Vivemos em uma época marcada por transformações tecnológicas aceleradas, hiperexposição a estímulos, intensificação das dinâmicas produ...

Resistências à desumanização

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Vivemos em uma época marcada por transformações tecnológicas aceleradas, hiperexposição a estímulos, intensificação das dinâmicas produtivas e fragilização dos vínculos comunitários. Esses processos produzem um modo de existência no qual a sensibilidade — entendida como capacidade de perceber, afetar-se e responder eticamente ao mundo — sofre um visível apequenamento.

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GD'Art
Reconstruir a sensibilidade significa reinstaurar a potência do sentir, reeducar a percepção do olhar e reaproximar o sujeito de si, do outro e da realidade. Trata-se, portanto, de uma atitude que envolve não apenas dimensões individuais, mas também institucionais e civilizatórias. A reconstrução da sensibilidade é uma resposta necessária aos processos de desumanização que atravessam a modernidade. Ela exige reaprender a sentir, reaprender a ver e reaprender a ouvir para manter a dignidade de todos.

A racionalidade instrumental moderna — isto é, o raciocínio focado na eficiência e na escolha dos meios mais eficazes para atingir um objetivo específico — reduz a experiência à funcionalidade, produzindo sujeitos incapazes de perceber a singularidade dos acontecimentos. A sensibilidade, nesse fenômeno, é substituída por respostas padronizadas e automatizadas. A condição de ser selvagem, cruel, desumano ou incivilizado inicia na perda cotidiana da capacidade de indignar-se com o sofrimento alheio.

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GD'Art
O embrutecimento transforma o sujeito em um ser bombardeado por violentos choques visuais e informacionais, levando-o a desenvolver uma postura defensiva que inibe o contato com o real, isto é, com o espaço social. Assim, a reconstrução da sensibilidade é um imperativo ético contra a reificação dos indivíduos, pois devolve à experiência um caráter crítico e não adaptado. Esse processo restitui uma experiência que não é apenas percebida, mas incorporada na memória, na imaginação e na convivência. Isso também se dá por meio da vivência da arte, possibilitando a reabertura da sensibilidade.

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Martha Nussbaum berggruen.org
No campo ético, Martha Craven Nussbaum (1947), filósofa estadunidense, em Justiça Poética (1995), defende que emoções como compaixão, indignação e empatia são processos cognitivos que estruturam a habilidade humana de compreender a própria complexidade. Em sociedades marcadas pela violência simbólica, desigualdade e indiferença, a reconstrução da sensibilidade é um ato de resistência: ela permite reconhecer a vulnerabilidade comum e fundamentar uma ética voltada ao cuidado e à justiça social.

Nesse sentido, a reconstrução da sensibilidade atua contra os sistemas burocráticos e tecnológicos, os quais dissociam ações de suas consequências, diluindo a responsabilidade. A sensibilidade moral enfraquece quando o sujeito não vê a dignidade do outro, não escuta o grito social nem percebe o sofrimento humano. Fortalecê-la exige restabelecer o vínculo entre ação e consequência, devolvendo acolhimento às relações sociais. Nesse desafio, a sensibilidade é uma forma de estar-no-mundo, e o corpo é o lugar no qual a realidade se torna significativa. Considerando isso, a reconstrução da sensibilidade é um retorno ao corpo vivido. Em sociedades que tendem a desmaterializar a experiência por meio de virtualizações constantes, a recuperação da presença corpórea torna-se vital para restituir o sentido estético de existir.

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GD'Art
Reconstruir a sensibilidade significa denunciar o enclausuramento narcísico que, ao fechar o sujeito em um circuito autorreferencial, inviabiliza o encontro efetivo com a alteridade. Trata-se de romper com uma subjetividade desgastada pela autorreclusão afetiva e pela incapacidade de acolher a diferença, reinstaurando o respeito ao diálogo, a escuta atenta e o acolhimento às narrativas que revelam falhas psíquicas, cicatrizes existenciais e espaço social de vulnerabilidade humana.

Nessa perspectiva, a reconstrução da sensibilidade constitui um gesto de compaixão e político que forma sujeitos capazes de solidariedade e dotados de um senso crítico desembrutecido. Ao promover a integração entre razão e emoção — frequentemente dissociadas pela tradição da banalidade da maldade — esse processo prioriza o bem comum relacionado à dignidade humana, a qual se expressa na habilidade de cooperação e reconhecimento mútuo, dignificando os sofrimentos humanos, permitindo que eles sejam nomeados, compreendidos e acolhidos dentro de uma responsabilidade ética. Isso implica reorganizar modos de sentir e de estar-no-mundo que sustentem experiências de cuidado, justiça e pertencimento comunitário mais inclusivo, capaz de resistir aos processos de desumanização e indiferença.

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  1. Eis a filosofia a serviço da humanidade. Eis o filósofo dando o seu melhor. Parabéns, Klebber. Francisco Gil Messias.

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