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As coisas próximas

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Um dia Antonio Carlos Villaça estava mostrando a alguém a sacristia do Mosteliteratura paraibana cronica mosteiro sao bento indiferenca auto ajudairo de São Bento do Rio de Janeiro. Trata-se de uma sacristia muito bonita, comprida, com paredes de azulejos antigos, um lugar muito especial, cheio de história e arte. Observou, no entanto, que a dita pessoa tudo olhava distraída, como se não estivesse verdadeiramente vendo o que lhe era mostrado. Villaça então se perguntou: “Por que os seres não prestam atenção às coisas que lhes estão próximas? Cismam sempre com outras, distantes. E isto me intriga”.

Pois é, a mim também. O leitor certamente sabe do que se está falando; já vivenciou o indisfarçado desligamento de algum interlocutor a quem falava ou apresentava algo,
com a nítida sensação de que perdia o tempo. Acontece muito.

As pessoas, de modo geral, não são propriamente distraídas: são desatentas. Ou seja, vivem o cotidiano de maneira tão sôfrega – e não raro tão frívola – que não se detêm para uma serena e plena fruição do instante. É como se não tivessem tempo – nem interesse – para o agora e o que está à vista, como se estivessem sempre em trânsito, frequentadores permanentes de um eterno aeroporto existencial.

Relativamente às coisas materiais propriamente ditas, aos objetos que nos rodeiam no dia a dia, no trabalho, em casa, em qualquer lugar, uma pintura, uma foto, por exemplo, quantas vezes não passamos ao largo, sem observá-los de fato, sem vê-los de verdade, sem parar um minuto para apreciá-los com olhos de enxergar, valorizando sua eventual beleza, lembrando sua história, quando é o caso. Ocorre-me logo pensar em turistas apressados nos museus, correndo o olhar negligente sobre tantas coisas ao mesmo tempo, que mal podem afirmar, ao final do passeio, que viram realmente algo de concreto e de determinado. Nessa linha, não é outro o motivo de esquecermos quase tudo, mormente os detalhes, sobre as viagens em que conhecemos muitos lugares em pouco tempo, tipo a Europa em vinte e um dias.

E assim também com as pessoas. Os nossos próximos, os que encontramos todo dia ou com frequência. Como negligenciamos esses seres do nosso cotidiano, quase sempre os mais importantes de nossa vida. Há um ditado que diz que a intimidade gera o desprezo,
ou seja, a indiferença. E é verdade, infelizmente. Para os que lidam diariamente com o Papa ou a rainha da Inglaterra, eles não têm nada demais, são pessoas como outra qualquer. E aí é que mora o perigo do desinteresse.

Realmente é preciso cultivar-se mais – e melhor – as coisas e as pessoas que nos rodeiam. Olhá-las e contemplá-las com mais atenção, para nelas identificar e descobrir – quando é o caso – seus tesouros insuspeitados. Não é fácil, sei, mas é preciso aprender a olhar e ver o que e quem está diante de nós, nossos próximos. Porque quando já for tarde demais para isso, não adiantará lamentar, o que normalmente ocorre, para nosso inútil pesar.

Um pequeno exemplo: você escolhe um vinho especial ou um livro com todo carinho para presentear um(a) amigo(a). A ocasião não é uma festa com muita gente, onde a displicência do(a) outro(a) poderia até se justificar. Não. É um almoço ou jantar só com vocês dois ou, no máximo, uma ou duas pessoas a mais. Nada está dispersando a atenção desse(a) amigo(a) a quem você quer homenagear. Você chega, abraça-o(a) e lhe entrega a lembrança. Ele(a) a recebe, abre a embalagem, olha rapidamente a garrafa ou o volume, agradece, coloca de lado e não faz nenhum comentário sobre sua carinhosa escolha, como se não visse ali nada de singular. É ou não é uma decepção para você, que vê seu mimo relegado à mais completa desimportância? Esse(a) amigo(a) é certamente um(a) daqueles(as) que olham sem ver e veem sem enxergar.

Mas voltando ao Villaça do primeiro parágrafo. Fosse ele também um desatento, não teria percebido o olhar ligeiro e descuidado daquele ou daquela a quem mostrava as riquezas da sacristia abacial; não teria ele registrado o descuido porcino daquele ou daquela a quem jogava pérolas inutilmente.

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