Apesar de parcerias com vários compositores ligados à UFPB – José Alberto Kaplan, Ilza Nogueira , Carlos Anísio e Eli-Eri Moura – e com o...

A Arte da História

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Apesar de parcerias com vários compositores ligados à UFPB – José Alberto Kaplan, Ilza Nogueira, Carlos Anísio e Eli-Eri Moura – e com o cineasta Marcus Vilar, do NUDOC, apesar de ter sido tema da monografia da atriz Suzy Lopes para seu bacharelado de teatro da mesma universidade e de ter o painel Homenagem a Shakespeare no auditório da reitoria, não tive formação acadêmica. Esse painel – de 1997 – e meu livro “Zé Américo foi Princeso no Trono da Monarquia”, de 84, em que penso ter demonstrado que “A Bagaceira” – teve (conscientemente ou não) influência do “Hamlet”, me remetem a uma ligação de João Batista de Brito, então do CCHLA (Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes) convidando-me para dar uma palestra sobre Shakespeare num dos aniversários de nascimento e morte do Bardo, 23 de abril.

Ac. Pessoal
- João, quem sou eu pra fazer isso aí, com você na plateia, mais a poeta Vitória Lima, graduada em Estudos Shakespeareanos pela Universidade de Birmingham? - 

Nós queremos – exatamente isso: ouvir alguém de fora de nosso meio!

O romanceamento do “Hamlet”, que encerra minha “História Universal da Angústia” (ed. Bertrand Brasil, 2005) deriva da pergunta que me fiz ao terminar esse telefonema: “O que é que vou lhes dizer, que eles não saibam?”

- Bem – comecei a palestra, com ar gozador. – Tenho uma enorme vantagem sobre vocês: um curso de contabilidade.

Todo mundo riu.

- Acontece – prossegui – que o criador da contabilidade que tanto pratiquei, depois, como subgerente da agência do Banco do Brasil de Pombal, nos anos 60, foi o Fra Luca Pacioli, o mesmo matemático que escreveu – com ilustrações de Da Vinci – o "De Divina Proportione" – com cálculos que tanto serviram para a criação da “Última Ceia” e da “Gioconda”, como para a do roteiro do “Couração Potenkim” – do Eisenstein, como já tinham sido úteis aos arquitetos Calícrates e Ictinos na concepção do Pártenon e... serviram para as peças de meu amigo Biu Shakespeare.

Foi flagrante a diferença que senti, durante o curso ginasial, entre a maneira como a História – do Brasil, das Américas e a Universal – me era didaticamente passada nos livros e aulas, e a – apaixonada - que passei a conhecer por um de seus grandes espelhos – a da Arte.
El Greco
Eu tenho a História da Arte de Sheldon Cheney – publicada pela Livraria Martins Editora em quatro volumes encadernados, de 1953 – mas devo tê-la comprado dois anos depois, com meu primeiro emprego. Até hoje me deslumbra o texto, em tradução de Sérgio Millet, quando menciona, em El Greco, “a modelagem supersensível das mãos (...), indicadora da emoção e caráter”, “a luz de relâmpago, as involuções das nuvens e do panejamento, o contraponto flutuante de claro e escuro”, “um verde pálido ou triste, azuis frios, amarelo-limão ou ocre, vermelho de vinho (...) secundados pelos pardos e cinzentos”.

Quando me acerquei de Guararapes pra escrever meu romance “A Batalha de Oliveiros” – editora Itatiaia, 1989, li tudo que me foi possível a respeito: d”O Valeroso Lucideno” - de Frei Manuel Calado do Salvador, à “História dos Feitos Praticados por Nassau durante oito anos no Brasil” de Gaspar Barléu. Mas, pra trazer o grande espetáculo da guerra do século XVII bem pra perto do leitor, recorri ao documento visual dos grandes, supremos pintores holandeses da época da Invasão, como Frans Hals, Rembrandt, Frans Post, Albert Eckout e Vermeer. Só então trabalhei pra realizar uma visão solta de tudo aquilo.

Frans Post
“.... esporeio de novo, ouvindo o alarma, e recomeço a remover o centro do meu universo para o Boqueirão, desesperadamente! Vejo, de súbito, o porta-estandarte louro vir a cavalo, em fuga, com o magnífico tafetá carmesim-azul da bandeira flamenga tremulando ao vento e, com uma precisão estúpida, vejo que Vieira, ao meu lado, guina a montaria quase tombando para a direita, como se fosse despencar, e estira o estilete de luz da lâmina fina para o coração do alferes van de Sriegel. A extrema afiada aponta vermelho-brilhante às costas do rapaz e Vieira larga a espada, para pegar no ar o estandarte que o outro solta ao morrer, exibindo-o triunfante. O General Barreto gargalha eufórico, o sol glorifica as armas das Províncias Unidas e da Companhia das Índias Ocidentais – o leão rompante ruge coroado no campo carmesim-azul – pegando fogo em mãos brasileiras.”

Em meu romance Relato de Prócula – ed. A Girafa 2009, Padre Martinho - meu protagonista – diz, entrevistado por Jô Soares, que intensifica suas aulas no Colégio Diocesano de Pombal com filmes.

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- É impossível falar da Idade Média para os jovens, sem lhes mostrar o El Cid, Decameron, Ivanhoé, O Senhor da Guerra, Excalibur e O Nome da Rosa. Não poderia falar de nossa escravidão sem Sinhá Moça, Xica da Silva, Ganga Zumba e Chico Rei. Impossível falar de cangaceiros sem mostrar O Baile Perfumado, Deus e o Diabo na Terra do Sol, Corisco e Dadá, O Cangaceiro.

É um encantamento. Posso dizer que ampliei o que “vi” da História sobre Espártaco, ao assistir ao filme de Kubrick. Convivi com Michelangelo e van Gogh através dos romances Agonia e Êxtase, mais Sede de Viver – do Irving Stone, convivência ampliada pelas superproduções homônimas de Carol Reed e Vincente Minnelli. Gracialiano Ramos preso? Ele me contou tudo em Memórias do Cárcere, que revi, também, no filme de Nelson Pereira dos Santos. Canudos? Estive lá com Euclides da Cunha em Os Sertões e o revi de outro ângulo em A Guerra do Fim do Mundo, de Vargas Llosa. Vi a origem da mais bela e triste composição que conheço – Música para o Funeral da Rainha Mary - graças ao filme sobre Henry Purcell, de Tony Palmer.

Arte. Mesmo quando se trata de uma Guernica de Picasso, ela conta tudo. A Rendição de Breda? Lá está, pintada por Velásquez. Já viu a série de gravuras dos Desastres de la Guerra, de Goya? Já “viu”, na Ilíada e na Eneida, o que foi a Guerra de Tróia? Viu todos os êxodos contemporâneos que o Sebastião Salgado foi fotografar ao redor do mundo? Já viu a mais famosa foto de Jânio, batida por Erno Schneider, em que o presidente, de costas para nós, volta-se pra esquerda, o pé esquerdo virado pra direita? - sobre o Jânio, não se precisa saber mais nada. Realmente: a História da Arte me ensinou a Arte da História.


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