Embora órfã de pai morto precocemente, Ernestina era lídima representante da elite rural de então, e que, apesar do evidente desconhec...

Ernestina (II)

Embora órfã de pai morto precocemente, Ernestina era lídima representante da elite rural de então, e que, apesar do evidente desconhecimento que carregava de sua própria história – e a de seu povo, que não fora escrita, sequer rascunhada para conhecimento popular –, encontrava-se, como a maioria dos que mantinham contatos com o então dito mundo civilizado, voltada para os ditames soprados do exterior, e não por outra coisa que um lance de oportunidades conferido por este mesmo destaque social, Ernestina constituíra-se em uma figura um tanto à frente do seu tempo, como também em um modelo de educação quase inatingível para as moças daquele lugarejo afastado, encimado sobre o extenso páramo sertanejo.

Isaak Brodsky
Pelas circunstâncias políticas internacionais daquela época, causadas em grande parte pela eclosão da revolução bolchevique de 1917, o liberalismo ocidental, que vinha a pleno vapor, vira-se obrigado a um recuo de natureza reformista, mas enfrentava a reação ultraconservadora do nazi fascismo, ou seja, um recrudescimento do imperialismo autocrático. Nesse cenário de incertezas, a invectiva nacionalista de Vargas trazia intramuros o germe do autoritarismo inoculado pelo golpe institucional de 1930, mas como base em uma orientação progressista anterior, haveria de abrir novos horizontes para o país. A orientação vigente no governo federal demandava uma industrialização auto sustentável e facilmente exequível pela abundância de matérias primas em solo nacional; pela soma incrível de recursos naturais e pela potencialidade energética – viável tanto em forma fóssil quanto renovável. Mas era preciso, antes de mais nada abrir escolas para o povo trabalhador, e foi a partir dessa gritante carência que, com 3 séculos de atraso, surgiu a primeira escola pública direcionada para o povo brasileiro, sem distinção de cor ou de classe.

Investida no cargo de professora, Ernestina não demandou grandes esforços para absorver os novos ditames da pedagogia política soprada de além-mar, bem como a cartilha de valores morais e conteúdos importados do velho Mundo. Esses ditames chegavam numa aluvião para ditar as
John Singleton Copley
novíssimas diretrizes educacionais, e provinham de uma Europa que, naquele interregno das duas grandes guerras, achava-se agora em um puro e franco confronto de nacionalismos, desta vez entre as novas forças fascistas e os consolidados ideais republicanos vigentes em França (que mesmo depois do sumiço histórico do Bonapartismo, deixara a burguesia entronizada no poder), significando também aquela irrupção nazifascista uma clara ameaça ao, àquela altura, ainda vasto império britânico. Apesar das diferenças de matizes liberais, ambos os lados, democratas e fascistas competiam na mesma propagação de valores morais e éticos, com ênfase em um tipo incondicional de amor à pátria, constituindo-se a chamada Poesia Edificante em uma de suas principais formas midiáticas de disseminação daquele patriotismo tido em uníssono como exemplo de virtude inquestionável.

Tais narrativas visavam acender nos espíritos os valores da honestidade, fidelidade e devoção à pátria, e não raro as cartilhas impressas pelo estado brasileiro recebiam traduções independentemente da origem produzida, se de Itália, se de França. Mesmo que colocados em campos opostos, os teores de ideais patrióticos produzidos pela propaganda aliciadora destas duas nações praticamente não diferiam entre si. Visavam exaltar sentimentos de bravura, amor e fidelidade nos jovens candidatos a, dentro em breve, serem portadores de fuzis e metralhadoras.

“O Estudante alsaciano”, do português Acacio Antunes, ficou durante anos na memória de uma parte dos brasileiros escolarizados (“Antigamente a escola era risonha e franca...”).
Paul-Louis-Narcisse
Uma peça supostamente poética que serve para exemplificar o nível de confrontação nacionalista entre França e Alemanha, vigente nos anos que antecederam a 2å Guerra Mundial. A bem da verdade, nunca passou de um panfleto político de instigação ao beligerante patriotismo daquele final de anos ’30, e que vinha encontrar a Ditadura Vargas perdida no meio desse tiroteio, pois seu governo passara a receber veladas admoestações do presidente norte-americano Franklin D. Roosevelt, que por sua vez, não tinha como manter-se neutro devido à posição inglesa no conflito.

Coincidentemente, porém, na serra de Teixeira, a nova arte declamatória aportava nos rincões através desses poemas, muito das vezes rubricados por um certo “autor desconhecido” (hoje sabemos que uma boa parte deles foram traduzidos por Olegário Mariano (1889–1954) da ABL, um poeta de origem elitista que soube se beneficiar de cargos e favores da era Vargas). Finda a guerra, estas versões nacionalistas do fascismo europeu continuariam a ser enviados às escolas através do circuito interno do ministério da Educação, criado em 14/11/1947.

Apesar da diferença escatológica de temáticas e propósitos em relação à poética criada e desenvolvida na Serra de Teixeira pela linhagem familiar e cultural de Agostinho
DGArt
Nunes da Costa (iniciada no século XVIII), essa nova produção poética vinha cair como uma espécie de neblina atenuadora dos grotões artísticos, àquela altura um tanto ressequidos pelo inevitável declínio da produção poética popular, em seu berçário original. Declínio causado, sem sombra de dúvida pela expulsão – por razões políticas – de seus principais vates, um processo que se acelerou na passagem do século 19 para o 20. Apesar dos estranhos conteúdos trazidos pelas inesperadas formas de poesia que aportavam da cartilha federal, aquilo não deixava de ser uma valorosa benesse educacional, pois foi precisamente naquele momento que o ensino público (aquele dirigido aos patrícios, independentemente de sua classe social ou capacidade de pagamento) teve início em nosso país, completando hoje algo em torno de 80 anos, isto para um país que começou a ser colonizado há pelo menos meio milênio! Antes disso o que se tinha eram os colégios Jesuítas, Carmelitas, Maristas, etc., de orientação religiosa, e o surgimento na capital dos Liceus franceses, todos, de qualquer forma, dirigidos à elite.

DGArt
Aqueles surtos de exacerbado patriotismo me fazem hoje, mais de 50 anos depois, sentir ainda um certo calafrio na espinha soprado pelo ufanismo gerado por rivalidades nacionalistas que passariam a ser o tema predileto da nascente escola pública brasileira, enquanto prosseguiam, no além–mar, acentuando-se mais e mais, ganhando intensidade como um relógio tic-tac que segue aumentando de volume o toque dos segundos que faltam para franceses, ingleses, italianos, russos e alguns países do leste europeu entrarem em uma guerra avassaladora que daria fim à nova tentativa absolutista de origem Romano-Keyserista, encarnada em Adolf Hitler e secundada por Benito Mussolini, sem esquecer o Franquismo espanhol e o Salazarismo português.

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