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A primavera nem havia chegado e eu ainda apreciava o colorido das bandeirinhas e o frescor matinal da chuva madrugosa. Era um...

A primavera nem havia chegado e eu ainda apreciava o colorido das bandeirinhas e o frescor matinal da chuva madrugosa. Era um sorriso balançando estirado em cima de um terraço enfeitado que permanecia pós-festas juninas. Talvez, um sinal da cíclica passagem humana. O calendário a girar meses e retornar com estações e festas, feito um trem de passagem pelas paragens a encantar os passageiros do vagão tempo.

E passavam pelas janelas dos olhos tantas aquarelas. As casas em manchas, o rio e as árvores misturados, os carros mais céleres e aparentemente parados, os chãos em tons flutuantes e quase naufrágios, a cidade em completa transformação. Dos seres uma multicoloração das peles e pelos espalhada pelos recantos que se enroscam, miscigenam-se, agregam-se, encantados.

A memória guarda o ruído ensurdecedor, o cheiro da tinta emanada das entranhas de chapas de ferro, do monstro mecânico com uma estei...

A memória guarda o ruído ensurdecedor, o cheiro da tinta emanada das entranhas de chapas de ferro, do monstro mecânico com uma esteira lateral com os exemplares de papel jornal meio que vomitados de maneira organizada pela rotativa. Estacionada em um espaço grande, a estrutura lembrava a máquina cheia de engrenagens que engoliu Carlitos no clássico “Tempo Modernos” do genial e sempre atual Charles Chaplin.

As castanholas se vestem de um tom vermelho antes de se despirem ao sopro dos ventos de agosto. As folhas entapetam a terra como um abr...

As castanholas se vestem de um tom vermelho antes de se despirem ao sopro dos ventos de agosto. As folhas entapetam a terra como um abraço em meio ao inverno. Orgânico lençol a cobrir e colorir, indistintamente, corpos vegetais e gélidas estruturas de cimento, como um salto de paraquedas sem controle ou alvo definido. Já à noite esfria as superfícies e incendeia a pele com mil sensações e arrepios em tentativas de tradução em livros, filmes, poemas, canções, com vãs interpretações. O entendimento pleno só virá com o experimento, com o toque entre a fria lâmina no pingo da chuva no pescoço desnudo, na mão livre.

Era quase passatempo tamborilar os dedos de forma brincante pelo lápis. Depois de um pensar instantâneo, a mão começava a desenhar...

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Era quase passatempo tamborilar os dedos de forma brincante pelo lápis. Depois de um pensar instantâneo, a mão começava a desenhar no papel os sabores, os cheiros, os desejos, os futuros, a vida, até a morte. Letras, curvas, tinta e papel ganhavam formas imaginariamente definidas. E dali surgiam casas, carros, árvores, mãos, olhos, uma infinidade de pensamentos que soltavam para a superfície do branco mundo.

Os raios do Sol batem úmidos no cimento frio. A escadaria agora está desobstruída, limpa. Já não há mais corpos das folhas das castan...

natureza desperdicio castanhola
Os raios do Sol batem úmidos no cimento frio. A escadaria agora está desobstruída, limpa. Já não há mais corpos das folhas das castanholas ressecados e gélidos em decomposição formando uma barricada pousada nos degraus, compactadas pelas chuvas do inverno. A posição mórbida após soltarem e planarem das copas das árvores durante o outono. Semanas esquecidas, largadas sem verde, grudadas umas às outras num abraço post mortem.

As serras, as estradas, o clima mais ameno, os engenhos, as comidas. A região do Brejo é um encontro com novos conhecimentos, paisagens...

viagem turismo paraiba caminho frio
As serras, as estradas, o clima mais ameno, os engenhos, as comidas. A região do Brejo é um encontro com novos conhecimentos, paisagens, histórias e um descobrir constante da Paraíba.

A vaca é que está certa quando decide ir para o Brejo, desde que seja o da Paraíba. Eu fui várias vezes e se me disserem para ir lá outra vez, eu vou. Em dia de sol, mesmo que esteja nublado, ou até com a chuvinha fria, o Brejo guarda cenários sempre agradáveis.

Telhados disformes, paredes manchadas, uma massa cinzenta sob a chuva contínua e de pingos gélidos de julho, chuva que vai e vem em...

Telhados disformes, paredes manchadas, uma massa cinzenta sob a chuva contínua e de pingos gélidos de julho, chuva que vai e vem em uma sequência imprevisível. Ao longo, árvores intraduzíveis, montanhas escondidas. No inverno, também são feitas belas telas, só que o pintor prefere usar uma paleta de cores de tons pastéis, do branco embaçado, do chumbo poético.

Há 40 anos, o Brasil acordava de ressaca. Eu, ainda na versão menino de 12 anos, assim os 120 milhões de brasileiros à época, despert...

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Há 40 anos, o Brasil acordava de ressaca. Eu, ainda na versão menino de 12 anos, assim os 120 milhões de brasileiros à época, despertavam naquela terça-feira, 6 de julho de 1982, certos de que o dia anterior estava apenas começando. Aquele 3 a 2 inexistia, era inaceitável. Os deuses da bola teriam descoberto algum equívoco e corrigiriam aquele desfecho.

Eu vi o trem partir lotado de música e passageiros dançantes em seus vagões. O apito pedia para que as linhas paralelas de ferro perman...

cronica trem trilhos estacao
Eu vi o trem partir lotado de música e passageiros dançantes em seus vagões. O apito pedia para que as linhas paralelas de ferro permanecessem desimpedidas. E lentamente a serpente mecânica ganhava velocidade e se apequenava na curva adiante. Do ponto de partida, a estação ficou cheia de vazios, a plataforma antes apinhada agora era um espaço adormecido. E, ainda assim, possuía o ar cheio de memórias dos que já partiram para as feiras, as barcas, a vida.

O relógio em seu tic-tac perceptível das horas escuras da madrugada se faz presente. Dialoga com o silêncio das coisas inanimadas que g...

tempo vida silencio
O relógio em seu tic-tac perceptível das horas escuras da madrugada se faz presente. Dialoga com o silêncio das coisas inanimadas que ganham vida durante o dia. À noite, o relógio marcha incontrolavelmente enquanto a corda lhe estira a vida, a pilha lhe conceder energia. Tic-tac que traz a névoa matutina, que levanta o Sol feito uma corda esticada até o outro lado do mundo e que libera o aparecimento da irmã Lua rasgando o mar e as nuvens. Tempo a desvendar o imperturbável andar da vida.

A luz piscava sobre uma mesa velha, rodeada de cadeiras vazias e geladas pela penumbra de uma noite chuvosa. Parecia um terraço, um am...

junho inverno chuva cronica literatura paraibana
A luz piscava sobre uma mesa velha, rodeada de cadeiras vazias e geladas pela penumbra de uma noite chuvosa. Parecia um terraço, um amontoado de espaço, com coqueiros próximos a balançar embalados pela música da ventania. Ali perto, faróis refletiam os pingos decaídos dos céus, em cíclica renovação. A previsão é que serão muitos mais, milhares, milhões, incontáveis, nas próximas horas. Meteorologicamente falando, era vermelho o alerta, realisticamente percebendo, eram perigos e poesias se aproximando.. Junto abraçava a temporada, eu abraçava junho.

As palavras têm força. Feito uma nau numa tempestade elas balançam, equilibram-se entre as vagas. Engolidas ou vomitadas, elas fazem mal; ...

As palavras têm força. Feito uma nau numa tempestade elas balançam, equilibram-se entre as vagas. Engolidas ou vomitadas, elas fazem mal; soltas aleatoriamente, sem sentido, sem efeito retornarão; ditas na dose correta, tornam-se um prato saboroso, uma iguaria que alimenta a alma e o corpo. É como o giro do disco na vitrola. A suave música embriaga, ponteia a estrada, mas não mata. A canção faz uma pausa ao término do lado, A ou B, dentro ou fora, silêncio.

Cavalos de duas rodas apressados avançam em fila indiana pelo desfiladeiro de asfalto, espremidos pelos carros e ônibus. Todos ...

transito congestionamento vida angustia urbana
Cavalos de duas rodas apressados avançam em fila indiana pelo desfiladeiro de asfalto, espremidos pelos carros e ônibus. Todos são mais devagar que a vida, não importa. Aliás, certamente muitos estão parados mesmo à velocidade de 50, 100, 150 quilômetros por hora. Presos à pressa, perdem o sentido, cegam.

Ao contrário, a criança tira proveito de cada segundo veloz que vivencia. Insistem em manter diálogos enriquecedores com os pássaros, os gatos, os cães ou com o amigo imaginário. Por enquanto, não são tragadas pela ilusão de domar o mundo, ainda não se transformaram em fezes da existência.

As calçadas engarrafadas parecem que nunca terminam em dias de meio de semana. Pernas, placas, carros, passos aglomeram-se, esbarram-se...

As calçadas engarrafadas parecem que nunca terminam em dias de meio de semana. Pernas, placas, carros, passos aglomeram-se, esbarram-se, confrontam-se, esticam-se, atraem-se e desconectam-se a todo momento. São microencontros pela cidade a perder-se sem sentidos em manhãs e tardes quentes. São desencontros à procura do que nem sabe ao certo em noites de temperatura amena.

A necessária prova do café e do vinho. Os amargores diferenes na mesma boca. Um beijo rubro, vermelho, indomável. A alternância da língua...

cafe vinho solidao amargura reflexao clovis roberto
A necessária prova do café e do vinho. Os amargores diferenes na mesma boca. Um beijo rubro, vermelho, indomável. A alternância da língua a experimentar sabores, amores, odores. Daqui é possível ver tudo, talvez não compreender um mundo, mas mundos. O copo pela metade da negritude inebriante da alma, a taça meio cheia da embriaguez do corpo. Feito sol no Sertão a desfalecer verdades, construir sonoridades ao pé do ouvido, erguer brindes.

      A árvore fantasma Agarrada só aos galhos do que já foi não é nem sombra desfolhou-se, desnudou-se dos frutos perdeu-se das ...

poesia paraibana simbolismo clovis roberto
 
 
 
A árvore fantasma
Agarrada só aos galhos do que já foi não é nem sombra desfolhou-se, desnudou-se dos frutos perdeu-se das folhas, tiraram-lhe a fantasia reduzida a ser espectro, fantasma sem assombro reflexo da morte, que ainda guarda poesia faz pose para uma foto, mas sem sorriso a árvore adoecida, já não adocicada suspensa pelo tronco teimoso sustento do inerte esqueleto pobre planta destituída

A nuvem sai do vermelho abrasivo e paira no ar a partir da madeira negra transformada pelo fogo. Pequenas labaredas que ameaçam explodir ...

A nuvem sai do vermelho abrasivo e paira no ar a partir da madeira negra transformada pelo fogo. Pequenas labaredas que ameaçam explodir a qualquer momento estrelam ferozmente. O som assemelha-se ao do partir de um graveto, mas é a força do calor violento do carvão. O pedaço de madeira transformado em combustível canta para o preparo do alimento.

Embarque no trem numa manhã qualquer e siga... A composição vazia segue tranquilamente serpenteando o caminho feito uma centopeia de pés...

trem bucolismo viagem despedida
Embarque no trem numa manhã qualquer e siga... A composição vazia segue tranquilamente serpenteando o caminho feito uma centopeia de pés de ferro. Parte da cidade se abre para os olhos curiosos dentro dos vagões. A maioria dos poucos passageiros espalhados percebe os quadros pincelados com o avanço da composição. Destino Cabedelo, sentido Santa Rita... Tanto faz. Olhe diferente para o trem.

Os rabiscos do lápis comum de ponta afiada aparada com gilete feitos num cantinho da folha em branco parecem ganhar vida, movimentos anima...

nostalgia parahyba norte joao pessoa
Os rabiscos do lápis comum de ponta afiada aparada com gilete feitos num cantinho da folha em branco parecem ganhar vida, movimentos animados. O olho reconstitui um retrato mal falado da rua, das flores, dos presentes de hoje, de ontem e até de amanhã. A cabeça gira, se afasta, retorna recapturada pela música que toca baixa, mas que alcança a altura do espírito viajante.

Desde pequeno eu monto uma espécie de um álbum de figurinhas da cidade. Um catálogo individual, de valor único para o ser eu. É uma coleçã...

nostalgia paraiba capital arquitetura
Desde pequeno eu monto uma espécie de um álbum de figurinhas da cidade. Um catálogo individual, de valor único para o ser eu. É uma coleção de imagens, coisas, momentos e sensações existentes e provocadas pela cidade. Um acervo que cresce e se renova. Do som do alto-falante do parque de diversão armado na lateral do mercado público no Castelo Branco, com suas velhas, inseguras e, ao mesmo tempo, geniais canoas; assim como as sementes vermelhas de casca dura enfeitando calçadas da Avenida Epitácio Pessoa durante desfiles de 7 de setembro em épocas nebulosas.