Da solidão de não pertencer à quarta dimensão - de Daniela Della Torre (Editora Nankin, 2009) – Qual seria a melhor imagem de Clarice,...

Autoentrevista a respeito de Clarice Lispector

Da solidão de não pertencer à quarta dimensão - de Daniela Della Torre (Editora Nankin, 2009)

– Qual seria a melhor imagem de Clarice, após essa leitura?

– A da fotomontagem de Wanda Wuls, Moi+Chat, de 1925, que aqui em seguida está.

– Alguma surpresa, no livro da Della Torre.?

– Remeti e-mail para o Affonso Romano de Sant´Anna:“Termino de ler “Clarice Lispector - da solidão de não pertencer à quarta dimensão”, de Daniela Della Torre. Lá encontrei mais uma confirmação de que v. sempre teve uma vida intensa: entrevistando Clarice!!!” Resposta: “Por essas e por outras é que no ano que vem vou publicar um livro com aquela entrevista e textos meus e de Marina sobre Clarice: modo de reunir a dispersão”.

Wanda Wulz
Na verdade, COM CLARICE foi publicado em 2013, pela Unesp.

– Sobre o silêncio, de que tanto Clarice e Daniela falam, o que v. sabe?

– Pude ... ouvi-lo no livro de Daniela. Certa vez fiz um curta-metragem, ainda em Super-8, O Efeito Iôrran – Iôrran: Johann... Sebastian Bach. Nele tentei mostrar como uma simples cena de feira, com freguesas de luto, cadáveres de bois, frangos e peixes pode se encher de enorme tristeza ... trágica. A interpretação da vida e obra da escritora, feita pela Della Torre, foi, para mim, como a música de Bach sobre a vida à nossa volta, que, até então, me parecia trivial.

- Afinal, o que pensa de Clarice?

– Francamente?

- Claro.

- Não gosto.

Em 2020 sairia um conto meu, O DIA ADIA, no livro FELIZ ANIVERSÁRIO, CLARICE, ed. Autêntica, feito a convite de Hugo Almeida, o amigo mineiro radicado em São Paulo, em que – sobre um de meus personagens – eu diria:

“Não gostava de Clarice Lispector. Para ele, ela – não sabia bem o motivo – era um mito, no more. Ou... sabia, sim: seria difícil tal ucraniana dita pernambucana, chamada Chaya Pinkhasovna Lispector, autodenominada Clarice, “a maior escritora judia desde Franz Kafka”, passar despercebida. Mas... “não vejo, nos textos dela, certa magia que sinto mesmo em expressões como rosa dos ventos ou flor do Lácio”. Talvez a perda do carisma lhe viesse com a distância, no tempo.
Como a que se sente quando se vê hoje a badalada cavalgada que leva à batalha sobre o gelo, de Alexandre Nevsky, de 1938, enorme sequência sincronizada com a música de Prokofiev, na verdade tudo muito... tosco... e duro, como o elenco do Evangelho Segundo São Mateus, de Pasolini. “Dizem que ela era belíssima, porém não vejo isso se confirmar em nenhuma foto daquela cara eslava, de maçãs salientes, os olhos de mongol”. “Talvez não fosse fotogênica” – Sôia lhe dissera. “É, e sabia dar bons títulos, só isso. Perto do coração selvagem e A Paixão segundo G.H. são ótimos. De A Hora da Estrela gosto mais do filme que gerou, da Suzana Amaral. É: Marcélia Cartaxo como Macabéa, Zé Dumont como Olímpico de Jesus: estão ótimos”. “Será que você não está dizendo isso porque são paraibanos?”

Voltando à autoentrevista de 2009:

- Você abre seu livro Trigal com Corvos dizendo que também não gosta de Machado nem de Brahms , o que me faz pensar que existe algo errado em você…

- Claro.

- Mas gostou do filme A Hora da Estrela.

- O que me mostra que talvez eu precise de um guia pra chegar a Clarice, daí o interesse pelo livro de Daniela della Torre.

CC0
– O filme fez, para você, o mesmo que o livro dela?

– Acho que sim.

Mas por que mesmo não gosta de Clarice Lispector?

- Talvez o excesso de badalação em torno dela. Ela mesma, segundo Daniela, se ressentia disso. Tinha horror a ser considerada um monstro sagrado. Talvez não me impressione porque foto não capta carisma. Pelo menos foi o que senti vendo-me diante de muitos dos quadros célebres, em museus europeus, que eu conhecia por fotografias desde a infância. Alguns perderam todo o charme para mim, outros tiveram-no centuplicado. A voz de uma pessoa, frequentemente, conta muito. Seus movimentos, seu ritmo, seu cheiro, também.

– Você gostou do livro de Daniela della Torre?

- Em oitenta por cento dos casos não vou até a última página. Nesse caso, fui. A partir disso, pode-se dizer que gostei do trabalho dela.

- Por que foi até o fim?

- Porque ela escreve bem, raciocina melhor ainda. Pode ser, também, que o mérito seja de Clarice. O livro conta toda a sua vida, que eu não conhecia em detalhes.

- Mas você acaba de dizer que não gosta dela…

- “Não gosta” é uma expressão muito forte. Eu diria que o estilo dela não faz o meu gênero.

- Por que?

- “Words, words, words” – como diz Hamlet. Clarice dizia, como está no livro de Daniela, pág. 129, “as palavras que digo escondem outras – quais?” Acho que nenhuma. Clarice – é a minha impressão – “fazia literatura”. Como se não visse um palmo adiante do nariz, em Londres, devido ao fog... e pintasse o fog. feito Whistler. Ou Turner.

– A que, então, afinal, lhe atribui a fama?

– Acho que ela viveu na época certa, em que a literatura era extremamente valorizada em toda parte. Hemingway era um pop star. Havia, no Brasil masculino, as figuras exponenciais de Guimarães Rosa, Graciliano, Jorge Amado, Érico Veríssimo, Mário de Andrade; e – no feminino – Rachel de Queiroz, Lygia Fagundes Telles, Nélida Piñon, Hilda Hilst – seguindo a trilha de Simone de Beauvoir, Virginia Wolf, Françoise Sagan. Clarice tinha, a seu favor, a decantada “beleza”, seu mistério “ucraniano”. Além do mais, Clarice – como bem conta Daniela – era furona: sabia que precisava não só do pagamento como da divulgação que escrever em revistas como Senhor, Manchete e Fatos & Fotos lhe acarretaria. Sem falar de jornais de grande circulação…

– Bem. algo mais sobre o livro de Daniela della Torre?

– É um trabalho que conta Clarice – vida e obra - ou seja: Daniela nos dá uma biografia com vida interior, consegue penetrar no fog em que a escritora viveu. À paixão de leitora pela texto da escritora, prevaleceu a curiosidade investigativa da psicóloga. E isso deu um bom resultado.


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  1. Muito boa a "entrevista". Certa vez eu "entrevistei" Monga, a mulher que virava macaco. Ficou interessante.
    Mas esta aqui está repleta de erudição, bem ao gosto do autor.
    Excelente! Despertou a minha curiosidade para ler o livro de Daniella Della Torre.
    Parabens, Solha!

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