Ele adoeceu, recolheu-se por meses e não o visitei. Achei melhor assim. Nascemos no mesmo ano e a dois meses da data completa. Curtíamos e...

Juarez Farias

Ele adoeceu, recolheu-se por meses e não o visitei. Achei melhor assim. Nascemos no mesmo ano e a dois meses da data completa. Curtíamos essa bolha de nível entre outras relevâncias da nossa amizade. Não estudamos na mesma classe ginasial, mas num intervalo de recreio, como eu pasmasse ante a destreza da sobrinha do padre diretor no teclado da Remington, vem Zé Campos e me diz: se estás teso por causa da moça, tudo bem, mas se for pela corrida no teclado é melhor ver o galego de Cabaceiras. Faz fila na janela do cartório.

Entrei nessa fila em 1947, acompanhando, muitas vezes de longe, outras de mais perto, o voo migrante e pleno dos que empinavam asas no ar campinense de céu limpo e sem limite de horizonte para os que surgem com alguma vocação, seja batendo bigorna ou em máquina de escrever.

Juarez foi com eles pelas vias iniciais do Banco do Nordeste, plataforma que se antecipou à Sudene em estudar economicamente a região. E perdi de vista o Galego. Quando dei por ele, descia a escada do avião que trazia Juscelino e Celso Furtado para sacramentarem a Sudene no palco do Santa Isabel. Eu de repórter, sem gravador, afanando o discurso do homem através do fotógrafo Rafael Mororó.

Tudo aquilo, para mim, era uma mitologia. Da geração, os que se formaram, economistas, advogados, engenheiros torceram o caminho para ingressar nos quadros míticos do órgão revolucionário. Juarez no meio, ou melhor, na linha de frente ao lado do demiurgo.

E sucede o que todos sabem, Juarez a tiracolo de João Agripino para o desafio centenário da estrada central integrada à do Brejo, aos serviços básicos de infraestrutura em demanda do desenvolvimento, do turismo despontado com o Hotel Tambaú, da grande lei ambiental de respeito à orla atlântica, terminando com Juarez, ele próprio no governo. Vai para o BNH, sai, e vou encontrá-lo num banco dos grandes de São Paulo. Vem Ronaldo Cunha Lima, adolescente ao tempo em que Juarez liderava com Noaldo o Centro Estudantal Campinense, e, no governo, vinte anos depois, o poeta o traz de volta à Paraíba, segurando-o no Tribunal de Contas. Ato amigo, ato político?

Amigo, sim, inspirado num mote interior de afinidades vocacionais. O sentimento de Juarez, sua queda pela expressão ou manifestação do espírito correu a reboque de todos os grandes postos alcançado de forma voluntária. Pegou o avião sem perder de vista a areia enluarada dos primitivos caminhos nem o bordão seguro das cantorias de Cabaceiras ou, noutro extremo, a Macondo de Gabriel García Márquez. Eram do reino da lua as nossas conversas. Nunca me falou de PIB, de projeções ou deflações; ele me considerava.

Quando lançamos, pela Academia, a reedição do EU de Augusto tal qual a completada por Órris Soares, encontrei Juarez na sala do nosso chá, ele sozinho ali, recebendo a carícia iluminada do vento da manhã.

Apoiava o rosto na mão soerguida e tirou os olhos do livro para me perguntar de quem a escolha da estância que dá sentido ao livro todo e ao próprio poeta. Pergunta de quem intuía muito além dos planos e projetos que passara a vida fazendo e gestando. “De quem poderia ser (?) de Ângela”.

Com pequeno salto, eis a estrofe da pergunta:

“Somente a Arte, esculpindo a humana mágoa, Abranda as rochas rígidas, torna água Todo o fogo telúrico profundo E reduz (...) À condição de uma planície alegre, Aspereza orográfica do mundo!”

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