Ela é leve como as plumas que não tem, e seus olhos veem além dos nossos, através das superfícies que escondem as cores. Quem sabe, a magia que chegou às suas mãos, na tarefa de bordar o enxoval da irmã caçula, todo dia, às dezessete horas... uma cadeira na calçada, ao lado da Catedral, certamente diante do pôr do sol e seus matizes! Cumpriu essa missão com habilidade e carinho. Na escolha das linhas, o mistério das tonalidades encantou a Fada. Quando estudava na Bica (Parque Arruda Câmara), conduzia a pequena, para que a mãe se dedicasse mais ao trabalho. Entre livros e cuidados, folhas em branco e grafite na mão, surgiam árvores, retas, curvas, entrelaçadas, folhagens, horizontes percebidos ente a terra e o céu... formas perfeitas para rivalizar com a natureza.
Apaixonou-se bem jovem pela filosofia, e seguiu seus caminhos do pensar, ler, contemplar...
Com esse pigmento, mergulhou na dor dos camponeses, dos sofridos operários, da opressão dos usineiros... trouxe para suas obras, a cana de açúcar, a erosão da falésia do Cabo Branco, a fase das frutas, que de tão reais estimulavam os olhos e a boca. Seguiu com as sementes, as flores de maio, até retornar à terra, com as montanhas monocromáticas e intensas.
Anos de estudo das cores, exposições nacionais e internacionais, cursos, bienais, workshops e intercâmbios. Atualmente, após uma exposição no CCBB, a decisão de escrever um livro sobre os pigmentos brasileiros, história, ocorrência, classificação... e iniciou um novo projeto de pesquisa: viajar em busca das paletas perdidas, à procura de inscrições rupestres, de argilas verdes, azuis, vermelhas, caminhando entre pedras e espinhos, trajetos que a fizeram sorrir, brincar e encher o olhar de brilho e reflexos de arco-íris.
A coleta de mil saquinhos de argila, que serão catalogados e identificados em vidros, tornou-se uma riqueza sem preço e a maior conquista: As imagens que ficarão presas no registro dos nossos arquivos emocionais, para nunca mais desaparecer.
Marlene Almeida ▪ artista plástica
Voa Fada das cores, próximo destino, Cabaceiras, uma Pousada no fim do mundo, novas descobertas, coletas em terra acidentada, adrenalina a todo vapor. Nós, que não possuímos estes dons, esperamos por cada capítulo, escrito na escrivaninha da antiga professora de pintura, que conseguiu resgatar de um antiquário, aprender o poder da magia, para que marque nossa memória com a inscrição da arte e do afeto, no calcário de nossa temporalidade.