Certa vez, já idoso, o notável pianista chileno Claudio Arrau (1903-1991) escutava em uma rádio local os 24 prelúdios para piano de...

O Bazar de Sonhos

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Certa vez, já idoso, o notável pianista chileno Claudio Arrau (1903-1991) escutava em uma rádio local os 24 prelúdios para piano de Frédéric Chopin. Já perto do final, disse em família: “uma interpretação que deixa muito a desejar”. Logo em seguida, o locutor anunciava o intérprete: “da Coleção ‘German Broadcasting Archive’, vocês ouviram a integral dos prelúdios de Chopin, pelo pianista Claudio Arrau.


Não é raro que alguns artistas, escritores, poetas, amadureçam, aperfeiçoem-se e passem a estranhar a forma em que criaram anteriormente suas obras, e até mesmo não mais gostarem. Assim como ocorre após amadurecerem e se aperfeiçoarem, passarem a gostar tanto do que criaram a ponto de pensar que nem foram eles. Como se pelas vias da intuição estivesse o "verdadeiro" autor.

Publiquei apenas um só livro em formato impresso. Quem sabe para cumprir pelo menos dois itens da trilogia prolatada pelo poeta cubano, José Martí, na frase:
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“Plantar uma árvore, ter um filho e escrever um livro: três coisas que toda pessoa deve fazer durante a vida”.

Embora não tenha criado filhos biológicos, tive, tenho e adotei alguns de mais patas, além de plantar com muito amor. O livro chama-se Bazar de Sonhos, que, aqui entre nós, parodiando a sensação de Arrau, hoje nem acho que é grande coisa, exceto algumas crônicas… Mas tem algum valor, pelo menos, pessoal. E foi condecorado pela professora Ângela Bezerra de Castro com honrosas considerações, por ocasião de sua apresentação:

“Germano é o cronista que tem o dom especial de despertar o leitor para os milagres da vida, para a possibilidade de um estado de graça permanente, na comunhão do homem com a natureza, inclusive a humana [...] No enfoque de todos os temas predomina um idealismo mais que romântico, um primado da espiritualidade [...] ele escreve para fazer pensar, procurando desvelar o sentido das palavras e das ações, de modo que não se anulem na repetição mecânica e vazia. A consequência é uma ordem especial no Bazar de Sonhos, de acordo com os princípios defendidos pelo autor. Uma ordem em que tudo se volta para o Infinito Bem.”

O livro fez uma dúzia de anos em dezembro passado. Dele poderia dizer que trata da gente, da nossa cidade, dos bem-te-vis, do mar, das falésias, das ondas que se abraçam em espumas brancas nas rochas negras de uma praia deserta. Mas também fala dos nossos problemas, da falta de educação, de respeito, dos equívocos de conduta, da poluição sonora, enfim, da vida que é linda porque é diversa e colorida.


E por que não falar dos sonhos? Do sonho de ser feliz, principalmente e sobretudo do direito de ser feliz. Uma felicidade plena, coletiva, mística e divina, sábia e justa. Do direito de ser feliz, de uma felicidade não só humana, mas de toda a natureza, do meio ambiente, dos animais. O livro é um “bazar de sonhos” na essência da expressão porque há sonhos de todo tipo. Desde os sonhos que um velho homem vendia no tosco bazar, que imaginei num tempo perdido, passando pelas prosas sobre Baía Formosa e Camaratuba, até o pesadelo de saber que ainda hoje temos as impunes vaquejadas a maltratar animais pacíficos e indefesos para o deleite sádico e leviano de seres insensíveis, e gente que gosta de ver pássaros em gaiola.

Ao longo de três décadas, tenho desfrutado a grata oportunidade de poder me expressar em meios de comunicação, que vão desde o jornal centenário A União,
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A União, 8.02.2024
escola de muitos ícones da literatura paraibana, a outros como o Correio da Paraíba, Contraponto, portais, blogs, revistas impressas e digitais e, desde alguns anos, neste Ambiente de Leitura Carlos Romero, em que passei a escrever com mais assiduidade e livre dos limites do veículo impresso. Isso me conferiu não somente o prazer da redação, mas uma imensa responsabilidade no ato de divulgar ideias e opiniões que podem influenciar pensamentos, tendências e posições do público-alvo: o leitor. Um público que merece todo o nosso respeito por ser a meta, objetivo, o foco de toda a produção literária. Não haveria literatura sem leitor. E o escritor, o poeta, o artista, o inventor, e todo aquele que cria, faz de sua criação uma via de mão dupla, por onde caminham e se burilam os sentimentos e a emoção humana. E como a forma mais eficaz de perpetuar as letras é o livro, veio a vontade de publicar alguns desses textos que se parecem ora com crônicas, ora com poesia, e ora como artigos de jornal.

No Bazar há todo tipo de sonho. Podem-se encontrar nele crônicas sobre o dia a dia, sobre um passeio à beira-mar, sobre uma cena que a memória gravou com algum significado especial, assim como artigos mais densos, que revelam protestos contra a insensibilidade, a grosseria, e tudo o que nos causa dissabores cotidianos. Há também cenas de viagens em que se mistura turismo com reflexões acerca das belezas deste mundo tão rico em diversidades culturais, étnicas, paisagísticas, sociais, e, sobretudo, humanas.


Poderia destacar alguns momentos, agradáveis e desagradáveis, que originaram os textos, aparentemente insignificantes, mas muito significativos para uma observação mais acurada. Caminhadas à beira-mar, por exemplo, que muito ensinam pelo contato com a dimensão oceânica, com a dinâmica paisagística de seu entorno que, apesar de rotineira, guarda um ineditismo fabuloso. O pôr do sol é um fenômeno diário que se repete há milhões de anos, mas nunca há um igual ao outro. O balé das ondas, que se contrapõe com o das nuvens, é diferente a cada momento. Numa das caminhadas, vi crianças e adolescentes correndo para matar uma “maria-farinha”, aquele caranguejinho loiro que risca com suas graciosas carreiras a areia da praia, numa alegria misturada de espanto, completamente inofensivo. A cena me levou a um sentimento de perplexidade e revolta perante a constatação de que as escolas atuais
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não estão educando os futuros cidadãos sobre o respeito à Natureza, aos animais.

Outras histórias, presentes em viagens, estão neste Bazar de Sonhos, nascidas de uma contemplação mística experimentada na Costa do Adriático, no encantamento diante das cidades da Riviera Italiana, dos fiordes da Noruega, ou vendo gaivotas a bailar entre torres de igrejas no céu de Liverpool. Há outos textos reflexivos, que foram inspirados pela ambiência do silêncio, um estado que muito me agrada, além de ensinar e nos inclinar ao encontro consigo mesmo. E disso nasceu a crônica “Ode à solidão”. O silêncio é uma coisa sagrada que está progressivamente em extinção. Não somente pelo aumento dos ruídos advindos do progresso urbano, mas pela mania de que as pessoas têm de desrespeitar o sossego alheio com barulho, por não conseguir estar frente a frente com a verdade que se revela num momento de silêncio absoluto.

Há quem me pergunte como comecei a escrever. Foi tudo incidental, apesar da familiaridade com as letras vir do berço, pois que fui criado no meio de livros, e meu adorado pai e amigo, Carlos Romero, com minha mãe Carmen, sempre terem incentivado a mim a meu irmão para a leitura. Convivemos com as bibliotecas, ambiente mágico e atraente que sempre esteve presente na nossa casa, e, na adolescência, já havíamos lido as obras completas de Monteiro Lobato, Érico Veríssimo, Esopo,
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Lafontaine, José Lins do Rego, José de Alencar, o Evangelho de Jesus, entre outros. Sem falar nas muitas enciclopédias e coleções valiosas como o “Tesouro da Juventude”, Delta La Rousse, Britânica, Conhecer, etc.

Apesar de certa facilidade e prazer na escrita, nunca havia me passado pela cabeça escrever em jornal ou outros meios de comunicação. Certo dia, ao ler uma crônica do advogado Wamberto Costa, em A União, me veio a vontade de responder às críticas contundentes que ele fazia à proliferação de edifícios na cidade, chamando-os de “espigões”, sem se lembrar que o edifício residencial não é um vilão, e sim uma solução inteligente de engenharia, capaz de concentrar moradias, racionalizando espaço e infra-estrutura urbana. E é uma solução que veio para poder atender ao vertiginoso, descontrolado e inconsequente crescimento da população. Se não há maior rigor no disciplinamento da expansão urbana, não é culpa do edifício. Assim como não é culpa do carro em si, os congestionamentos de trânsito provocados por sua proliferação descontrolada.

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Após o aval da redação do jornal dado ao meu “pedido de resposta” ao texto de Wamberto Costa, que o fazia mais na qualidade de arquiteto do que cidadão, meu artigo foi publicado seguido de boa e elogiosa repercussão. Algum tempo depois, recebi uma sugestão de colaborar semanalmente com A União, o primeiro, honroso e legendário espaço de divulgação de meus escritos.

Daí comecei a tomar gosto, e, ao mesmo tempo, me conscientizar da responsabilidade enorme que têm as pessoas com a oportunidade de escrever na mídia, tanto no jornalismo opinativo como na crônica de auto-ajuda, ou em qualquer outro texto no qual você esteja pautando a ideia nos princípios de ética e da saudável filosofia de vida. É como se estivéssemos semeando algo que pode vir a tomar forma, crescer e se distribuir pelas mentes humanas e ajudando-as a agir e a pensar naquilo que realmente vale a pena nesta vida.

Mesmo que sejam sonhos reunidos em um bazar que pode, no futuro, como disse Claudio Arrau, deixar a desejar...

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  1. GERMANO
    Você é um pai exemplar pois cuidar dos seus filhos com muito carinho,sou testemunha ocular deste amor ❤️❤️❤️❤️❤️❤️❤️👏👏👏👏👏👏🙏🙏🙏🙏🙏🙏🙏

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    1. Obrigado, Mana Djane. Fui pai do pai também rsrsrs

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  2. Helder Moura13/2/24 13:39

    Germano, gostei muito de seu texto especialmente pela constatação que traz. Que uma obra pode não comover mais com o passar do tempo. Agora, deu vontade de comprar seu livro.

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    1. Grande professor e romancista Helder Moura! Assim você me desconcerta e me obriga a rever meus conceitos (rsrs) Mas que é verdade, é, assim como os mais recentes, mais maduros, por vezes nos surpreende

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  3. Germano, o que você escreve não corre o risco de envelhecer porque as boas coisas são para sempre. A propósito, já é tempo de um novo "bazar", para deleite de seus leitores. Parabéns. Gil.

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  4. Jose Mario Espinola17/2/24 01:42

    Germano, ler seus artigos, sua paixão por natureza, música e viagem, com as quais me identifico, seu estilo encantador, ao mesmo tempo que me dá prazer, me serve de exemplo de como escrever bem, tão rico e encantador é o seu estilo.

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