de perto. Que morava ao lado. Que dormia comigo. Que... Eu acreditava em amor romântico. Em lealdade. Em cumplicidade. Em ter um amor todo meu. Qual nada! Ninguém era de ninguém. Ninguém me ama, ninguém me quer! Muitos vinhos no Boiadeiro. Muitas ondas do mar. Vamos a la playa? E lá vinha a serpente disfarçada. Comer dos meus pirões. Querer a minha vida. E você? Tão mago. Tão cúmplice? Tão arredio? Se bastava hein? Com as visitas. As amigas das visitas. Anos 70. Queria que tudo mais fosse pro inferno! Annaa!! Fiquei amarga. Fiquei zumbi. Fiquei doente. Sonhava. Sonhava. Sonhava que tudo era um pesadelo. E que a vida esperava. Não passou. Não acordei. Não esperou!

Hoje, anos passados. Anos não mais dourados. Olho para trás. Para frente. Tudo roda. Roda gigante. Roda moinho. Roda viva! E agora, que faço eu da vida sem você? Não, não é você o meu amor. Falo de você outro. O outro. O outro amor. O amor outro.

E esse vulcão hein? Um dia jorrou lavas de desejo. Fogo abaixo. Fogo adentro. Fogo fátuo. Fogo.

Fumaças restaram. Rastros. Ruídos. Incêndios! De um dia. Para mim, basta um dia. Somente um dia. Para lembrar. Esquecer. E pensar em todo esse ciclo. Da vida. Minha vida. Também a sua.

Até hoje, um vulcão que não dorme. À espreita.

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