Duas notícias recentes: roubaram o busto de bronze (45 quilos) que adornava o túmulo de Nelson Rodrigues no cemitério São João Batista, no Rio de Janeiro, e os sobrinhos-netos de Jorge Luís Borges querem trazer seus restos mortais de Genebra para Buenos Aires. Os dois fatos mostram o desrespeito de que são vítimas os mortos no Brasil e além. Vejamos.
Comecemos por nosso quintal. Depredação de túmulos, sabemos, é prática já antiga e corriqueira em nosso país. Roubam-se abertamente, sem nenhuma providência por parte das autoridades, todas as peças de bronze (ou outro metal)
Cemitério da Boa Sentença, J. Pessoa
A solução, que é válida para os demais cemitérios públicos da cidade, é simples e barata: colocar a guarda municipal para vigiar os locais dia e noite, iluminar bem toda a área e manter equipes permanentes de limpeza e manutenção. Bastaria isso para afugentar os meliantes e devolver à população o que a ela pertence. Por que será que os administradores dos cemitérios e as demais autoridades municipais nada fazem a respeito? No mínimo, é uma omissão bastante estranha — e suspeita.
Cemitério da Boa Sentença
O busto de Nelson Rodrigues pesa 45 quilos, é imenso; não poderia jamais ser arrancado e conduzido por uma única pessoa: é trabalho para uma quadrilha de quatro ou cinco. O São João Batista é
Busto de Nelson Rodrigues, furtado do cemitério São João Batista, no Rio.
De Buenos Aires, onde aliás o cemitério da Recoleta é ponto turístico muito bem cuidado, soube-se que os sobrinhos-netos do escritor Jorge Luís Borges estão em campanha para trazer seus restos mortais de Genebra, onde estão sepultados. Enquanto viva, a viúva María Kodama sempre foi contra, alegando que Borges deixou claro que gostaria de ficar na bela cidade suíça, com a qual sempre teve muitos vínculos afetivos. Tanto é assim que, sabendo-se mortalmente enfermo, escolheu passar os derradeiros dias e morrer em solo genebrino, quando poderia muito bem – e com todos os cuidados médicos – ter permanecido na capital portenha. Não é um caso simples, pois, ao que parece, o escritor não deixou disposição escrita a respeito e seus parentes estão todos mortos, salvo os tais sobrinhos-netos. Provavelmente a questão será decidida judicialmente, talvez contrariando a suposta vontade do falecido.
É sabida a profunda identidade de Borges com Buenos Aires. Os dois são quase sinônimos, não se pode falar em um sem falar na outra e vice-versa. E no entanto, também se sabe, nem sempre foi fácil esse
Jorge Luís Borges, fotografado por
Grete Stern, 1951 ▪ via Wikimedia, PD.
Aqui na aldeia, vez por outra fala-se em trasladar os restos de Augusto dos Anjos de Leopoldina, Minas Gerais, para o solo paraibano, também contra uma suposta vontade sua. Os descendentes do poeta, ao que tudo indica, estão atentos e preferem que o bardo continue repousando onde está, na aprazível cidade mineira, onde teria sido feliz em seus últimos dias, até ser colhido inesperadamente pela fatal enfermidade. Augusto e sua esposa saíram daqui magoados, quase enxotados.
Fico pensando em João Pessoa e em Epitácio, ambos trazidos para a aldeia. Talvez chegue o dia em que queiram trazer Zé Lins. Ou outro notável. Sinceramente, não sei se é certo. Quem sabe, seja melhor deixar os mortos em paz onde estão – e cuidar bem de seus túmulos e dos respectivos cemitérios, lugares sagrados para muitos.
Quanto a nós, brasileiros do Rio, daqui e de todo lugar, que lembremos aos políticos locais que os mortos não votam – mas os vivos sim.