Numa tarde da Primavera que findava, passando pela calçada do Parque Arruda Câmara, a Bica, como popularmente chamam o nosso ...

Poema de uma palavra

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Numa tarde da Primavera que findava, passando pela calçada do Parque Arruda Câmara, a Bica, como popularmente chamam o nosso zoológico, recordei que muitas vezes ali estive procurando imagens para compor a paisagem de minha poesia, já que Tapuio de minha infância estava distante. Lugar aprazível que nos envolve e conduz ao invisível prazer que não cabe numa crônica. Na minha juventude ali risquei na casca de uma árvore um “S”, a primeira letra do nome da Musa, sem que ela estivesse perto.

Foi um tempo quando caminhava por suas alamedas, contemplativo, sentava à sombra dos ipês amarelos e roxos, o espírito flutuava por sua paisagem enquanto o poema era resumido na escrita deixada no tronco da árvore onde desenhei a letra. Uma letra sintetizando a emoção de que um dia alguém lesse a mensagem do poeta desconhecido, deslumbrado com a beleza do rosto feminino na paisagem da imaginação.

O alento durante os passeios que periodicamente fazia ao lugar, há cinquenta ano, nas tardes de banzo, são inesquecíveis. Tudo acolá gera paz.

Há quanto tempo não retornava ali, onde cultivei sonhos e projetei a mãe de meus filhos. Foi um tempo quando escutava o vento nas árvores infinitas. Tantas vezes deixei-me embriagar pelo que exalava da paisagem, a brisa fresca levando-me a lugares distantes que Dante harmonizou numa das mais belas narrativas. Na sombra das plantas e árvores, o poeta de outrora lembrava do lugar onde gravou sua mensagem para a mulher que imaginava um dia encontrar.

Tinha fixado meu entusiasmo pela paisagem da Bica desde quando residia em Tambiá, na década de 1970, e alimentado pelas saudades de minha terra, recorria ao sossego daquele lugar na certeza de que, sentindo o ar fresco ao final do dia, compunha a imagem daquela que encontrei para inspirar meus poemas.

Quando retornei ao Parque Arruda Câmara na companhia de Balduíno Lélis e do fotógrafo Antônio David, dois fazedores de sonhos ungidos pelo mormaço de Taperoá, estavam movidos pela saudade das terras esturricadas do Cariri e eu recolhendo a saudade dos canaviais e palmeiras que acenam do alto das serras de Serraria. Lembramos de como funcionava aquela área verde da cidade em décadas passadas. Não lhes falei do poema de uma palavra deixado na casca do pau-d’arco, mas contei dos apegos que me conduziam para aquele lugar quando morava na proximidade.

Enquanto Balduíno falava de Taperoá, descrevendo a emoção de retornar ao parque que ajudou a reconstruir na administração municipal do conterrâneo Dorgival Terceiro Neto, imaginava-me percorrendo os caminhos de Serraria, no tempo quando socava os pés no massapê úmido do meu Tapuio, plantando cana, feijão e milho, e que agora, no crepúsculo do avançar da vida, Sofia, que conduz a expressão do ouro na face, inspira-me transformar em poesia as paisagens vistas pelo telescópio do coração.


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