"É admirável o talento da nossa simpática artista amadora Amelinha Theorga, revelado em muitas produções de seu feliz pincel, A...

Amelinha Theorga: arte e gênero na Paraíba no início do Século XX

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"É admirável o talento da nossa simpática artista amadora Amelinha Theorga, revelado em muitas produções de seu feliz pincel, Antendendo-se ao fato de não ter ela frequentado os institutos dos grandes meios, nem realizado viagens que viessem concorrer para seu aperfeiçoamento artístico."
O JORNAL, PB, 1924, p. 3
"Dona Ana Maria Barreto, como você é bonita! [...] É confortante pensar em tão bela cabeça sonhando meus sonhos. Seu olhar está olhando para dentro de mim. [...] Sei dos seus quadros sem nunca tê-los visto."
JOSÉ, 2010, p.241


Formação artística e desafios de gênero na Paraíba nos anos 1920

A Paraíba, com sua herança barroca, igrejas e nomes históricos, passou por diversas fases políticas. Inicialmente, estava subordinada à Capitania de Itamaracá, depois cresceu politicamente e se transformou na Capitania da Paraíba. Mais tarde, foi anexada a Pernambuco, recuperando sua autonomia em 1799. A Paraíba era um território predominantemente rural, que paulatinamente
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A capital paraibana teve o seu nome alterado diversas vezes. Nasceu como Cidade Real de Nossa Senhora das Neves, tornou-se Filipeia na União Ibérica, Frederykstadt durante a ocupação holandesa e, depois, Parahyba do Norte. Desde 1930, é chamada de João Pessoa.
se urbanizou. Conforme pesquisadores que estudam suas transformações: “só com o advento do século XIX, a cidade da Parahyba começa a mover-se e adquirir dimensão verdadeiramente urbana”. (AGUIAR,1989, p. 23)

Sua capital, atual João Pessoa, acompanhou esse ritmo de mudanças políticas ao longo de sua história, o que se refletiu em diversos nomes ao longo do tempo. Durante a colonização portuguesa, foi denominada Nossa Senhora das Neves, em homenagem ao Santo do dia de sua fundação. Passou a ser chamada de Filipéia durante a dominação espanhola, em referência ao Rei D. Felipe II. Durante a ocupação holandesa, recebeu o nome de Frederykstadt (Frederica), em homenagem ao Príncipe de Orange, Frederico Henrique. Após o retorno do domínio português, a cidade passou a ser chamada de Parahyba, um nome ligado aos seus primeiros habitantes indígenas. Devido a outro acontecimento político na década de 1930, quando seu presidente foi assassinado, ela foi denominada João Pessoa. O tempo que muda tudo, mudará seu nome uma vez mais?

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A capital da Paraíba (então chamada Parahyba do Norte) no início do Século XX: a Rua Direita (atual Duque de Caxias); a Avenida Central (atual João Machado); e a Rua Nova (atual General Osório). ▪ Fonte JP Antiga
Foi nessa cidade mutante, em um cenário social marcado pela escassez de artistas, por muitos esquecimentos e poucos sobreviventes principalmente do sexo feminino; que viveu Amélia Theorga Ayres nascida no início do século XX, em 1907, na diminuta Mamanguape, município da Paraíba localizado na Microrregião do Litoral Norte.

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A cidade de Mamanguape, onde nasceu Amelinha Theorga, fica ao norte da capital paraibana, na zona da Mata Atlântica.
Num paralelo entre o cenário cultural e artístico entre a capital Paraíba e Recife dos anos de 20, destacava-se o Recife como eixo hegemônico do Nordeste do Brasil. Foi nesse Recife que Dona Ana Maria Barreto, a musa da epígrafe acima, ousou expor suas pinturas como ‘amadora’ e permitiu-se fotografar para o catálogo de uma exposição. Foi nesse mesmo catálogo que José Cláudio (2010), pesquisador da arte de Pernambuco, recortou seu rosto, deixando sua inspiração sobreviver apenas na imagem que o espantava e o atraia.

Em uma aproximação com a epígrafe sobre Ana Maria Barreto, a ‘simpática’ Amelinha Theorga (considerada como ‘artista amadora’ em 1924, assim como a grande maioria das artistas mulheres daquele período), era paradoxalmente admirada por seu talento com os pincéis e pela destreza alcançada de maneira autodidata, sem ter frequentado escolas de arte ou realizado viagens que poderiam aprimorar suas produções.

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Colégio Nossa Senhora das Neves, na cidade da Parahyba do Norte (atual JP), onde estudou Amelinha Theorga. ▪ Fonte: JP Antiga
É bom recordar que durante o século XX no Brasil, o ensino para as mulheres era voltado especificamente para as filhas dos grupos sociais mais abastados. Vale ressaltar que esse ensino feminino surge sob uma ótica cristã, especificamente católica. Na Paraíba a primeira escola para o sexo feminino foi o “Colégio das Neves, de irmãs francesas importadas pelo presidente Beaurepaire Rohan, em 1858” (ARRUDA, 1999. p.3), escola na qual Amelinha estudou e realizou cursos de pintura. Em Pernambuco, a educação feminina pode ser analisada a partir
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Capa da edição nº 1 de A Mensageira, revista paulistana publicada entre 1897 e 1900, dedicada ao pensamento, à educação e ao protagonismo feminino. ▪ Fonte: Biblioteca Nacional
das palavras do intelectual Olympio Galvão que em conferência realizada no Congresso Literário de Pernambuco, em 1892, afirmou:

"Sou dos que pensam que a mulher não deve tão somente limitar-se a aprender a arte de ser boa mãe de família, não querendo dizer, contudo, que se entregue a estudos profundíssimos, assaz penosos para tão gentis e frágeis organismos."
GALVÃO, 1982 in A Mensageira. 1897, anno I

As ações do poder legislativo paraibano sobre o direito feminino ao voto podem ser exemplificadas através do artista, intelectual e deputado Pedro Américo, eleito pela Paraíba. Durante os trabalhos na Assembleia Nacional Constituinte de 1890-1891, quando a possibilidade de liberação do voto feminino apareceu pela primeira vez na arena política, alimentada pelas promessas da nascente República de modernizar o Brasil, ele se manifestou a respeito do assunto:

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Pedro Américo (1843–1905), pintor, político e professor paraibano, natural de Areia. ▪ Wikimedia
"A observação dos fenômenos afetivos, fisiológicos, psicológicos, sociais e morais me persuade que a missão da mulher é mais doméstica do que pública, mais moral do que política. A mulher normal e típica não é a que vai ao foro, à praça pública nem às assembleias políticas defender os direitos da coletividade, mas a que fica no lar doméstico exercendo as virtudes feminis, base da tranquilidade da família e, por consequência, da felicidade social."
Pedro Américo apud WESTIN, 2022, p.01

Na Revolução de 1930, um nome feminino foi marcante, não tanto por sua produção e trajetória como poeta, professora e sua postura de vanguarda na defesa dos direitos da mulher, mas por uma história de escândalo público relacionada ao seu envolvimento com João Dantas que assassinou João Pessoa:
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Anayde Beiriz (1905–1930), professora e poetisa paraibana, conhecida por sua atuação intelectual nos anos 1920. ▪ Wikimedia
o que “a leva para a história do Brasil e da Paraíba, pois os acontecimentos vividos por eles culminaram com a Revolução de 1930” (SILVA, 2008, p.13).

Anayde publicava seus poemas em jornais e revistas como a Era Nova (PB), onde Amelinha também era noticiada. Segundo a historiadora e escritora Paraibana Lourdinha Luna (2016), Amelinha Theorga foi amiga e confidente de Anayde Beiriz. A mesma historiadora relata a posição favorável de Anayde em relação ao divórcio e transcreve o sarcástico comentário de Severino Alves Ayres, que se tornou marido de Amelinha sobre o casamento:

“A loucura de um homem, a tolice de uma mulher, cinquenta mil réis (50$000) para o padre, cem mil reis (100$000) para o juiz e o escrivão."
AYRES, s/d apud LUNA, 2016, p. 01

De acordo com Nunes (2005), somente a partir de 1920 as mulheres paraibanas começaram a expressar questionamentos acerca das relações homem-mulher no que diz respeito à disparidade social. Momento em que a capital paraibana “era pequenina tinha de vinte a vinte e poucos mil habitantes. Sua extensão total ia da balaustrada de Trincheiras, que foi feita no Governo Camilo de Holanda até o bairro de Tambiá. (AGUIAR,1989, p. 206)

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Panorama parcial da pequena Parahyba do Norte, em 1929, a partir da torre do Colégio dos Jesuítas (Lyceu Paraibano / Faculdade de Direito): no centro, a Lagoa; à esquerda, o edifício do jornal A União (demolido para a construção da Assembleia Legislativa) e as fachadas lateral e posterior da Igreja das Mercês (demolida para a construção da Praça 1817); à direita, o Jardim Público (atual Praça João Pessoa); ao fundo, avista-se o verde bairro de Tambiá. ▪ Imagem: Stuckert Filho / Fonte: JP Antiga.
A compreensão da condição da mulher no Brasil, especialmente no Nordeste brasileiro e na Paraíba, é fundamental para uma visão mais abrangente da sociedade no início do século XX. Isso permite situar Amelinha Theorga em relação às dificuldades que ela provavelmente enfrentou, tanto por seu gênero quanto por sua profissão. No entanto, é importante destacar que havia vozes dissidentes que valorizavam a produção da artista
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Peryllo Doliveira (1898–1930), poeta, jornalista e ator paraibano, nascido em Cacimba de Dentro. ▪ Wikimedia
e incentivavam seus estudos tais como Peryllo Doliveira, ao afirmar que:

"A talentosa pintora de quem agora me ocupo, é, presentemente um dos mais belos talentos que a Parahyba possui. E se a Parahyba, a exemplo de muitos outros estados, lhe concedesse uma subvenção para o aperfeiçoamento dos seus estudos, no Rio, poderia estar certa de que a inteligente pintora patrícia saberia lhe dar, em troca, todo merecido auxílio, um título de glória imorredoira."
PERYLLO, 1923 apud SILVA, 2014

Para uma formação mais completa, os artistas, incluindo as poucas mulheres, nascidos na província e provenientes de famílias abastadas e de mentalidade progressista, buscavam oportunidades no Rio de Janeiro ou na Europa.
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Fedora do Rego Monteiro (1889–1975), pintora pernambucana, formada na Escola Nacional de Belas Artes, irmã dos artistas Joaquim e Vicente do Rego Monteiro.
Um exemplo disso foi Fedora do Rego Monteiro, pernambucana de família abastada que seguiu para o Rio de Janeiro em 1908 e, posteriormente, em 1911, para Paris. Na capital paraibana, conforme apontado por Gabriel Bechara (2007, p.188), a educação artística dos estudantes na época era considerada “quase nula e quando existente não correspondia à importância que se deveria dar a essa faceta de formação”. Amelinha produzia suas obras e transitava nesse contexto. Sobre a sua formação, a revista Era Nova afirmou que:

"Artista por índole e por vocação sem nunca ter tido quem lhe ensinasse a pegar na palheta, pintando com espontaneidade e facilidade, a jovem patrícia tem diante de si um brilhante futuro já prenunciado alviçareiramente pelos triumphos até agora obtidos."
Era Nova. Parahyba do Norte. 15 de novembro de 1923

Exposições de trabalhos femininos, rotulados como amadoras, pareciam irreais, de tão raros, ao historiador pernambucano José Cláudio (2012, p. 226). Ao ler um artigo do crítico Bianor de Medeiros intitulado “Nossos quadros e nossos pintores”,
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Amelinha Theorga
que menciona alguns nomes de artistas masculinos e femininos esquecidos pelos contemporâneos, ele chegou a duvidar da existência das artistas.

Nada mais difícil, portanto, imaginar que na vizinha Paraíba, Amelinha Theorga mantivesse um ateliê ativo, atuando como uma das primeiras artistas mulheres do Estado. Assim foi descrito o seu, visitado por Wanda Novaes em 1923: “algumas pequenas mesas, palhetas, pincéis, quadros nas paredes e nos cavaletes, o cheiro bom de tinta e, dando em tom de arte excepcional, um Dôrner de ébano retinto”. Wanda Novaes percebeu em sua obra a possibilidade de criação do trabalho artístico e não da mimesis, fator determinante para que fosse “tida como única no diminuto círculo artístico da Parahyba”.

Além de manter um ateliê, Amelinha Theorga realizou diversas exposições durante a década de 1920, sendo duas individuais no Salão da União em 1923 e 1925. (SILVA, 2014, p.19). Ela tinha acesso à mídia e foi notícia em 1923 na revista
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A revista Era Nova (ed. 53, de 15.11.1923) divulga dois novos trabalhos artísticos de Amelinha Theorga. ▪ Fonte: UFPB
Era Nova, que, além de compará-la às duas grandes glórias artísticas paraibanas, Pedro Américo e seu irmão Aurélio de Figueiredo, elogiou seus trabalhos:

"A Parahyba tem agora uma pintora admirável cuja reputação já ultrapassa as fronteiras da província e vai refletir lá fora, na capital do país, onde mais nervorosamente se cultuam as Bellas-Artes. Quero me referir a Mlle Amelinha Theorga que sabe imprimir e transmitir para seus quadros os aspectos mais pitorescos e mais flagrantes de nossa natureza tropical."
Era Nova. Parahyba do Norte, 15.11.1923

Em 1924, Amelinha Theorga era reconhecida por suas paisagens, especialmente por suas marinhas, e foi chamada de “paisagista do mar”:

"Amelinha Theorga. Uma artista da Parahyba do Norte. Amelinha é uma paisagista delicada e encantadora, interpretando a sua terra com poesia e emoção. Tem realizado várias exposições com êxito invulgar e a ela deve-se um movimento a favor da construção de um mausoleo para o grande e importante pintor Pedro Américo cujo túmulo jaz em completo abandono. A Sra. Amelinha Theorga pretende fazer aqui uma exposição dos seus quadros.”
Jornal do Brasil, 1928 apud SILVA, 2014, p.42

Naquele momento, Amelinha expôs ao lado de artistas paraibanos que também se dedicavam à pintura da natureza como Frederico Falcão, Voltaire D’Ávila,
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"O Jornal", em sua edição do dia 22.03.1924, anuncia a realização do Salon Philipeia (Salão Felippéa), com exposição de quadros de Amelinha Theorga.
Pinto Serrano e Olívio Pinto, no Salon Philipeia. Esses artistas mostraram 118 obras no evento, mas além de expor sua produção eles visavam uma espécie de protesto, um desagravo contra a exposição do modernista pernambucano Joaquim do Rego Monteiro, que ocorreu três meses antes no hall do jornal paraibano A União. Após realizar suas três exposições individuais em 1924 no Brasil (Pernambuco, Paraíba e São Paulo) Joaquim do Rego Monteiro voltou para a França. Segundo Carlos Romeu Cabral (2023, p. 181):

"Poucos dias depois de encerrar sua exposição em Recife, a convite do Jornal Paraibano A União, Joaquim expôs 19 telas no salão da redação do jornal entre os dias 11 e 18 de março [...] sendo este segundo o pesquisador Francisco Pereira da Silva Junior, a primeira exposição de arte moderna ocorrida no estado."
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"La Rotonde", pintura do artista pernambucano Joaquim do Rego Monteiro (1903—1934), pertencente ao acervo do Museu de Arte Moderna Aloísio Magalhães (MAMAM), no Recife.
O fato da exposição de Rego Monteiro ter chocado artistas paraibanos aconteceu pela introdução de uma nova estética, sobre a qual comenta o paulista Menotti Del Pichia em artigo que foi reproduzido no Diário de Pernambuco de 11 de setembro de 1924 (apud CABRAL, 2023, p.182): “Rego Monteiro desce de Pernambuco com uma exposição contra a qual se erguerá o grito de todos os classicistas intransigentes”.


Entre audácia e tradição

Ao analisar o contexto da Paraíba nos de 1920 e 1930, se fez necessário uma maior compreensão das circunstâncias que levaram artistas e intelectuais paraibanos, dentre eles Amelinha Theorga, a se manifestarem através de uma exposição contra a mostra anterior do modernista pernambucano radicado em Paris, Joaquim do Rego Monteiro.

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Vicente do Rego Monteiro (1899—1970), pintor, desenhista, escultor, professor e poeta pernambucano, natural do Recife. ▪ Wikimedia
O Nordeste do Brasil, especialmente Pernambuco, tinha uma relação estreita com o cenário cultural internacional mesmo antes da Semana de Arte Moderna de 1922 através do artista Vicente do Rego Monteiro que foi um dos precursores da arte moderna brasileira, tanto em termos de estilo quanto de temas. Seu irmão Joaquim também seguia uma trajetória semelhante. Recife, como quarta cidade em termos populacionais do país na época, com um importante porto e aeroporto, já demonstrava nos anos de 1920 um ambiente cultural propício à modernidade.

Em João Pessoa, os recursos infraestruturais eram mais escassos em comparação com o Recife. Além disso, a cidade geralmente dava menos atenção aos artistas e intelectuais que estavam ativos na região, embora houvesse indivíduos que mantinham contatos com os centros culturais mais proeminentes. Esse relativo isolamento acabava por refletir-se nas ideias e nas próprias restrições de gênero, que muitas vezes eram mais conservadoras e tradicionais que em centros urbanos maiores e mais cosmopolitas.

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Amelinha Theorga (1907—1982), em fotografia da revista Era Nova. ▪ Fonte: Pinacoteca CCTA/Universidade Federal da Paraíba
Amelinha Theorga trabalhava nessa fronteira onde a tradição se refletia na predominância de artistas do gênero masculino e nas imposições de determinadas linguagens. Vanguardista e audaciosa por ser mulher em um universo artístico predominantemente masculino ela carecia de formação e do contato que alguns poucos privilegiados nordestinos mantinham com o mundo hegemônico moderno, e seu olhar permanecia preso à tradição.

Suas paisagens remetem academicamente ao romantismo da mesma academia francesa da qual herdamos nossa formação, tradição e mercado. Sua terra, por outro lado, lhe ofereceu sugestões e encantos através de seus mares, pois Amelinha, além de paisagens, fez marinhas de bela execução A atitude da artista sobre a qual nos debruçamos se constitui em um projeto de trabalho e de vida que, mesmo de forma talvez inconsciente por parte dela, contribuía para a renovação do olhar de seus contemporâneos.


Das margens do Sanhauá

Nas margens do rio Sanhauá que marcava a cidade, Amelinha foi reconhecida e aclamada pela crítica e pela sociedade paraibana no início dos anos de 1920, amplamente divulgada pela imprensa, com ateliê ativo, com clientes que adquiriam suas obras. Entretanto, dados de sua vida e grande parte de sua obra se perderam em meio às narrativas da história da arte que insiste em apagar trajetórias de mulheres. Os arquivos e estudos sobre a artista são quase inexistentes. Os registros de exposições apresentam um hiato a partir dos anos de 1930 quando sua trajetória praticamente desaparece.

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Obras de Amelinha Theorga: no alto, os quadros "Marinha" e "Árvores Amigas", que ilustraram a edição n. 61 da revista Era Nova, em 15.04.1924; na parte inferior, "Paisagem", de 1926, pertencente ao acervo do Museu Casa Hermano José, na capital da Paraíba.
As obras encontradas e descritas por Wanda Novaes (1923) ao visitar o ateliê de Amelinha Theorga em 1930, como "Vogas da Tarde" e "Melancolia”; trabalhos que, de acordo com a crítica, "admitem o seu temperamento, na aparência inquieto. Obras de sugestão evocativa, desde a tonalidade à expressão" são mencionadas na literatura, porém, atualmente, não temos informações sobre sua localização material.

Filipa Lowndes (2012) no livro Arte sem História, refletiu sobre como a história da arte abordou as mulheres artistas e a representação das mulheres na arte.
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A arte produzida por mulheres foi ignorada e desvalorizada, relegada a uma posição de ‘arte sem história’. No entanto, a abordagem feminista a partir da década de 1970 começou a transformar esse contexto, tornando a produção das mulheres como parte integral da história da arte. Amelinha Theorga, uma artista ativa e atuante que realizou exposições e vendeu obras, levanta questões: onde ela se insere na história da arte da/na Paraíba? como a história da arte aborda (ou não) a artista? será que Amelinha estava completamente sozinha em sua época nesta empreitada de atuar como artista mulher e educadora artística em um ambiente predominantemente masculino?

Amelinha expressava-se através dos pincéis, mas sabe-se que poucas outras mulheres foram atuantes em diversos setores como na música, direito ou educação na Paraíba dos anos de 1920 e 30 como atesta o artigo A mulher Parahybana – seu desenvolvimento
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Maria Bashkirtseff (1858–1884), artista russa, radicada na França.
intelectual escrito por Lylia Guedes (1933) para a Revista Brasil Feminino.

Wanda Novaes (1924), ao refletir sobre a situação artística de Amelinha Theorga, a percebe como alguém “presa à tortura e à estreiteza do meio restrito para vôos da sua privilegiada imaginação”. Essa avaliação levou Novaes (1924) a comparar Amelinha com Maria Bashkirtseff, artista nascida no Império Russo em 1858, que passou parte de sua juventude em Paris, estudando na Académie Julien, instituição era conhecida por oferecer instrução às mulheres em um período em que a École de Beaux-Arts não aceitava matrículas femininas. Maria Bashkirtseff morreu precocemente, após “arrastar num incontentamento divino por toda Europa o desassossego e os anseios de suas amargas aspirações. Porque nem todos podem ultrapassar os horizontes” (NOVAES, 1924 apud SILVA, 2014 p. 54).

Amelinha, uma figura atuante nas primeiras décadas do século XX, na Paraíba, vivenciou as contradições enfrentadas por inúmeras mulheres, inclusive artistas, sendo posteriormente pouco reconhecida. Das margens do rio Sanhauá ela superou barreiras de gênero e transitou por uma linguagem pictórica que se situava entre a audácia e a tradição. Este é o seu legado.

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