Na adolescência habitamos a mesma paisagem e fomos alimentados pela garapa da cana caiana e pisamos no barro que ficou pregado nos pés...

Conversa com a Memória

Na adolescência habitamos a mesma paisagem e fomos alimentados pela garapa da cana caiana e pisamos no barro que ficou pregado nos pés. Ramalho Leite e eu carregamos a sina de ter nascido na terra onde exala poesia e brotam sinais de bonança em cada córrego e capoeira. Entre Borborema e Bananeiras, Ramalho construiu vitórias antes de exibir o estandarte da imortalidade. No aceiro da paisagem das duas cidades encontra-se Serraria, com belas palmeiras que acenam do cocuruto das serras, impulsionando-nos a não desistir mesmo que os caminhos sejam enviesados.

Andamos, viramos e mexemos, e quanto mais assim fazemos, próximos estamos dos lugares onde fomos gerados. A terra onde nascemos está grudada em nossos pés, e sua melodia caminha conosco.

Ana Paula Cavalcanti
Durante décadas, o historiador e jornalista Ramalho percorreu o caminho das redações de jornais, andou com desenvoltura pelos corredores do Palácio da Redenção desde quando o Brejo ali aportou na pessoa de Pedro Gondim. Destacou-se na tribuna da Assembleia, onde, com denodo, foi porta-voz povo paraibano, notadamente da sua região. Hoje é político concluído, que atua em outras frentes, principalmente nas letras e no incentivo à cultura. Fiz-me seu eleitor com sufrágio retardatário das urnas, quando de sua escolha para ocupar no IHGP a cadeira de Dorgival Terceiro Neto.

Afastado da labuta política, passou a escrever e publicar livros, numa conversa com a memória. Ele mesmo testemunha e personagem de fatos que marcaram a história política da Paraíba por mais de meio século, porque cedo estava presente às cenas protagonizadas por velhos e experientes políticos, no Palácio da Redenção, dos quais tirou lições.

Desde a aposentadoria das disputas políticas, escreve suas lembranças e pesquisas acerca da história das cidades onde viveram seus antepassados, nossos ancestrais. Seus livros têm espaço reservado em minha biblioteca, depois de lidos com as devidas anotações. Quando os empresto, vão com chocalho e no cabresto para não se perder de vista e prazo de devolução estipulado.

Gonzaga Rodrigues chamou a atenção para o humor que Ramalho adotou ao escrever crônicas ou quando pronuncia discursos, o que torna este escritor um tanto diferente do que vem sendo praticado na Paraíba. Um autor que escreve sem floreio, como fazia Graciliano Ramos.

Rigoroso na cobrança da boa escrita, Juarez Farias prefaciando livro de Ramalho, afirmou que ele tem invejável poder de síntese, seu texto é bom e a seleção de histórias muito boa. Ao que escreveu o mestre Juarez, eu acrescentaria que Ramalho é um pesquisador minucioso que descobre fatos escondidos da história paraibana.

Deveria falar do conjunto de sua obra literária, composta de revelações históricas e crônicas, agora ressaltarei o prazer da leitura de dois livros que chegaram às minhas mãos. Primeiro foi “O poder de bom humor”, de 2007, e agora, “Era o que tinha a dizer”, nos quais brindou seus leitores com histórias do folclore político da Paraíba, vividas ou presenciadas durante mais de quatro décadas de convivência com o poder e a política. Enfim, faz uma abordagem de sua trajetória de parlamentar, revelando fatos desconhecidos.

A. Pessoal (FB)
Assim como José Cavalcanti, outro político “aposentado” que se meteu a contar causos e lorotas, Ramalho tem ajudado a resgatar os bastidores do governo, aliás, de muitos governos que acompanhou nas última seis décadas.

Quando nesta semana, enfadado das leituras de romances que Milton Marques Júnior recomendou, depois de refugar durante uns dias os tratados teológicos que a Igreja aponta para minha formação, após transformar relatórios técnicos em linguagem acessível durante todo o ano, refugiado à biblioteca, recorrei a releitura de “O poder de bom humor”, que trouxe-me alívio e gargalhadas, a ponto de minha mulher indagar o que se passava comigo.

Agora, cutucada a memória, Ramalho não para de escrever e nos presenteia com registros que passariam despercebidos sem sua agudeza de repórter. Com o “Era o que tinha a dizer”, frase que sempre se termina um discurso e aparte no Parlamento, ele rasga o baú para expor lembranças e contar tudo como registro da história que ajudou a tecer. Vencendo as hesitações, raspa a memória do que ficou guardado e, agora, chega com este novo livro. Um presente para todos nós, e fonte de pesquisa para se conhecer os meandros da política.

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