O politicamente correto é uma ideia que criou um monstro com o objetivo de destruí-lo. Em outras palavras, proíbe-se hoje o qu...

Politicamente (in)correto

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O politicamente correto é uma ideia que criou um monstro com o objetivo de destruí-lo. Em outras palavras, proíbe-se hoje o que antes era permitido e inocentemente encarado, até que o politicamente correto o tachou de monstro a fim de destruí-lo.

A sinuca é um jogo de mesa inventado na Grã-Bretanha no último quartel do século XIX e normalmente é constituído de seis ou mais bolas de cores diferentes que são empurradas por
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uma bola branca que um jogador impulsiona com um taco para que cada uma delas, de cada vez, caia numa das seis caçapas dispostas nas duas laterais da mesa. No jogo tradicional, a bola de menor valor (um ponto) é a vermelha; a bola preta, a última a ser encaçapada, é a mais valiosa (sete pontos).

Um deputado petista do Amazonas, José Ricardo, apresentou em 2021 à câmara um projeto de lei número 4674 proibindo a sinuca sob a alegação de que se trata de um jogo racista, em que a supremacia racial é representada pela bola branca com o objetivo final de “derrubar” a bola preta.

Como o politicamente correto cria um monstro para destruí-lo, o racismo do deputado petista criou um monstro para derrubá-lo. Se não fosse racista, o deputado faria uma leitura menos racista da sintaxe do jogo: a bola branca é a que mais trabalha, a única que não tem valor e a única que tem função. A bola preta, ao contrário, é a bola de maior valor, a que todos os jogadores anseiam
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conquistar para finalizar o jogo.

Na lógica desse deputado, as partituras musicais deveriam ser proibidas, como racistas, porque as notas pretas têm menos valor que as notas brancas.

Letras de músicas tradicionais, como a de “o cravo brigou com a rosa” e “boi da cara preta”, estão tendo versões diferentes porque não seriam politicamente corretas. A obra infantil de Monteiro Lobato está sendo reimpressa em edições ad usum delphini porque o politicamente correto difunde a ideia de que se trata de obra racista.

Já que falamos sobre letras (linguagem), cumpre lembrar a diferença semântica entre preto e negro, difundida na internet, talvez endossada pelo politicamente correto. Preto seria designação de qualquer coisa boa; negro, ao contrário, seria algo ruim ou indesejável. Os exemplos parecem dar crédito a essa ideia: um carro é preto, não negro; muito dinheiro é uma nota preta,
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não negra; a faixa mais valiosa das artes marciais é a faixa preta, não a faixa negra; esclarecer uma ideia é pôr o preto no branco, não o negro no branco; o feijão é preto e não negro; o café é preto e não negro.

Em contrapartida, uma pessoa ruim, numa família, é a ovelha negra, não ovelha preta; o index é uma lista negra, não uma lista preta; câmbio paralelo é câmbio negro, não preto; fome negra, não preta; humor negro, não preto; futuro negro, não preto; raça negra, não preta...

Mas há exemplos que destroem essa ideia aparentemente correta: bode-preto (“diabo”) (não bode negro), pessoa vestida de preto (não de negro) para mostrar luto; pão preto; ver a coisa preta... Negro é ainda manifestação de carinho: meu nego, minha nega (ainda que a pessoa querida seja branca); “negro velho morrendo, negro velho aprendendo”...

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Acho que já é hora de não sermos mais tolerantes com o politicamente correto. Para finalizar, vale ressaltar uma frase de Dostoievski: “A tolerância atingirá um tal nível que as pessoas inteligentes ficarão proibidas de qualquer reflexão, a fim de não ofender os imbecis.”

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