Diante de um mundo marcado pelo sofrimento, Arthur Schopenhauer (1788–1860), filósofo alemão, em sua obra Sobre o fundamento da moral, publicada em 1840, propõe uma ética fundamentada na compaixão. Embora o egoísmo e a crueldade constituam aspectos inerentes à condição humana, a solidariedade apresenta-se, em sua filosofia, como o contraponto ético e afetivo ao impulso egoísta, expressando uma resposta existencial diante das falhas da existência que constituem a vida.
Franco Volpi ronzanieditore.it
O egoísmo conduz o indivíduo a se perceber como centro do mundo, opondo-se de modo violento a tudo o que ameaça seu bem-estar. Tal postura gera uma falsa representação da realidade, fragmentando a unidade essencial entre os seres humanos e promovendo o isolamento moral. Como observa o filósofo Franco Volpi (1952–2009): “A moral schopenhaueriana nasce da percepção de que o egoísmo é o véu que encobre a verdadeira natureza do mundo, o qual é uno e indiviso” (1999, p. 64). A arrogância é compreendida como uma forma de cegueira moral, um véu que impede o ser humano de perceber a interdependência entre todos os seres. Ela conduz à solidão do próprio querer, aprisionando o indivíduo em uma busca incessante por satisfação e poder.
Em O Mundo como Vontade e Representação, publicado em 1819, Schopenhauer (2005, p. 136) afirma: “A essência íntima de tudo que vive é uma e a mesma vontade”. Assim, quando o ser humano age compassivamente, ele rompe os limites do próprio ego e intui, ainda que momentaneamente, a unidade da existência, pois ver o outro como si mesmo é negar a ilusão do próprio egoísmo. Dessa forma, o pensador alemão substitui a razão por um ímpeto do sentimento,
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no qual o sofrimento se torna o meio pelo qual o sujeito compreende a unidade da vida. Essa perspectiva desloca o centro da ética do dever para o pathos, reconhecendo que a dor é o elemento originário da consciência moral. Portanto, a compaixão é uma forma de conhecimento intuitivo, pela qual o sujeito reconhece no outro a mesma essência da vontade que o constitui. Como escreve Schopenhauer (2005, p. 147): “Toda bondade autêntica nasce da intuição de que o ser que sofre diante de mim é o mesmo que em mim sofre”. Esse reconhecimento revela a unidade da vontade como fundamento comum de todas as coisas.
A compaixão restabelece o vínculo entre os homens, aproximando-os pela via do reconhecimento do sofrimento alheio e pela percepção de que a dor é universal. Essa ética é entendida como essência de todos os seres. Assim, tanto o egoísmo quanto a caridade derivam da mesma vontade de viver, mas se manifestam de modos opostos: o primeiro afirma a separação individual, enquanto o segundo reconhece a unidade ontológica do mundo. Segundo o filósofo alemão Rüdiger Safranski (1945): “A compaixão, para Schopenhauer, não é uma virtude derivada da razão, mas um movimento de reconciliação com o outro, um instante em que a vontade se reconhece no sofrimento alheio” (2001, p. 214). Tal reconhecimento, de natureza intuitiva, conduz o indivíduo à superação do princípio de individuação, isto é, da ilusão que faz cada ser se perceber como separado do todo.
Rüdiger Safranski Von Kai Spanke
O altruísmo, isto é, fazer o bem ou a preocupação com o outro, instaura uma ética da unidade, um modo de ser que transcende a intenção da dominação e do interesse. Nessa perspectiva, agir moralmente significa negar, ao menos em parte, a vontade individual e reconhecer o outro como expressão da mesma realidade. A moral schopenhaueriana, portanto, não se funda em preceitos normativos, mas em uma vivência existencial e trágica. A pessoa compassiva é aquela que, ao ver a dor do outro, percebe nela o reflexo de sua própria essência — um gesto que une ética e metafísica, sentimento e conhecimento. Assim, na ética da compaixão, o sofrimento se transforma em sabedoria, e a dor em princípio de comunhão. Esse processo revela uma característica trágica da existência humana. A compaixão não elimina o sofrimento, mas o reconhece como elemento constitutivo da vida.
Arthur Schopenhauer thecollector.com
Arthur Schopenhauer compreende que a salvação não está na supressão do sofrimento, mas na superação do egoísmo, que o multiplica. Assim, o exercício da compaixão é também um caminho de ascese, um movimento de negação parcial da vontade de viver que culmina, em sua filosofia, no ideal de quietude e resignação. Nesse sentido, a ética schopenhaueriana propõe que a experiência ética nasce do contato com a dor e com a alteridade, isto é, o sentido moral da existência humana está diante da inevitabilidade do sofrimento.