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Para quem nunca ouviu falar, a atividade divinatória das Pitás perdia-se no tempo, e era terreno exclusivo das mulheres. Houve um tempo...

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Para quem nunca ouviu falar, a atividade divinatória das Pitás perdia-se no tempo, e era terreno exclusivo das mulheres. Houve um tempo, porém, quando a própria Pitá era viva e a filha sequer lhe fazia sombra, em que o pároco local investira pesado contra ela. Através dos sermões dominicais o padre Vicente Xavier de Farias (que receberia dos Dantas o apelido de Padre Veneno e que era tio do cordelista Leandro), buscou, sem sucesso, afastar a supostamente nefasta influência exercida por ela sobre as beatas da paróquia. Como não podia deixar de ser, o exegeta cristão falava em bruxaria.

É mais que provável que a criação artística tenha, até aqui, resultado mais da intuição de artistas que de supostos saberes reflexivos da ...

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É mais que provável que a criação artística tenha, até aqui, resultado mais da intuição de artistas que de supostos saberes reflexivos da parte dos mesmos. Se do primeiro processo criativo o individuo recebe os favores da intuição, na seguinte função cognitiva prevalece o pensamento, segundo as categorias dos tipos psicológicos até hoje não contraditas de Carl Jung. Uma explicação para o predomínio dessa tendência, perfeitamente atestável na própria História da Arte, pode ser a incorporação pela linguagem artística de elementos discursivos soando de certo modo abruptos, destoantes, e num primeiro momento até esdrúxulos –

Aos doze, treze anos, vive-se alheio à celeridade com que a mão invisível do tempo arranca folhinhas de calendário e as lança para longe. ...

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Aos doze, treze anos, vive-se alheio à celeridade com que a mão invisível do tempo arranca folhinhas de calendário e as lança para longe. Já a página daquela memorável década dos sessenta começara então a dobrar-se, ainda que eu, sem saber ainda, tivesse já começado a formar meu acervo indelével de lembranças referentes a ela.

E eis aqui uma delas: outra vez é sábado. A hora é próxima ao meio-dia, e a Pick-Up Rural freia rente à calçada. Pela porta da frente quem desce é Dondonzinha Dantas. O motorista abre então uma porta mais recuada e por ela sai uma menina que irá servir de companhia à idosa senhora. Pelo outro lado do carro, desce outra mulher, na casa dos 30 anos. São mulheres Dantas. Gente rica.

A foto de 5 crianças posando para uma simulada selfie na qual uma sandália de plástico faz a vez do celular que não possuem, é um petardo ...

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A foto de 5 crianças posando para uma simulada selfie na qual uma sandália de plástico faz a vez do celular que não possuem, é um petardo de alegria que vem pela internet ultrapassando latitudes e longitudes há mais de 2 anos.

Diante da foto, qualquer um de nós dá-se o direito de pensar na possibilidade daquelas crianças estarem talvez mais felizes ali, onde o princípio tecnológico da ação foi abolido em favor de uma fantasia compartilhada, do que estariam caso tivessem à mão um celular de verdade, e isso nos leva a crer na possibilidade de uma proeza metafórica poder as vezes resultar num tipo de alegria mais expansível que outras mais duramente enquadradas nos delimites da realidade,

O caminhão com a leva de homens, acomodados como podem sobre a carga de postes, dobra a esquina com estardalhaço e sobe, num ronco só, a p...

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O caminhão com a leva de homens, acomodados como podem sobre a carga de postes, dobra a esquina com estardalhaço e sobe, num ronco só, a pequena ladeira na entrada da cidade. Estanca, assim que atinge a parte plana da rua principal, e dele já vai saltando, na iminência do aguaceiro, uma algazarra de capas impermeáveis, amarelas, umas, outras pretas, em busca por qualquer coisa que lhes sirva de abrigo, mas ainda a tempo de ver, à curta distância, a instantânea trilha de fogo seco que lembrou a diáspora luminosa de semáforos na chuva – numa tarde já quase apagada por estranha e precoce escuridão.

O que dizer daquelas almas artísticas mais operosas, abundantes na história da Arte ocidental e que, mais do que avanços artísticos, firma...

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O que dizer daquelas almas artísticas mais operosas, abundantes na história da Arte ocidental e que, mais do que avanços artísticos, firmaram marcos civilizacionais que até hoje, representam um legado cultural de quase transcendência, encerrados que estão em grandes museus quais ícones em templos sagrados, enfileirados em seus nichos e à espera dos indecisos fieis que venham preencher parte do vazio deixado em suas almas por um cristianismo soterrado de contradições? De Giotto a Grunewald, dos Brueguel a Reembrandt, passando por Ticiano e Velásquez, para citar alguns, é razoável supor terem esses abnegados, em algum momento de seus percursos de aprendizado para os cúmulos da maestria, formatado internamente seu amálgama de conceitos pelo somatório de um conjunto de impressões sobre tendências gerais traduzidas e personalizadas, e intimamente acrescidas de novas contribuições subjetivas, fazendo brotar através das referidas obras, num jorro de lava, fulgor mais ou menos incandescente, e esse processo, condensado numa crisálida formal, eclodido para tornar-se o novo basalto, a nova matéria e plataforma atualizada de um novíssimo trato civilizatório.

Haveria um tipo qualquer de conexão histórica capaz de relacionar a raiz do algodão mocó a um - mesmo que - eventual, breve uso de cache...

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Haveria um tipo qualquer de conexão histórica capaz de relacionar a raiz do algodão mocó a um - mesmo que - eventual, breve uso de cachecóis na Paraíba? À pergunta tão disparatada cabe a quem a fez responder, no caso, e antecipadamente pronto para a resposta, este que vos escreve: num esforço adaptativo de luta pela sobrevivência, a raiz do algodão mocó (assim chamado por conseguir viver entre pedras e cascalhos, bem ao modo do roedor homônimo) mergulhou na direção do centro da terra, num impulso que redundaria profundamente feliz, por conseguir atingir o lençol freático, e a partir dali tornar-se uma fonte de riquezas para o homem dessa relativamente vasta região que compreende sertões nordestinos, desde sempre considerada a mais pobre do país.

Meu tempo inicial de formação artística em parte se gastou, como é recorrente, num tanto de tanto procederes incipientes, devidamente aí r...

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Meu tempo inicial de formação artística em parte se gastou, como é recorrente, num tanto de tanto procederes incipientes, devidamente aí refletido o perfil recorrente e tecnológico da nova cultura abaixo da linha do Equador, e para a qual, da parte colonizadora avultou sempre a falta de apreço, e cujo simplismo grosseiro de certos conceitos por ela produzidos, foi sempre uma antitética resposta encontrada para a complexidade, riqueza e diversidade dos trópicos.

O que se ouviu foi um estalido trêmulo. Audível apenas no exato ponto de não passar despercebido. O som delicado e já extinto de uma alter...

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O que se ouviu foi um estalido trêmulo. Audível apenas no exato ponto de não passar despercebido. O som delicado e já extinto de uma alteração transcorrida em completa invisibilidade, em íntimo segredo até aquele último instante.

Muitos anos depois daquela noite, não sabe como, teria ela então uma lembrança mais diversificada, como se com o passar do tempo uma sensação mais acurada lhe fosse progressivamente sendo devolvida, espécie de progressão senil e às avessas, e que faria algum esquecimento parcial ser aos poucos substituído por lembrança mais e mais precisa, e que, no entanto, porém, remetesse sempre a um intrigante detalhe: o de que uma fração do percebido dera-se através de sensores na pele, havendo decorrido talvez de uma vibração magnética do ar em volta. Resultaria a impressão de um fenômeno qualquer de natureza híbrida, ou assim repercutindo, falando a dois sentidos. Ou ainda, talvez, ao ilógico de que algo se adiantara à luz.

Reviveria na memória aquele soar como de algo brandamente plangente, metálico e insignificante, e cujo efeito, entretanto, houvera se estendido ligeiramente além do próprio som. Ficaria a recordação de um plac súbito, demasiadamente peremptório e alarmante, e ainda que tênue, irrevogável.

O que resultou de única, avassaladora sinapse, e já varreu - desimpedida - toda a extensão do vasto sistema a percorrer.

Um sistema intrincado, aéreo e perfeitamente errático.

Aquilo não tomara nenhum conhecimento do vale extenso e cáustico à sua frente. Nem da serra abrupta que lhe era destino. Melhor fosse dizer que ocorreu e se completou no tempo que uma vertigem cerra os olhos. Ou talvez naquele que seria suficiente para um sonho espocar o brevíssimo instante de algum enigma cheio, lúcido e indecifrável, exposto, porém, em panorama de quadro irretocável.

A pouco, mais ou menos, 30 quilômetros dali, o giro de uma chave comunicara-se pelas tranças do metal, no mesmo instante ativado ao longo da própria surpresa em que é apanhado e percorrido, e impossibilitado de outra reação que não viesse a ser um arrepio no final, na ponta - fixada no centro da cloaca de vidro -, que executará então movimento quase imperceptível, dado que muito mal é livre para tanto.

O equivalente talvez a uma minúscula vibração dentro da cloaca incubadora de luz, quase que uma pequena ereção na haste metálica (a lembrar um guizo de serpente em arranjo de ordenação óssea, firme e repentino), e com apenas o bastante para que se descole da inação. Noutra inexplicável imagem – essa talvez mais branda: aquele primeiro e involuntário, anônimo e solitário movimento de um vibrião imerso na cuba.

Embora sem estar programada para emitir qualquer tipo de som, a bolha de vidro acabou funcionando como minúscula caixa acústica, e esse efeito, uma vez multiplicado fez vibrar a notinha estrênua.

O alarme ou a senha para que se violasse o lacre sigiloso da escuridão.

Naquele momento, porém, soou aos ouvidos de Maria Otília como aviso tardio de algo que já tinha acontecido em toda plenitude: com a leveza sincrônica de um balé bem ensaiado, naquele exato instante e sem qualquer defecção, os 212 postes acenderam suas lâmpadas de uma única vez.

No mais, foi a brilhante consumação de quatro anos de esforço, escuridão e espera. Desde aquela surpresa do caminhão irrompendo na entrada da cidade.

Um lote de homens apinhava-se sobre a carga, na tarde escura de inverno.

A velhice costuma se apressar para os mergulhados na penúria, e nem mesmo um punhado de crianças ainda na pré-adolescência, como aquele, v...

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A velhice costuma se apressar para os mergulhados na penúria, e nem mesmo um punhado de crianças ainda na pré-adolescência, como aquele, viu-se livre dessa tendência. Embora desde muito cedo ilhadas pelo baixo ou nenhum interesse que vidinhas obscuras, feito a deles, fossem de despertar em seu entorno (ainda mais que numa época ensombrecida por ditadura militar), elas lograriam, no entanto, alcançar uma espécie de brilho fátuo e certamente meteórico, quando um resto de infância ainda lhes era de percorrer, e quando, mesmo assim, para a maioria delas a vida talvez já entardecesse. O certo é estarem presas, juntos com seus familiares, na curva ruim de um gráfico hipoteticamente concebido para cruzar dados de pobreza crônica com economia estagnada, embora isso não impeça que um ou outro desses meninos vá ser visto, heroicamente, a se debater na maré braba.

Teve sim, esse momento de não lhe ser tão difícil mover-se na escuridão quanto raciocinar dentro dela. Segundo disse, foi num quase su...

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Teve sim, esse momento de não lhe ser tão difícil mover-se na escuridão quanto raciocinar dentro dela. Segundo disse, foi num quase surto, quando se apercebera, por fim e de repente, que uma parte de seu eu viera precocemente se esvaindo naquele turbilhão de horas mortas — no meio de uma palidez de lajedos mergulhando em resfriamento profundo e crescente anulação de presença, mas até um último momento permanecendo capaz (aquela palidez) de fornecer algum contraste a olhos já então mais adaptados, denunciar uma lança espectral de gravatá, ou a sombra sem fundo de uma garganta de pedra —, e após o descortino do vulto lânguido e esguio de um lobo.

Histórias não obrigatoriamente nasciam de cordel fictício ou repassador de notícias, ou de almanaque ibérico abarrotado de mitologia mour...

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Histórias não obrigatoriamente nasciam de cordel fictício ou repassador de notícias, ou de almanaque ibérico abarrotado de mitologia moura, e não necessariamente exalava-se de senzala ou de floresta indígena, nem mesmo de origem facilmente rastreável, mas, é certo que boa parte delas tinha brotado da memória de uma tradição oral que se veio firmando, muito provavelmente desde o tempo, ainda não tão longevo, em que nós, aldeões serranos, vimo-nos encantados — e mais ainda, alvoroçados —, por conta não de que um império tivesse acabado de virar república, mas pela novidade de um governo cujos contornos embora se assomassem para nós ainda indecifráveis, surpreendia ao dar a impressão de piscar uma luzinha de interesse por nossas vidas remotas.

E aí... cutucou a conviva — E aí aconteceu o que era de se esperar — Emendou Cori. Antes de dar continuidade, porém, o sagaz editor ...

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E aí... cutucou a conviva — E aí aconteceu o que era de se esperar — Emendou Cori. Antes de dar continuidade, porém, o sagaz editor percebe a expectativa em torno. Interrompe propositadamente o que diz e dá umas balançadas no copo com uísque para agitar as pedras de gelo.

Tolhido pela surpresa, Coriolano Torquato Lins não tem rapidez suficiente para, na sequência, esgrimir-se da pergunta O amigo é de ond...

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Tolhido pela surpresa, Coriolano Torquato Lins não tem rapidez suficiente para, na sequência, esgrimir-se da pergunta O amigo é de onde? E após ouvir um sussurrado Recife como resposta, o moço põe o dedo indicador numa têmpora e vagueia os olhos, teatrinho típico de quem organiza dados na mente, para finalizar seu gesto numa assertiva de cabeça. Pede então licença pra sair. Volto já, diz, e vai buscar alguma coisa lá fora (deixada provavelmente na mala do carro). Ao voltar, tem um livro nas mãos. Olha aqui, ele diz, e coloca-o na mesa, já aberto na página. Torquato Lins moveu-se ruidosamente na cadeira e iniciou a leitura.

Talvez não haja outra explicação para essa sobrevida literária que, bem ou mal, Edilson Limeira vem alcançando no tempo: à medid...

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Talvez não haja outra explicação para essa sobrevida literária que, bem ou mal, Edilson Limeira vem alcançando no tempo: à medida que mais pessoas o liam, certas características suas de estilo se foram aos poucos aclarando, e, dentre tais, já é possível prever, com um mínimo de certeza, que a agilidade ainda vá ser aclamada como um de seus atributos mais notáveis, uma qualidade por si já evidente, e supostamente capaz de amordaçar possíveis detratores.

Entrega os originais e recua para a poltrona da sala, de onde observa Cori — gordo e fumando feito um desesperado — folheá-los. De lá o ...

Entrega os originais e recua para a poltrona da sala, de onde observa Cori — gordo e fumando feito um desesperado — folheá-los. De lá o vê deter-se rapidamente em trecho escolhido ao acaso, para logo prosseguir, passando páginas. Assiste um voo rasante sobre nova escolha aleatória, logo deixada de lado. Por instantes, há essa impressão segura de quem sabe o que busca, e que, um instante depois, vai parecer irresoluto. Ei-lo agora voltando, acelerando, até fixar-se naquele ponto anterior do calhamaço.

Deus Entra no Jogo Socava as varetas para dentro da boca da caieira com aquela eficiência de quem não exatamente precisa perceber o...

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Deus Entra no Jogo

Socava as varetas para dentro da boca da caieira com aquela eficiência de quem não exatamente precisa perceber o que faz, numa certa e negligente violência (dizendo para si) É muito engraçado você não perde duas partidas seguidas usando baralhos diferentes como é que o segundo dá um jeito de saber onde que você errou no primeiro mas era só o que me faltava deve estar vindo aí por trás um vento forte aposto para empurrar tudo isso para bem longe daqui para ir cair lá na baixa da égua pode apostar eu aposto que isso é só o azar da velha que Gaguinho trouxe com ele é muito bom esse meu amigo um bom menino mas trouxe o azar da velha E alguns momentos depois gritava para o garoto, este ainda aturdido com os estrondos e num certo estado de surpresa perdurante, congelada por certa prontidão de espírito para obedecer ordens, fossem lá quais fossem
Corra para casa vá para casa E o menino dando uma meia volta desnecessária, numa menção equivocada do caminho, mas em seguida correndo na direção certa e agora procurando concentrar o olhar na barreira que tinha para escalar Pegue a panela E parando no meio dela, voltando para pegar Tome a tampa E agora novamente a subir, mais lentamente agora, porque não dispunha de braços livres para equilibrar-se, e escutando a voz alta e ainda em meio dos trovões gritando como que uma desculpa Senão tu apanha uma doença e tua tia vai e põe a culpa em mim.

Parte II - O Açude Velho O garoto tinha atingido o alto e já não estava longe de casa, sendo-lhe inútil agora correr ou apressar o pas...

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Parte II - O Açude Velho

O garoto tinha atingido o alto e já não estava longe de casa, sendo-lhe inútil agora correr ou apressar o passo, pois estava ensopado, fora alcançado pelo temporal no meio do caminho, onde se pôs às pressas depois que o homem, quase gritando lhe ordenara correr para casa Senão vai adoecer e sua tia põe a culpa em mim / não se esqueça da panela Debaixo do que parecia ser o céu se abrindo e fechando em questão de segundos, produzindo interferências no som apenas para não deixar escapar mais que estilhaços de ira vocálica, de imprecação escandalosa e fragmentada, e isto numa escala de som quase insuportável – brados terríveis, entrecortados, de algum deus antigo e esquecido, mas que dele não fosse aquilo resultado de nenhuma ação presente, mas apenas o eco ou memória virtual auditiva de situações remotas e incompreensíveis, sendo as falhas de voz defeitos naturais de registro, causados pelo tempo.

As chuvas desertando no céu e deixando a plantação – um milharal de começo tão promissor – definhar pelo campo, mas voltando, intempestiva...

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As chuvas desertando no céu e deixando a plantação – um milharal de começo tão promissor – definhar pelo campo, mas voltando, intempestivas, para diluir a caieira de tijolos acabada de erguer (aproveitando uns restos de águas de um barreiro próximo), num impulso desesperado e salvacionista do prejuízo anterior –, quando finalmente pronta e apenas nos preparativos da queima para que os tijolos, vendidos de antemão, fossem finalmente entregues.

Na aldeia em rápida transformação, a oficina de ferragens chegou para personificar o primeiro profissional liberal da história – o ferrei...

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Na aldeia em rápida transformação, a oficina de ferragens chegou para personificar o primeiro profissional liberal da história – o ferreiro –, a quem, já de um bom tempo não era incomum tivesse a ausência perdoada durante jornadas periódicas de trabalho – a que estavam todos sujeitos –, mas que passava agora a ser nominalmente dispensado de quaisquer dos inúmeros e frequentes mutirões impostos pelas novas necessidades coletivas, que tinham se tornado uma imposição autoritária dentro do novo sistema de poder centralizado.