Despedindo-me do dia 2 de dezembro de 2025, deixo para trás os sessenta anos, vividos e ainda não quitados com o universo, apesar das n...

Tenho muitos amores que plantei por essa terra

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Despedindo-me do dia 2 de dezembro de 2025, deixo para trás os sessenta anos, vividos e ainda não quitados com o universo, apesar das novas dívidas contraídas, não só por adiar as não pagas, mas também as novas que fiz e ando fazendo. Sinto-me feliz pela oportunidade de ainda estar no jogo.

Não foi fácil, mas também não foi nenhum tormento. A parte mais difícil, confesso, foi a partida do meu irmão Ribamar. Havia algo de cuidado
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Ribamar, irmão do autor
cotidiano, de um amor que não quer nada em troca; havia serenidade e respeito. Ele me admirava como intelectual (coisa que acho que não sou) e também pela rede de amizades que consegui construir e que tenho até hoje. Ele só não conseguia compreender muito bem os meus poemas, mas ficava feliz por saber onde eu consegui chegar com eles e pelo valor que muitas pessoas davam e dão, por os compreender, publicar e elogiar. Orgulhava-se disso. Foi ele que me disse.

Tínhamos tardes de sábado para ouvir o Bregão, programa musical da 101 FM, enquanto conversávamos sobre coisas importantes e tomávamos cervejas. Na semana, ele vinha me ver para saber se eu estava bem ou se minha geladeira e despensa estavam deficitárias. Ele foi minha companhia em inúmeros périplos por hospitais. Em um só, ficou 46 dias, dormindo em uma cadeira ou velando minhas noites. Esteve presente no processo de uma cirurgia que durou 10 horas e só voltou para casa quando eu também vim para a minha. Ele morreu sem saber que o que tiraram de mim foi um tumor cancerígeno, o que achei bom que não soubesse. Na semana seguinte à sua partida, fui para João Pessoa, numa van do município, para a primeira sessão de quimioterapia. Chorei durante todo o caminho, porque ele não estava comigo.

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GD'Art
Sei que esses detalhes não interessam a ninguém, a não ser a mim, mas também sei que as pessoas que hoje tiraram um minuto de suas histórias de vida para me desejar tanta coisa boa, demonstrar tanto carinho e afeto, me conhecem e sabem dessa lacuna em minha vida, e que falar sobre ele é como mantê-lo vivo.

Muitos sabem também que, seis meses depois — no próximo dia 13 fará um ano —, meu irmão mais velho também partiu após uma cirurgia para a retirada de um câncer, e podem se questionar por que não falo dele com a mesma intensidade que falo de Ribamar. E eu explico: Geraldo vivia fora de nosso convívio há cerca de quarenta anos, e nossos encontros foram muito raros durante esse tempo. Claro que senti muito, mas Ribamar era, para mim, o que Theo foi para Van Gogh (aliás, fico pensando o que ele acharia de minhas pinturas. Não deu tempo de ele conhecer). E quem quiser saber o que isso significa, basta uma breve pesquisa no Google, a grande enciclopédia digital.

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Ribamar e Antônio Aurélio Cassiano
Na verdade, toda essa divagação é para agradecer a todas as pessoas que amo tanto, independentemente do grau de aproximação física, de parentesco ou de contato cotidiano, que se dispuseram a retirar de suas vidas um tempo não só para me desejar tantas coisas boas, mas, sobretudo, por lembrarem de mim.

Não sou filho único de Deus, nem o desejaria ser jamais, mas o privilégio que minha vaidade atesta por tamanho círculo de amizades — que são amores — me faz sorrir. Não preciso de nenhuma conquista material; o que tenho já é suficiente e, tenho certeza, o que eventualmente me falta, tenho a quem pedir.

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Joaquim Cassiano, pai do autor
Meu pai, Joaquim Cassiano, que nos deixou aos 86 anos, externou a mim sua única preocupação em morrer: “Tonho, quando eu morrer, quem vai cuidar de tu?”

E eu disse a ele: “Fique em paz. Além de uma bela família, eu tenho muitos amores que plantei por essa terra. Não tenha medo, porque eu não tenho medo.”

Hoje fecho um ciclo e abre-se outro, até que vença os pedacinhos que ficam faltando nas espirais do DNA cada vez que ele se multiplica, o que causa nossa velhice e morte.

Sou portador de dores e alegrias, mas também da consciência de nossa finitude, o que me faz viver tudo o que me cabe. Como já disse Maiakovski: as fotos são só para lembrar que o tempo passa.

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