Inicialmente, devemos esclarecer que o nome da criatura era Zenóbio; Manchão era só o apodo — ou o apelido, se preferirem. Convém també...

O Manchão

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Inicialmente, devemos esclarecer que o nome da criatura era Zenóbio; Manchão era só o apodo — ou o apelido, se preferirem. Convém também lembrar aos mais antigos e esclarecer aos mais jovens o que vem a ser um manchão. Isso remonta aos tempos em que o pneu de automóvel precisava ter, entre ele e a roda, um apêndice chamado de “câmara de ar”. Constituída de borracha, sempre que o pneu furava ou sofria algum dano, a conta sobrava para essa câmara, que precisava quase sempre ser remendada. Esses remendos eram pedaços de borracha, constituídos do mesmo material da câmara. Os borracheiros usavam uma cola especial para fazer a colagem e, assim, reparar algum furo ou rasgo. Esse restauro de borracha era chamado de manchão.

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Zenóbio, desde a adolescência, exibia uma cicatriz enorme que marcava o lado esquerdo do rosto — das têmporas ao cantinho dos lábios. Aquela marca indisfarçável, ou melhor, aquele remendo, foi o que trouxe a Zenóbio essa incômoda alcunha: a de Manchão. Creio que tenham entendido de onde veio o apelido.

No começo, demonstrava seu embaraço se assim o chamassem e sempre retrucava:

— Tenho nome. Meu nome é Zenóbio.

Mas apelido, vocês sabem como é: se a pessoa se incomoda e parte para o confronto, aí é que pega mesmo — e esse foi o caso do nosso amigo. Hoje em dia, finge que não se amofina. Só finge. Dá para perceber que, nessas ocasiões, tem vontade de mandar o interlocutor que o chama de Manchão para aquele lugar, mas fica, como dizem, “na dele”.

Conheci Zenóbio antes que ganhasse essa cicatriz que modificaria de forma tão significativa sua aparência. Nossa proximidade vem desde os tempos de ginásio, quando fomos colegas de turma. Sempre foi uma criatura cheia de ironias — aquele tipo que não perde uma piada. Pode perder o amigo, mas a piada, jamais. Sempre foi, e ainda é assim: humor nas alturas, desde que não o chamem de Manchão.

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Lembro-me de certa ocasião, na última série do ginásio (ele ainda não tinha a marca no rosto), em uma prova de Língua Portuguesa, o enunciado de uma questão dizia: “Preencha as lacunas com a palavra adequada.” Então, esse meu amigo escreveu “adequada” em todas as lacunas. Não era isso que o enunciado pedia? O fato gerou a maior confusão, pois Zenóbio argumentava que o enunciado era impreciso e ainda mostrou como deveria ser: “Dentre as palavras seguintes, escolha a mais adequada para preencher cada uma das lacunas.” Tiveram que dar razão à criatura.

Dias atrás, eu, Zenóbio e mais uma ruma de amigos estávamos numa mesa de um boteco aqui na praia, quando um dos convivas saiu para ir ao banheiro. Nisso, chegou alguém perguntando:

— Tem alguém sentado nessa cadeira?

E o nosso amigo respondeu:

— Se observar bem, irá notar que não há pessoa alguma com as nádegas sobre ela.

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Quando a pessoa pediu licença para pegar a cadeira, ele retrucou:

— O amigo perguntou se havia alguém sentado nela. Pode ver que não há. Devia, sim, ter perguntado se estava reservada. Lamento dizer que está. Aliás, o “dono” dela vem chegando do banheiro.

Sempre foi assim: não perde a oportunidade de evidenciar seu lado chistoso — e foi exatamente por isso que Seu Candinho Açougueiro passou-lhe a faca na cara sem a menor piedade.

Zenóbio devia ter uns 16 anos quando apareceu no açougue de Seu Candinho, justamente num dia em que o homem estava com as ventas viradas, cheio de raiva por algo que lhe acontecera. Todo “amostrado”, nosso amigo chega perguntando:

— O senhor tem pé de porco, Seu Candinho?
— Tenho, sim — respondeu, apontando as peças.
— E orelha de porco? Tem também?
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— Tenho.
— Rabo de porco... acho que o senhor não tem, né?
— Claro que tenho! Mas me diga uma coisa: vai ter feijoada na sua casa?
— Vai não, Seu Candinho.
— Então, por que está perguntando?
— Eu só queria confirmar, porque o senhor é feio desse jeito.

Vocês sabem como faca de açougueiro é afiada. Dali mesmo, sem sair de detrás do balcão, Seu Candinho fez aquele corte nas bochechas de Zenóbio que cirurgião plástico nenhum foi capaz de dar um jeito — uma melhoradinha que fosse.

Seu Candinho, tempos depois, vendeu o açougue e ninguém mais soube dele. Manchão, ou melhor, Zenóbio, anda por aí aprontando das suas...

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