A moda das comemorações de aniversários natalícios, segundo o livro The Lore of Birthdays, dos antropólogos americanos Ralph e Adelin Lint...

A última lua

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A moda das comemorações de aniversários natalícios, segundo o livro The Lore of Birthdays, dos antropólogos americanos Ralph e Adelin Linton, vem do Egito e da Grécia, por volta de 3000 a.C.

Esses costumes foram adotados, restringindo-os somente aos aniversários dos faraós e deuses, considerados seres superiores.

Com o tempo, o hábito foi se estendendo aos chamados mortais, abrangendo os romanos, que davam o privilégio ao imperador, à sua família e aos senadores. No entanto, nos primórdios do cristianismo, o costume foi abolido
por causa das suas origens pagãs. Só no século IV é que a Igreja começou a celebrar o nascimento de Cristo, o tão festejado Natal comemorado pelos cristãos.

Esse hábito acabou por chegar à Alemanha, na Idade Média, onde os camponeses festejavam os aniversários dos seus filhos com um bolo, cujas velas tinham número idêntico à idade da criança e mais uma vela que simbolizava a luz da vida.

Para melhor percebermos a importância dos aniversários natalícios, devemos compreender que, na Idade Média, as pessoas tinham uma crença profunda na existência de espíritos bons e espíritos maus. Todos receavam que esses espíritos maus causassem mal ao aniversariante no seu dia de nascimento, pelo que ele ficava rodeado pela família e pelos amigos, cujos votos de felicidade e sua própria presença, protegê-lo-iam contra os perigos desconhecidos que esse dia supostamente poderia afetar.

As oferendas de presentes resultavam numa proteção mais forte e, quando acompanhada por uma refeição em conjunto, ajudavam a invocar a presença dos espíritos iluminados, evidentemente, protetores do aniversariante.

Portanto, creio eu que, nesses tempos, a festa de aniversário natalício destinava-se essencialmente a proteger a pessoa do mal e a tentar garantir que tivesse um bons 365 dias à sua frente. Mas, com as práticas do modernismo modernoso, que tudo avassala e ainda é ironicamente nominado como promissor e nunca como promíscuo, esses ritos foram mudando, principalmente no Ocidente, onde não há mais aquela preocupação, em aniversários, de invocar espíritos bons, tampouco afastar os espíritos maus do ambiente festivo.

E, de repente, aniversário passou a ser, simplesmente, uma festa, um dia de comemorar-se a felicidade e a alegria na presença de pessoas da família e convidados. A meu ver, é uma mistura de hoje com um pouco dos costumes das tradições antigas, mesmo que quase imperceptivelmente.

A prova, eu vou lhes contar através da narração de um aniversário a que fui há alguns anos, quando os bons espíritos ausentes repassaram todos os convites para espíritos agitadíssimos e, provavelmente, “maus”,
que superlotaram a “bendita” casa da comemoração natalícia de Robertinho, uma criança de apenas nove anos de idade.

O bolo do aniversariante era um sólido e expressivo Forte Militar: cavalos brancos, índios caídos no chão, soldados bem armados, figuravam naquele titânico lugar de combate.

Da porta do quarto, via-se a cama do aniversariante carregada de tanques de guerra, armas de fogo de alto calibre, espadas e um caminhão do Corpo de Bombeiros pronto para apagar qualquer fogo eventual; um fusquinha preto com emblema da Polícia Militar e um avião Mirage, também engalanado, festivamente aterrissado sobre a cama do aniversariante.

No terraço, o assunto era de paz. Eu, trazido incólume lá dos tempos castos de minha infância, fiquei brincando comigo mesmo, lembrando os meus bois de barro agora sem cercados, esvaecidos e sem pastos; dos meus caminhões que eu fazia de restos de madeira todos já retirados de linha; do meu “mané-magro” que, de tão enfraquecido e desajeitado, de um solavanco virou para um lado e desapareceu no tempo. E lá me fui brincando com latinhas de sardinha que eu mesmo emendava, uma na outra, para fazer trilhar o meu trem da alegria. Os meus brinquedos, aqueles não desencadeavam tão malévolos efeitos nem algum prenúncio de espíritos do mau.


Enquanto isso, no bolo, os apaches ardiam deitados ao lado dos seus cavalos. Reverberavam em seus silêncios um gemido indígena. Da boca, não menos que súplicas a Tupã, enrijeciam o doce chão do bolo. Mas ninguém os entendia. Em volta, um ritual de festa.

Em meu lugar, respirei fundo. Meninos invadiam o ambiente, corriam e gritavam, empunhando armas de brinquedo, esgrimindo da boca furiosa os tiros de festim de espoletas de papel.

Com um tempinho, apareceu por lá a fantasmagórica e agitada figura do Zorro, exibindo todos os seus disfarces e insígnias.

As “bolas de sopro” continuavam em seus lugares, esperavam pelos seus donos e, dependuradas em cordões, balançavam mansamente. O cheiro dos petiscos, vinha depressa da cozinha, quando, de repente, se ouviram agudos, os gritos desesperados de uma criança:

— Mamãe, mamãe, o Serginho me matou, ó!

— Então, mate-o também, meu filho, reagiu a mãe severamente.

A criança, que mal acabara de prestar queixas de sua própria morte, avançou para o seu inimigo confeccionado naquela tarde, fazendo gestos de ira, de ódio e de vingança. Sacou de sua arma de material plástico e vingou-se, acionando quatro tiros que saíram mais do seu coração do que dos gritos curtos e graves que esgrimiram de sua boca.

Alguém puxou o clássico de M.J.Hill, na versão brasileira da poetisa Bertha Celeste Homem de Melo (1942), e começaram todos a entoar: “Parabéns pra você / nesta data querida...”

Todos cantaram, exceto uma criança de cinco anos de idade. Inerte, qual manequim de vitrine, ficou olhando intimamente para o bolo. Que pranto dele, meu Deus, ao sentir que aqueles apaches estavam esparramados no chão, sob a luz da sua última lua!!! Os olhos, dardejando, fitavam os índios baleados, caídos no chão do açúcar do bolo. As velas pareciam arder menos que as pupilas dos seus olhos, ausentes dos “brilhos” da festa.

Com pouco, a tarde começou a se retirar devagarinho, puxada pela noite num gesto compassivo e consolador, contemplando os atos para quem quisesse levar para casa – caminhos pelos quais o homem nasce, anda e cresce, carregado de ansiedade de matar.

As “bolas de sopro”, que mansamente balançavam num cordão, espocavam nas mãos inquietas, sequenciando sustos inevitáveis. Vi-as como aviso prévio dos breves dias que virão, esses que lamentavelmente haveremos de amargar no mundo, apesar do açúcar e dos “doces sabores” das festinhas de aniversário que a gente nunca esquece.

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