Cheguei para morar nesta cidade banhada pelo mar, sem sair do meu cantinho de terra. Há 50 anos, precisamente no dia 27 de junho de 1971,...

Aqui andava como um camponês

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Cheguei para morar nesta cidade banhada pelo mar, sem sair do meu cantinho de terra. Há 50 anos, precisamente no dia 27 de junho de 1971, contemplei pela primeira vez a paisagem do lugar, minha aragem de repouso. Durante muitos anos aqui andei como um camponês, taciturno, silencioso, convivendo com pessoas somíticas e espertas, mas sem saber porque, encontrei quem me estendeu a mão.

Na madrugada com neblina, despedi-me de mamãe num abraço esperançoso, sem olhar meus irmãos que dormiam. Duas parelhas de roupas numa sacola de pano, o coração aos prantos, o olhar silencioso ao que estava deixando. Não olhei para trás porque mamãe chorava.

Deixava as noites mal dormidas e os dias longos. Era madrugada. O ônibus vagaroso parava a todo instante.

Olhava pela janela do ônibus, deslumbrava-me com a alba sobre as serras de Areia cobertas de névoas, normais à época, sem tirar a vista do sol remansoso surgindo reluzente à frente. Silencioso e ansioso, perguntava-me por que demorava chegar à cidade, meu novo espojadouro.

Cheguei para morar na Capital da Paraíba, no mês de junho de 1971, lugar que transformei em morada de sonhos e refúgio de devaneios. Naquela época, as casas se aproximavam de mim como querendo me engolir e o vento tecia meu novo destino.

A cidade se tornou albergue para meu descanso, depois da paciente e longa viagem até os dezesseis anos enquanto morando em Serraria e Arara, tempo da adubação da terra e da plantação de sementes que cresceram depois com o águo.

Quando cheguei aqui, esta cidade tinha árvores frutíferas e aromatizantes em abundância, casas de largos quintais com flores, a noite espalhava brisa pelas ruas quase desertas.

Moradores recolhiam os últimos suspiros de uma cidade que estava sendo tomada pelo espanto e o medo. Sentávamos nas praças à noite em conversas amenas, e os bares nos conheciam.

Andava lentamente pelas calçadas para observar os jardins, sentir o aroma das roseiras e dos jasmins que lembravam a paisagem rústica de minha terra. Frequentava as feiras livres para não esquecer o rosto dos agricultores que havia deixado em Serraria e Arara.

Mais que de repente, a cidade deixou de nos pertencer. As casas perderam o encanto e se tornaram melancólicas, com aspectos soturnos e tristes. Onde havia palacetes de janelas abertas e sorrisos na calçada, surgiram fantasmas cobertos de lodo e tristeza.

Antes era a cidade com jardins sempre em floração, perfumada pela flor-de-paraíso, buquê-de-noiva, manjericões, plantas ornamentais de muitas espécies e trepadeiras. Aspergida pela brisa do rio Sanhauá e do mar, a cidade transformou-se em esqueletos de marquises.

A cidade era iluminada pela luz da lua, o verde estava nos quintais e praças. Olhando-a com olhos atentos, ter-se-ia uma paisagem que parecia uma floresta. As praças e jardins infestados de begônias, roseiras, acácia ferrinha, fruteiras diversas espécies e flamboyants davam o tom urbano-rural e ameno que deixavam a todos, sobretudo os turistas, de olhos arregalados por causa da esplendorosa paisagem verde.

Sem deslocar-se para longe, deparava-me com manacá, pau-ferro, embaúba e pau-d’arco amarelo ou roxo que enchiam os olhos.

Andando na direção das praias, sem ir muito longe, no caminho havia cajueiros de pequeno porte com sombras, oferecendo frutos miúdos e azedos. As fruteiras que inundavam os quintais, praças e alamedas davam a sensação de não ter saído de Serraria, por isso gostava de caminhar pelas ruas do bairro de Tambiá, onde morava, e outros lugares que chamamos centro da cidade. Catava para comer os oitis na Praça da Independência, os jambeiros e as mangueiras que se esparramavam pelas calçadas. Olhava de longe as pitangas nos jardins, sentindo na boca o seu sabor.

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Pitangas Kim Starr
Mesmo na paisagem calma e atraente de então, os carros e a movimentação das ruas me amedrontavam. Foi um tempo quando desejei voltar para minha terra.

Em Serraria, andava com quicé de faca na cintura; vindo morar nesta cidade, tentei manter esse costume. Residindo no bairro de Tambiá, para me resguardar de malfazejos, falava e percorria as ruas como um camponês. Sem que ninguém percebesse, espiava o céu com sua opulência de cores e luzes, espairecendo nas noites escutando a música do vento, quando espichava os olhos para observar as pessoas e as garças na lagoa do Parque Solon de Lucena ou quando, na boca da noite, estando na Praça da Independência, dava-me a sensação de estar em Serraria, não esquecia o pequeno trinchete que me acompanhava escondido nos cós da calça, mesmo que a vontade fosse carregar na cintura uma faca de arrasto como os carreiros.

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