Filhos, ora os filhos. Levei muito a sério aquela premissa do “crescei-vos e multiplicai-vos”. Sete! Pelo menos pela contabilidade oficial...

A orquídea de Ariadne

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Filhos, ora os filhos. Levei muito a sério aquela premissa do “crescei-vos e multiplicai-vos”. Sete! Pelo menos pela contabilidade oficial e não creio ter ocorrido por conta do acaso alguma adição a esta estatística. Doloroso é que eles crescem e quando percebemos não estão mais conosco. Algumas vezes bem longe. Filhos são desse jeito mesmo, vão emplumado as asas e quando menos esperamos alçam vôos de fazer inveja a aves migratórias. Tive uma avezinha que foi parar em Pequim. Isso ali mesmo na terra dos olhos puxados.
Outros andaram perambulando pelos sete mares. Restou-me a caçula às voltas com um curso de engenharia e já ameaçando decolar quando puser a mão no diploma. Fui assim, os meus são assim. Tivesse menos filhos, teria eu menos saudade? Será? Saudade não se divide, pode no máximo se espalhar em compartimentos e modalidades: a saudade desse, daquele outro e por aí vai. Mas quando se juntam...

Sendo assim, não é de se admirar que essa danada, quando me contamina se multiplique por sete. Dolorida sempre e fatidicamente irreparável. Quando vou visitando esses compartimentos, a mais perversa das saudades é a do filho que partiu para aquela viagem sem retorno. É uma enfermidade sem remédio, sem cura. É o abraço que não daremos mais, o beijo que ficou perdido nos lábios. É então, que as lágrimas vêm, mesmo que discretas, para nos acudir quando essas recordações nos maltratam. São penosas demais.

A saudade é uma guerrilheira sempre de tocaia. Basta um descuido, uma distração, uma gaveta que abrimos, ou quando encontramos casualmente uma fotografia entre as páginas de um livro. Então ela nos ataca sem piedade. Caí, dias atrás, numa dessas emboscadas. Uma delicada armadilha no quintal de minha casa estava à minha espreita. E o que era?

Agarrada a uma árvore a orquídea que Ariadne me deixou quando levou o marido e Miguelito, meu neto, lá para as latitudes de cima. Não creio que por aqueles cantos do mundo a neve permita florescer uma orquídea. Nem sei se existem por lá.
Mas aqui não, basta um trato adequado e lá vão elas exibindo suas inflorescências. A do meu jardim, se as consultas não estão equivocadas, é um espécime hibrido de uma tal de “Phalaenopsis”. Linda! Foi abrindo suas flores no início de nossa estação das águas e ainda está lá exibindo viço e encantos.

Abandonei a nomenclatura científica e chamo de “Orquídea de Ariadne” aquele exemplar do meu jardim que abre uma das sete gavetas das minhas maiores saudades. Saudade de Ariadne. Escolhi o nome da menina lá na mitologia. Era o nome da filha de Minos, a bela jovem que dera uma espada e um novelo de lã para que Teseu pudesse entrar por um labirinto e matar o terrível Minotauro, com a promessa dele que depois do feito este a desposaria.

Consta a lenda que Teseu a abandonou. Mas Dionísio, o deus do vinho, dos prazeres e da luxúria a desposaria mais tarde e quando Ariadne deixou a vida o esposo-deus, em homenagem a ela, atirou aos céus uma coroa cravejada de pedras preciosas que se transformaria em uma constelação.

Já minha Ariadne é uma estrela solitária que só pode ser vista no hemisfério norte ou por aqui agarrada a uma árvore do meu quintal quando faz-se ver em forma de orquídea, uma singela arapuca capaz de me fazer abrir um daqueles sete compartimentos abarrotados com minhas saudades.


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