A fotografia de José Américo de Almeida sentado na cadeira de balanço no terraço de sua casa na Praia do Cabo Branco, com a mão no queixo c...

A aragem de descanso

ambiente de leitura carlos romero cronica conto poesia narrativa pauta cultural literatura paraibana jose nunes gonzaga rodrigues historia paraiba
A fotografia de José Américo de Almeida sentado na cadeira de balanço no terraço de sua casa na Praia do Cabo Branco, com a mão no queixo contemplando o mar, impressiona porque se supõe que esteja com o pensamento voltado para a Areia do seu tempo de criança. Assim como ele, nós repetimos esse gesto de olhar ao largo horizonte quando nos debruçamos na janela para olhar a paisagem guardada na memória. Tem sido assim com Gonzaga Rodrigues que ancorou nesta cidade há quase setenta anos, repetidas vezes nas crônicas expressando a saudade de sua Alagoa Nova, como numa fotografia que nunca desbota.

ambiente de leitura carlos romero cronica conto poesia narrativa pauta cultural literatura paraibana jose nunes gonzaga rodrigues historia paraiba
José Américo FGV
A arte tem a vantagem de nos conduzir aos mistérios gerados pelo fardo de sentimentos guardados no recanto da memória. A fotografia e a Poesia nos levam a recolher no nosso espírito as visões guardadas por todo o tempo, como impelidos do mundo de onde viemos, preenchendo o écran com certas palavras.

Escuto o pulsar frenético do meu coração ao tentar desvincular Serraria das paisagens que vejo no amanhecer de cada dia durante as cinco décadas como morador desta cidade, e montei a fotografia na memória. Ouço as vozes da infância, assim como José Américo, igual a Gonzaga e tantos outros que se deixaram conduzir pelas imagens recolhidas em tempos remotos. Chego à janela para o olhar prolongado e a tênue silhueta do Sol madrugador sobre as folhas do cajueiro do nosso quintal, lembrando o alvorecer dos dias que Tapuio proporcionou-me observar.

O olhar místico do morador do Cabo Branco, sentado na cadeira de balanço, mão no queixo e olhar ao largo, escutando a zoada do mar e sentindo o águo das ondas na gama do quintal, parece um olhar voltado para as antigas paisagens do Brejo de Areia com os mistérios que se alargam na imensidão do mar à sua frente. Durante quase sete décadas, Gonzaga também fixou na mente muitas paisagens desta cidade, sem nunca esquecer a Alagoa Nova da meninice, que são sempre recordadas em crônicas e textos poéticos. Testemunhei quando, retornando ao lugar mais de oito décadas depois, sentando à sombra da jaqueira que muito lhe serviu frutos e brisa, encheu-se de recordações e saudades.

ambiente de leitura carlos romero cronica conto poesia narrativa pauta cultural literatura paraibana jose nunes gonzaga rodrigues historia paraiba
Gonzaga Rodrigues acervo FB
Revendo os poemas e crônicas de José Américo e de Gonzaga que falam desta cidade de Filipéia de Nossa Senhora das Neves, um tanto saudosistas, estes nos levam a um passeio pelas antigas paisagens urbanas do século passado, ou uma volta a Areia e a Alagoa Nova que estão distantes na memória deles. Os dois e eu, na pequenez de minha Literatura, com as recordações das paisagens de nossos lugares, cada um ao seu tempo e visões – venho de Serraria, José Américo de Areia e Gonzaga Rodrigues de Alagoa Nova -, tentamos registrar o que a terra ajudou a vingar em nós.

Por mais que nossos olhares estejam fixos nesta cidade, como fitaram o autor de “A Bagaceira” e o cronista de “Notas do meu lugar”, são para as encostas das serras e os banguês do Brejo, recantos onde nascemos, que a nossa visão se volta no entardecer da vida de cada um.

Ainda remanchando para abeirar-se ao cume da arte, tentando chegar ao estágio que ambos conterrâneos conquistaram, porque meu caminhar é lento, recordo o que Guimarães Rosa falou, no “Grande Sertão: Veredas”, de que “a gente, na velhice, carece de ter sua aragem de descanso”.

José Nunes é poeta, escritor e membro do IHGP

COMENTE, VIA FACEBOOK
COMENTE, VIA GOOGLE

leia também