Esta declaração de Picasso poderia ser a epígrafe de um comentário sobre o livro "Para Tocar Tuas Mãos": "Me tomó cuatro...

O livro de William Costa

critica literaria livro marco lucchesi william costa
Esta declaração de Picasso poderia ser a epígrafe de um comentário sobre o livro "Para Tocar Tuas Mãos":

"Me tomó cuatro años pintar como Rafael, pero me llevó toda una vida aprender a dibujar como un niño".

Isso a propósito de uma assertiva de Marco Lucchesi na quarta capa da publicação:

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Marco LucchesiDiv.
"Tenho a impressão de que a infância, em William, é uma chave.

Lucchesi é um “monstro sagrado”. Calhou-me passar uma tarde com ele — para uma longa conversa —, num dos antigos FENARTs do Espaço Cultural, à disposição do auditório. Pouca gente me impressionou tanto pela facilidade da palavra e pela erudição. Daí que considero uma coroa de louros, para o nosso cronista, a frase com que o poeta carioca abre sua apresentação:

"William Costa é um escritor delicado, que sente a força das lacrimae rerum".

O William menino esteve, na vida real, aqui em meu gabinete. Ao contrário dos outros amigos de meu filho Dmitri, que procuravam manter distância de mim, ele se deixou fascinar pelos livros na estante. A coisa foi tão forte, que eu lhe disse pra escolher o que quisesse ler e levasse.

A bela capa de Domingos Sávio e o título do livro têm a ver. É próprio William que diz, logo de cara:

"A crônica que persigo é fugaz como a borboleta. Ou a mão que me tocou na multidão".
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William Costa ▪ jornalista de carreira e escritor; diretor de Mídia Impressa da EPC/A União; cronista do jornal "A União". ▪ FotoAntônio David Diniz
Ele é cheio de achados. Prossegue menino, em "Palavras no quarador":

"Uma serpente incolor a deslizar sobre rolimãs de pedra (seixos miúdos)."

"A pele fria da água parada."

Em "Estirpe", ele joga claro. O que faz da vida?

Observa coisas para as quais muita gente não dá importância. Flores. Nuvens. Urubus. Mendigos. Garis. ISSO DESDE CRIANÇA.

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David Clode
Há momentos em que ele me lembra muito a cena de abertura do VELUDO AZUL, de David Lynch: vemos uma cerca alvíssima contra o céu azulíssimo, um senhor regando o jardim com a mangueira, seu inesperado infarto, a câmera deixando isso de lado e se imiscuindo nas formigas e outros insetos, dentro do gramado. Na mesma crônica, William vai fundo:

"Tem ouvidos aguçados para os barulhos da terra, (...) queda de tanajuras (...) a desengonçada corrida dos lagartos (...) Besouros escavando buraco. Sumindo na areia."

O "Chamado das Águas" é uma crônica que seria prato cheio pra Freud. William conta como, quando garoto, foi chamado duas vezes — uma em cada enchente — pelo rio Quipauá, no sertão:

"... a correnteza o encantava como um chamado à aventura. 'Vem, bem, levo-te embora daqui'. Resistiu daquela vez."

Na outra página, ocorre a cheia de novo, e ele, como quando parou ante os livros de meu gabinete, relata:

"... de novo o encantamento. A mente impelindo ao salto. (...) “Vem, vem, coragem”. Os pés inquietos, As mãos quase dois pássaros prestes a escapar do ninho, para o primeiro voo."
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Santa Luzia, Paraíba ▪ Foto Otoniel Jr
E chegamos ao centro do livro. Em "O Mar sem Gaivotas", ele diz:

"Impossível esquecer a visão primeira, de menino recém-chegado do Sertão, para quem a maior ideia que tinha de água tinha o tamanho do açude público de Santa Luzia."

Mais um recuo no tempo:

"Ah, a primeira imagem do mar oceano! Impossível esquecer a gravura em branco e preto, estampada na página surrada da velha História Geral.

Não havia poesia naquele primeiro mar. Apenas medo. Mistério. Solidão."
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Ponta do Seixas, Parahyba do Norte ▪ Foto Marinelson Almeida
Ele chega mais perto.

"Um arrepio de medo. Um êxtase inexplicável.

Maria Valéria Rezende, que - não satisfeita com o Jabuti de melhor romance e, em seguida, de melhor livro do ano, no mesmo Jabuti, foi pegar em Cuba uma terceira láurea, a da Casa de las Americas
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— sabe o que está dizendo quando comenta, na orelha do "Para Tocar Tuas Mãos":

"Poderíamos mesmo, dizer que este livro é um romance."

Isso faz pensar em quantos o Zé Lins produziu, a partir de sua infância no Engenho Corredor.

Para concluir: conheci o prefaciador – Thiago Andrade Macedo – no Museu Rodin, de Paris, isso depois de já ter lido e resenhado seu romance "O Silêncio das Sombras". Título de seu prefácio: "(A) ventura da vida”. Diz tudo. Ou quase. Fico a cismar, ante esse trio de autores de que William Costa se muniu em sua primeira publicação em livro — Lucchesi, carioca; Thiago, mineiro; Maria Valéria Rezende, santista – e me parece que ele pretende ir mais longe.

Bem, o trailer fica por aqui. Thiago afirma, logo na abertura de seu texto, que se trata de “um livro que já nasce sólido e corpulento”. É um aval poderoso.

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  1. William Costa28/4/22 13:12

    Bom dia, Solha e Germano.

    Solha, li com imensa emoção o texto que você escreveu sobre o Para tocar tuas mãos, gentilmente reproduzido por Germano no Ambiente de Leitura Carlos Romero - um espaço literário que consolida-se a cada dia como a ágora dos que traduzem suas impressões de si e do mundo por meio da palavra-arte. Muito agradecido, meu bom e velho amigo, pela boa leitura e o comentário sobre o livro. E a Germano, pela acolhida. Um estímulo e tanto para mim, no sentido de concluir a segunda aventura literária. Aliás, já está passando da hora. Um abraço dos grandes, para ambos!!! William

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  2. Solha escreveu um belo texto sobre um belo livro.

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