No final de 1848, irrompia no Recife um levante armado que ficou para a história com o nome de Revolução Praieira, em razão da sede do jor...

O rebuliço causado pela derrubada de uma gameleira secular

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No final de 1848, irrompia no Recife um levante armado que ficou para a história com o nome de Revolução Praieira, em razão da sede do jornal que propagava as ideias dos insurgentes localizar-se na rua da Praia. A rivalidade entre os adeptos dos Partidos Liberal (os praieiros) e Conservador (chamados de guabirus), agremiações que se revezavam no poder nos tempos do Império, teria sido a causa aparente da rebelião, mas, na realidade, o movimento teve motivações mais abrangentes (autonomista, federalista e republicana) que foram abordadas por Amaro Quintas no seu livro “O sentido social da Revolução Praieira”.

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Vista do casario do Bairro do Recife, no Século XIX ▪ Cais do Arsenal da MarinhaJoão Ferreira Villela ▪ Wikimedia
A rebelião foi rechaçada no Recife e, como já ocorrera nas revoltas anteriores iniciadas em Pernambuco (a revolução de 1817 e a Confederação do Equador, em 1824), os revoltosos praieiros se dirigiram para a Paraíba. Em 14 de fevereiro de 1849, os rebelados chegaram a Itabaiana, de onde decidiram ir para a cidade de Areia. Maximiano Lopes Machado, na ocasião juiz municipal de Areia e adepto dos liberais, conta no seu livro “Quadro da Revolta Praieira na Provincia da Parahyba” (escrito em Campina Grande e impresso, em 1851, no Recife) as razões que levaram à escolha da cidade brejeira para sediar a resistência dos praieiros, que vinham sendo perseguidos pelas forças do governo:

“Nenhum outro logar melhores proporções offerecia que a cidade d’Arêa: a sua localidade, os seus habitantes, as autoridades eram outros tantos auxiliares com que deviam contar”.

No dia 21 de fevereiro, as tropas governistas chegavam a Areia e os combates foram travados em uma das ruas da cidade onde existia uma secular gameleira, que era uma espécie de monumento vivo intrinsecamente ligado à vida de Areia. Conforme o historiador Horácio de Almeida “Eram cinco horas da tarde quando o exército de Feliciano Falcão ocupou a cidade. A rebelião praieira havia chegado ao fim. Nasceu no Recife e morreu em Areia”.
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Areia ▪ PB ▪ Fonte Jornal A União, Parahyba do Norte, 1931
Ainda segundo Horácio de Almeida, o governo “pronunciou 18 rebeldes como responsáveis pela conspiração, mortes e ferimentos de que Areia foi teatro no dia 21 de fevereiro [...] Apenas três dos dezoito não eram da Paraíba”. Dentre os paraibanos estavam o historiador Maximiano Lopes Machado (tio dos futuros Presidentes do Estado, Álvaro e João Machado) e o notável jornalista e tribuno Antônio Borges da Fonseca.

Oitenta e dois anos depois do fim da Revolução Praieira, na sexta-feira 13 de março de 1931, o jornal “A União” estampava, na sua primeira página, uma matéria sobre uma sessão que seria realizada, na noite daquele dia, pelo Instituto Histórico e Geográfico Paraibano “em homenagem aos patriotas de 1817”. Numa página interna, da mesma edição do órgão oficial do governo da Paraíba, uma pequena nota, incluída na coluna “Notícias do Interior”, tinha o seguinte teor:

"Areia, 12 – Está sendo derrubada a secular gameleira da cidade, que serviu de baluarte na Revolução Praieira, quando os elementos revolucionários fugiam do sertão, perseguidos pela forças legaes. Achando-se em franca decadencia, ameaçando cahir, o prefeito do municipio, com a approvação do povo, mandou derrubal-a.”
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Dias depois, o advogado areiense Horácio de Almeida (que ainda não despontara como o respeitado historiador que se tornaria) deu uma longa entrevista sobre a derrubada da gameleira, publicada com destaque em "A União" com o título "Um symbolo gigantesgo (sic) que se desmorona":

"Eu ainda estava em Areia quando foi posto o machado sobre o tronco da immemorial gamelleira. Fiquei desolado com esse cruel attentado ao nosso mais precioso relicario historico. A magestosa gamelleira, com a phenomenal grossura do seu tronco e os seus immensos galhos estendidos para o céo, vivia como que a pedir protecção para os habitantes da cidade e a defendel-os dos ataques imprevistos, offerendo o seu cerne como inexpugnavel trincheira,
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Horácio de Almeida
como acconteceu no tempo da revolução praieira que sob a sua fronde teve desastrado epilogo. Todo areiense guardava pela velha arvore uma veneração commovedora que lhe era herdada pelos seus antepassados [...]

Pedro Americo fazendo a consagração do grandioso vegetal em ‘O Holocausto’, dá-lhe uma personificação propria e envolve-o em uma especie de inviolabilidade, com que se explica o respeito e a affeição que lhe têm os areienses [...] O vetusto vegetal presidiu á formação da cidade. Os primeiros bandeirantes attrahidos pela sua sombra agasalhadora construiram ao derredor da secular gamelleira pequenas e tosca habitações que deram origem á fundação da cidade [...] Lembro-me perfeitamente bem do que disse José Américo a respeito da saudosa arvore em magistral discurso:

'Eu tive vontade de perguntar aos areienses porque deixaram ao abandono o emblema verde de nossas esperanças. Enquanto Areia se apoucava, na inercia do seu declinio, a fronde altaneira se arredondava, crescia, vicejava com uma ironia inconsciente, num protesto da flóra contra o urbanismo que conquista as selvas'".

O pintor e escritor Pedro Américo, um dos mais destacados filhos de Areia, no seu romance “Holocausto” (que fora citado na entrevista de Horácio de Almeida), publicado em 1882, em Florença, evocou nas páginas do livro a gameleira secular da sua cidade natal:

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“E a hora em que a irradiação sideral começa a refrescar a terra, e principia o mugido dos ventos impacientes da noute. Então a luz avermelhada do poente, resvalando pelo cimo das mais altas fragas, encontra perpendicularmente os muros das pequenas habitações de Arêas, e presta-lhes, quando considerados de longe, o aspecto de algum desses castellos da idade media, cujos tectos ameiados reflectiam até o amanhecer os fogos das atalayas nocturnas. E esse effeito é completado por uma gamelleira gigantesca que se ergue na parte mais alta da cidade, formando uma espécie de mole escura e quadrangular, semelhante a torre antiga, vestida de musgo, ou denegrida pelo roçar dos séculos”.

Na entrevista que deu ao jornal “A União”, Horácio de Almeida lamentava que o Instituto Histórico e Geográfico Paraibano - IHGP não houvesse interferido na derrubada da árvore histórica e secular, já que a decisão da Prefeitura era de amplo conhecimento. O Instituto retrucou, através de nota publicada no mesmo jornal, informando que havia enviado um telegrama à Prefeitura de Areia tratando do assunto, nos seguintes termos:

“João Pessoa, 13 – Prefeito Areia – Instituto Historico firmado rudimentares conhecimentos botanica appella vossa intelligencia conservação secular gamelleira historica – Pedro Baptista – 1º secretario”.

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LandShaft
Nos dias seguintes à entrevista de Horácio de Almeida, a derrubada da gameleira voltaria a ocupar espaços de destaque em “A União”. O assunto passou a ser discutido, também, nas altas esferas dos governos. O prefeito de Areia justificou o seu ato em telegramas encaminhados ao Interventor federal no Estado Anthenor Navarro e ao Ministro de Viação e Obras Públicas, o areiense José Américo de Almeida.

Em 4 de abril, após ouvir alguns membros do IHGP, “A União” publicava o seguinte comentário:

“parece que os termos do telegramma dirigido pelo Instituto ao prefeito de Areia, por intermedio do seu secretario, não exprimem o protesto vehemente e necessario que se esperava partisse daquela veneravel assembleia contra o derrubamento da monumental gamelleira. O appello a ‘conhecimentos de botanica’ não teve força para sustar os golpes de machado”.
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Em 6 de abril, em uma curta nota, “A União”, muito provavelmente por determinação do Interventor Anthenor Navarro (que era membro do IHGP), encerrava o assunto, que desapareceu das páginas do jornal:

“O caso da gamelleira de Areia – Damos como definitivamente encerrado em nossas columnas o caso da gamelleira de Areia, afim de evitar que no debate esta folha venha a tomar uma attitude destoante do seu papel de órgam official do Estado”.

Para o historiador Luiz Hugo Guimarães, ex-Presidente do IHGP, a abordagem que foi dada pelo jornal oficial ao episódio da gameleira levou a um “racha” no Instituto. Segundo Luiz Hugo, o historiador Coriolano de Medeiros e mais dois sócios “considerando que o Instituto não protestou veementemente contra essas assacadas do jornal oficial” abandonaram a instituição. Na realidade, outra razão pode, também, ser considerada para o afastamento desses sócios: a não concordância com uma nova reeleição do presidente Flávio Maroja, que se encontrava, há 22 anos, na Presidência do Instituto.

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Coriolano de Medeiros
A dissidência no IHGP gerou a fundação do Gabinete de Estudinhos de Geografia e História da Paraíba (GEGHP) que, segundo o médico e historiador Guilherme Gomes da Silveira d’Avila Lins, era uma “versão paralela, temporária e miniaturizada do Instituto Histórico e Geográfico Paraibano (IHGP)”. Fundado em setembro de 1931, por iniciativa de Coriolano de Medeiros, o Gabinete de Estudinhos permaneceu ativo por cerca de dez anos. Os dissidentes, depois, retornaram ao IHGP e Coriolano de Medeiros, em 1937, foi eleito presidente do Instituto.

O Gabinete de Estudinhos, durante a sua existência, produziu um periódico que, nas palavras de Guilherme d’Avila Lins, era “bastante modesto quanto à sua apresentação gráfica, porém de extrema importância editorial e de igual valor sob vários aspectos do seu conteúdo, ainda relativamente muito pouco conhecido em decorrência da sua raridade”. Para se avaliar a importância desse periódico, em um deles foi apresentado um preciosíssimo documento, inédito, da nossa história colonial: a terceira carta de data em sesmaria concedida na Capitania da Paraíba, datada de 3 de junho de 1587.

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  1. Texto muito bom, que mostra as ramificações entre o caso da árvore e a política local, com o evidente "calaboca" dado pelo interventor de plantão. Parabéns.

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  2. Este registro nos dá a comprovação da lamentável tendência de muitos de nossos administradores para a derrubada de árvores centenárias, que muitas vezes, como a gameleira de Areia, tiveram importância no dia a dia de nossa terra.

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