Participamos, no ano passado, de um cine-jantar no restaurante Casa Roccia , organizado pelo crítico de cinema Andrés Von Der Sauer. Os seu...

Banquete no meio do mato

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Participamos, no ano passado, de um cine-jantar no restaurante Casa Roccia, organizado pelo crítico de cinema Andrés Von Der Sauer. Os seus eventos, além de proporcionar agradáveis encontros entre pessoas que são amantes da Sétima Arte, têm como pièce de résistance, prato principal, o debate de alto nível por ele promovido após a sessão. Suas análises de cinema são ricas em detalhes e permeadas do humor que lhe é peculiar.

Naquela noite, assistimos ao filme francês "Vatel, um Banquete para o Rei" (2000, Roland Joffé), com o qual ficamos profundamente impressionados. A película conta a história, verdadeira, da recepção oferecida pelo conde de Chantilly ao rei Luis XIV, da França. O conde estava quebrado e precisava muito agradar o rei e convencê-lo a abrir os cofres para salvar seu condado. Conseguiu, então, que Sua Majestade aceitasse o convite para um jantar. Mas não um simples jantar.


“Ô” banquete, como vocês verão se assistirem ao filme. Não é apenas um jantar gordo. É uma série de refeições em forma de obras de artes, entremeadas com danças, balé, circo, drama, comédia, tudo sequenciado para o deleite do rei e de sua comitiva.

Paralelo a isso, corre a história do autor da cerimônia: François Vatel, chef francês que já tinha sido da corte, mas caiu em desgraça, fugindo da França para a Inglaterra. Anos depois volta à França, sendo acolhido pelo conde de Chantilly.

O filme é deslumbrante, rico em fotografia, atuação e direção, posteriormente comentado por Andrés. O debate foi, realmente, uma “deliciosa sobremesa!”

Mas nem todo banquete se reveste de tanto luxo quanto o do conde de Chantilly. É possível termos o mesmo prazer com muito menos. Depende das circunstâncias.


Ao ser admitido no curso ginasial do Colégio Pio X, como já disse certa vez, ingressei numa nova realidade social e psicológica: fui promovido a rapaz!

Lá, fiz amizades com muitos colegas, cabeças as mais diferentes possíveis. Uma das mais duradouras das amizades foi com Fernando Furtado Filho, o Nino.

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Ele mudou-se para o bairro Tambiá, perto da nossa casa. Sua grande família, composta por pessoas maravilhosas, exerceu boa influencia à minha vida: Dr. Fernando Furtado, Dona Mirtes, Paulo Germano, Solange, Suely, Simone, Silvana e o próprio Nino. Com eles vivi momentos inesquecíveis.

Dr. Fernando era um exímio profissional; excelente pai de família e esposo; pessoa simples; sempre bem humorado, gostava de conversar conosco. Dava atenção à meninada.

Dona Mirtes é uma dama: bonita, elegante, excelente companheira, mãe e filha, que foi. Sempre carinhosa com as irmãs e com toda a família. Assim como o esposo, era muito atenciosa para com as amizades dos seus filhos. Hoje, ela estende todo o seu amor para os netos.

Andamos uns cinco quilômetros, parando aqui e ali para descansar, quando de repente a fome começou a apertar.
Um dos cenários mais comuns das nossas aventuras foi o sítio Alagoinha, do Dr. Fernando, na localidade de Gramame, que dista cerca de 15 quilômetros do centro da capital paraibana.

Todas as manhãs de sábados ele ia até o sítio: fazer pagamentos, levar farelo para as vacas, milho para as galinhas. Voltava com a carroceria da caminhonete repleta de frutas. E nós íamos com ele: Fernando, eu e Tóia, a inseparável cadela peluda do patriarca.

Lá, havia tudo o que menino gosta de fazer: roça, dar comida ao gado, campo para peladas, uma piscina improvisada, mata e, principalmente, o banho de água doce! O sítio ficava às margens do rio Gramame.

Embora nossas mães nos proibissem de nadar no rio, não pensávamos em outra coisa quando íamos para lá, desafiando os caramujos da schistosoma.

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Num desses sábados fizemos uma jangada precária, com troncos de bananeiras, e fomos navegar. O rio era raso, de modo que, em alguns trechos, a jangada encalhava. Tínhamos, então, que descer e empurrar, enquanto Toia latia na margem. Nesse dia, ficamos entretidos nisso toda a manhã, e entramos pela tarde.

Foi só quando a jangada se desmanchou que nos demos conta do tempo e corremos de volta para a sede do sítio. Quebramos a cara. Cadê a caminhonete? Para onde foi Dr. Fernando? O administrador nos disse que ele nos procurou, buzinou e foi embora.

E agora? Decidimos voltar a pé para casa. Quilômetros! Mas era o jeito. Partimos, com Toia nos acompanhando.

Andamos uns cinco quilômetros, parando aqui e ali para descansar, quando de repente a fome começou a apertar. Mato de um lado, mato do outro, nenhuma árvore frutífera e a fome aumentando. Eu já não pensava em outra coisa senão em comer. Qualquer coisa!

Um pouco mais adiante encontramos uma casa com uma modesta vendinha ao lado. Tarde avançada, não havia mais o que servir. Insistimos e o dono nos ofereceu o que restava: sardinha com cuscuz! Abriu duas latas e comemos com o cuscuz seco. Dividimos tudo com Toia. Que delícia! A sensação era de que estava comendo salmão com um risoto bem gostoso, com creme de leite.

Para a nossa surpresa, mal terminamos e andamos um pouco, vimos a caminhonete verde-claro se aproximando: Dr. Fernando veio nos buscar!

Relembrando tudo isso, sinto que o nosso almoço inusitado foi tão gostoso quanto o banquete de Vatel. Tanto que até hoje não esqueci o sabor. E fiquei fã da sardinha.

Só não com cuscuz seco!


José Mário Espínola é médico e escritor

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