As melhores lembranças dos meus tempos de meninote estão impregnadas das cinzas do fogão à lenha de uma casa de madeira ficada nos al...

Dois bichos que falavam... e outras coisas

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As melhores lembranças dos meus tempos de meninote estão impregnadas das cinzas do fogão à lenha de uma casa de madeira ficada nos altos da Mantiqueira. Era a vivenda de meus avós paternos. Junto àquele borralho, nos frios da serra, ouvi causos que alimentaram minha alma, lá nos meus verdes anos.

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Rolando Boldrin (1936—2022) ator, apresentador, cantor, escritor e compositor nascido em São Joaquim da Barra, no estado de São Paulo. Fonte:YT
Daí, talvez, tenha brotado esta suposta verve que me estimula ocupar estas linhas com doces mentiras na intenção de que cheguem aos meus leitores e leitoras. São daquelas fantasias em me encantaram lá para trás nos tempos. São quase sempre, dizem uns e outros, cristalinas mentiras.

Essas minhas origens, é que me fazem louvar aqui um prosador lá daquelas latitudes, contador de causos da melhor qualidade (ele e os causos). Deixou-nos faz pouco tempo, Rolando Boldrin (1936 - 2022) e a ele dedico as linhas seguintes, rabiscadas em homenagem a esse ilustre guardião de nossas tradições.


O Gorila

Mané Perna-Torta, era metido a valente. Gostava de encarar umas desavenças que costumava de resolver no muque, na pancada, se é que estão me entendo. Tinha uma venda em estrada de chão batido, caminho da roça numa dessas cidadezinhas de pouco mais de duas mil almas.
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O estabelecimento era frequentado pela caboclada que gostava de tomar umas cangibrinas e jogar um truco nos finais de tarde.

Não é que de certa vez, já quase no comecinho da noite, um magote de matautos estava na venda de Mané Perna-Torta tomando umas lapadas e batendo um carteado. Numa rodada do truco, na terceira mão, Tiãozinho com a primeira feita e segurando o zapi (é o 4 de paus - a maior carta do truco) deu seu grito na trucada:

⏤ Truco! Vão correr, ou vão morrer abraçados com um penico?

Um silêncio, ninguém respondeu à provocação. Foi um Deus-nos-acuda. Três segundos a debandada foi geral. Na venda só Mané atrás do balcão. Na porta um enorme gorila que espantou aquele povo todo. Um gorilão como aqueles que a gente vê no cinema. O macacão entrou, sentou-se num banco junto ao balcão e já foi pedindo:


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O bicho queria com gelo. O monstrengo tomou numa talagada só e já quis pagar.


O bicho pagou em dinheiro e perguntou:



O Piquira

Tavares, caxeiro-viajante, vinha por essa mesma estradinha das linhas atrás, dirigindo seu gordini, quando aquele monte de latas pifou. Levantou o capô, olhou ali no motor, de um lado, de outro, mas nada. "Nem sei como vou sair dessa" — pensou ele. De repente, sem mais e nem menos, um cavalinho piquira que estava pastando por ali chegou junto ao nosso viajante.


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Tavares tremendo, perna bamba, não saía som daquela garganta assustada. O cavalinho insistiu:

⏤ Meu amigo, eu entendo. Se eu disse que é vela é porque é. Tem uma venda perto daqui, vai lá e pede ajuda.

Cavalo que fala, que entende de mecânica. Estaria sonhando? Tavares deu no pé com as forças que ainda restavam depois daquele susto. Chegou à venda de Mané Perna-Torta. Esbaforido contou o ocorrido
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a uma plateia atenta e curiosa. Até que alguém interveio.


Horas depois, Tavares conseguiu um mecânico e já estavam os dois diante do gordini. Nem sombra do piquira. O mecânico examinou aquela geringonça, examinou, examinou... Depois disse:

⏤ Bronca safada meu amigo, são só as velas que estão sujas.

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