O que se ouviu foi um estalido trêmulo. Audível apenas no exato ponto de não passar despercebido. O som delicado e já extinto de uma alter...

O feito

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O que se ouviu foi um estalido trêmulo. Audível apenas no exato ponto de não passar despercebido. O som delicado e já extinto de uma alteração transcorrida em completa invisibilidade, em íntimo segredo até aquele último instante.

Muitos anos depois daquela noite, não sabe como, teria ela então uma lembrança mais diversificada, como se com o passar do tempo uma sensação mais acurada lhe fosse progressivamente sendo devolvida, espécie de progressão senil e às avessas, e que faria algum esquecimento parcial ser aos poucos substituído por lembrança mais e mais precisa, e que, no entanto, porém, remetesse sempre a um intrigante detalhe: o de que uma fração do percebido dera-se através de sensores na pele, havendo decorrido talvez de uma vibração magnética do ar em volta. Resultaria a impressão de um fenômeno qualquer de natureza híbrida, ou assim repercutindo, falando a dois sentidos. Ou ainda, talvez, ao ilógico de que algo se adiantara à luz.

Reviveria na memória aquele soar como de algo brandamente plangente, metálico e insignificante, e cujo efeito, entretanto, houvera se estendido ligeiramente além do próprio som. Ficaria a recordação de um plac súbito, demasiadamente peremptório e alarmante, e ainda que tênue, irrevogável.

O que resultou de única, avassaladora sinapse, e já varreu - desimpedida - toda a extensão do vasto sistema a percorrer.

Um sistema intrincado, aéreo e perfeitamente errático.

Aquilo não tomara nenhum conhecimento do vale extenso e cáustico à sua frente. Nem da serra abrupta que lhe era destino. Melhor fosse dizer que ocorreu e se completou no tempo que uma vertigem cerra os olhos. Ou talvez naquele que seria suficiente para um sonho espocar o brevíssimo instante de algum enigma cheio, lúcido e indecifrável, exposto, porém, em panorama de quadro irretocável.

A pouco, mais ou menos, 30 quilômetros dali, o giro de uma chave comunicara-se pelas tranças do metal, no mesmo instante ativado ao longo da própria surpresa em que é apanhado e percorrido, e impossibilitado de outra reação que não viesse a ser um arrepio no final, na ponta - fixada no centro da cloaca de vidro -, que executará então movimento quase imperceptível, dado que muito mal é livre para tanto.

O equivalente talvez a uma minúscula vibração dentro da cloaca incubadora de luz, quase que uma pequena ereção na haste metálica (a lembrar um guizo de serpente em arranjo de ordenação óssea, firme e repentino), e com apenas o bastante para que se descole da inação. Noutra inexplicável imagem – essa talvez mais branda: aquele primeiro e involuntário, anônimo e solitário movimento de um vibrião imerso na cuba.

Embora sem estar programada para emitir qualquer tipo de som, a bolha de vidro acabou funcionando como minúscula caixa acústica, e esse efeito, uma vez multiplicado fez vibrar a notinha estrênua.

O alarme ou a senha para que se violasse o lacre sigiloso da escuridão.

Naquele momento, porém, soou aos ouvidos de Maria Otília como aviso tardio de algo que já tinha acontecido em toda plenitude: com a leveza sincrônica de um balé bem ensaiado, naquele exato instante e sem qualquer defecção, os 212 postes acenderam suas lâmpadas de uma única vez.

No mais, foi a brilhante consumação de quatro anos de esforço, escuridão e espera. Desde aquela surpresa do caminhão irrompendo na entrada da cidade.

Um lote de homens apinhava-se sobre a carga, na tarde escura de inverno.


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