Fiquei em dúvida se escrevia ou não este texto. Às vezes acontece isso comigo. Alguns temas são delicados ou ambíguos, potencialmente cap...

O Brasil e o 'Touro de Ouro'

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Fiquei em dúvida se escrevia ou não este texto. Às vezes acontece isso comigo. Alguns temas são delicados ou ambíguos, potencialmente capazes de gerar controvérsias. Fujo deles, tal como fazia um homem sábio, Machado de Assis. Há quem goste de polêmicas, muitos as procuram. Não é o meu caso. Delas, tenho tédio, como Machado, pois aprendi que nunca levam a nada, salvo à radicalização dos pontos de vista em conflito, ou seja, elas pioram muito o que muita vez já era ruim. Discutir futebol, política ou religião? Tô fora. Posso até eventualmente escrever algo relacionado a tais assuntos, mas não com a intenção de polemizar com ninguém. Quem quiser que tenha suas opiniões e seja feliz com elas, se possível for. Mas vamos ao touro que tanta confusão gerou
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nos últimos dias neste país repleto de coisas mais importantes para se ocupar.

O “Touro de Ouro” a que me refiro no título é o nome da escultura (de fibra de vidro, parece) do artista plástico Rafael Brancatelli, que foi colocada recentemente na frente do prédio da Bolsa de Valores de São Paulo ou de uma corretora, não importa. Segundo os responsáveis, a estátua pretende (ou pretendia) simbolizar “a força e a resiliência do povo brasileiro”, apenas isso. Esculturas semelhantes (normalmente de bronze) existem em outras cidades importantes pelo mundo afora, como, por exemplo, Nova York, cujo touro de Wall Street tornou-se há tempos atração turística. Aqui, ao contrário, a “obra de arte” transformou-se rapidamente em centro de discórdia, gerando indignados protestos.

O que em cidades desenvolvidas significa normalmente a ambivalente “força do mercado”, geradora de riquezas (e de problemas sociais, também), aqui passou a ser visto por muitos como uma provocação deliberada aos desempregados e aos mais pobres, justamente aqueles alijados do tal mercado. Daí os protestos, as pichações, o vandalismo, a indignação dos que se opuseram ao “Touro”, como se fosse a própria imagem do Mal, e exigiram sua retirada da calçada paulistana. Tudo compreensível num país atrasado como o nosso, onde o capitalismo, motor da economia, resiste como sinônimo de iniquidade e pecado.

O. Brito
Nada de novo, pois desde os tempos coloniais, o Brasil sempre relutou diante do empreendedorismo individual, preferindo apegar-se às tetas do Estado, no caso, a coroa portuguesa, em busca de privilégios elitistas que nunca chegavam (nem chegam) à maioria da população, de modo que, estatista ou liberal, o atraso é sempre o mesmo, como bem demonstra todo esse movimento febril contra o “touro dourado”.

Tudo bem que se proteste contra o que se quiser. Esta é uma das mais sagradas liberdades democráticas, que deve ser preservada a todo custo. Só nas ditaduras, de direita ou de esquerda, é que a livre manifestação dos cidadãos é proibida (ou limitada). Mas existem protestos e protestos. E cada qual reflete o tipo de sociedade que os produz. Pichar e exigir a retirada de uma simples escultura de animal, simbólica que seja, reflete algo da sociedade brasileira atual. Essa é a questão sobre a qual reflito e convido o leitor a refletir.

O “touro” representa o lado perverso do capitalismo? E o prédio da FIESP na Avenida Paulista? E a sede dos grandes bancos
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e grandes empresas na mesma alameda? Por que não constituem também objeto de protestos por parte dos incomodados com a estátua taurina, transformada em bode expiatório, desculpe o trocadilho? A propósito, fico pensando, por exemplo, no Cristo Redentor do Rio de Janeiro. Será também uma provocação aos ateus, aos agnósticos e aos devotos de outras crenças? Se brincar, vai ao chão.

Claro que a psicanálise social e outras ciências explicam o fenômeno paulistano. E explicando-o, explicam simultaneamente o Brasil contemporâneo, ainda tão primário, tão infantil, nesses tolos arroubos reclamatórios. São vários os aspectos que a questão suscita, sei bem. Mas os atos sempre revelam a alma de quem os pratica, e é essa alma que me interessa – e espanta.

O fato é que, de uma forma ou de outra, os protestos produziram efeito. O “touro” foi retirado da calçada, e não devido ao seu alegado simbolismo político-econômico, mas, prosaicamente, apenas por não ter a prévia licença da prefeitura da cidade, o que, por sua vez, depõe contra a Bolsa de Valores, cuja ignorância sobre elementares normas municipais é de pasmar.

Enfim, isso é o Brasil, país cada vez mais inviável, onde um irrelevante touro de plástico agita as ruas, mas um escândalo como o “orçamento secreto”, não.

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  1. Tiraram o Touro e deixaram Bolsonaro. Lembra-me a estória do bêbado que se viu de repente ante dois touros - um que era e outro que não era. Ao lado, dois postes - um que era e outro que não era. Escondeu-se atrás do poste que não era, veio o touro que era e...

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  2. É isso aí, Solha. Obrigado.

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